O tempo é de um novo Papa. E além de
ser a investidura de um novo chefe de uma igreja com grande número de fiéis
(cerca 1,2 bilhão) é um Chefe de Estado.
O Vaticano, sede da Igreja Católica, é
considerado o menor Estado do mundo e o que restou dos Estados Pontifícios, os
muitos espaços dominados pelos cristãos ao longo dos séculos. Hoje é um dos
poucos Estados Teocráticos, ou seja, o sistema de governo é de uma autoridade
religiosa. Outros, embora esta autoridade maior não seja necessariamente
personificada pelo líder da comunidade, são: o Irã, que hoje dá conta da
administração nacional através de um presidente civil, passando deste aos
Aiatolás, líderes religiosos muçulmanos; e os autodeclarados estados islâmicos.
Sendo um Estado, o Vaticano não apenas
rege os princípios religiosos que são norteados desde que fazia parte dos
Estados Pontifícios (os muitos espaços administrados pela Igreja Católica
Romana ao logo de séculos até 1870, quando declarado o Reino da Itália), como
administra seu espaço físico. Quem governa é o Papa, e embora não exista uma
(s) casa(s) legislativa(s), há uma escala de administração encabeçada pelo
Secretario de Estado que em última análise é quem trata das finanças e do
processo burocrático que envolve qualquer estado laico.
No plano atual a mídia revela
escândalos financeiros que teriam desafiado o cardeal Tarcisio Bertone,
secretário do Estado do Vaticano. Essas denúncias aliadas aos casos de
pedofilia divulgados internacionalmente, teriam abalado o último papa, Josef
Ratzinger (Bento XVI), afinal renunciante no mês passado, tornando-se vacante o
cargo.
Com a chegada de um novo Chefe da
Igreja, paralelamente o novo governador do Vaticano, as indagações sobre
mudanças drásticas, especialmente na área administrativa, ganham campo nos
prognósticos da imprensa mundial. Mas não se pense que outros Estados
Teocráticos na Historia foram isentos de irregularidades. Apesar de esses
estados implantarem o monoteísmo, derrubando as crenças das grandes potencias
de algumas épocas que chegavam a edificar monumentos a muitos deuses, muitos se
deixaram contaminar pelo lado humano que se combatia em nome da fé. Chegou-se a
paradoxos como as guerras patrocinadas por crentes que tinham entre seus
preceitos básicos um dos mandamentos recebidos de Deus por Moisés: “Não
matarás”.
O Primeiro
Concilio de Nicéia (325 d.C.) foi uma reunião de bispos cristãos que o correu
na cidade de Niceia da Bitínia (hoje Izkik, Turquia) a mando do imperador
romano Constantino I. Constituiu 20 cânones ou regras que o cristão deveria
seguir. O começo foi isolar a chamada “questão ariana”, ou seja, o que disse um
presbítero de nome Àrio, em Alexandria, que Jesus é uma "criatura do
Pai", não sendo, portanto, eterno. Chegava a provocar que "houve um
tempo em que o Filho não existia". Cristo teria sido apenas um instrumento
de Deus, mas sem natureza divina. No Concilio constituiu-se o dogma da Santíssima Trindade, ou seja, Pai, Filho e Espirito Santo uma só pessoa. Muito
do que ficou na Igreja Católica até os dias de hoje veio desse período. Por
isso é que muitos dos “papáveis” atuais trataram de uma “atualização” da
Igreja. Nesse processo de atualização está a estrutura estatal do Vaticano. Não
sei se hoje o cardeal inglês Peter Turkson (era um dos candidatos a papa), teria
influencia a ponto de regularizar a sua ideia de ser criada uma autoridade
financeira global para fiscalizar países e bancos. Segundo este cardeal, a
última encíclica de Bento XVI enuncia “uma verdadeira autoridade politica
mundial”, ou seja, uma transparência nos negócios estatais. No caso do Vaticano,
seria uma resposta ao que foi alardeado como superfaturamento de obras e outras
formas de corrupção encontradas nos estados laicos. A luta pela transparência
dos negócios do Banco do Vaticano foi chamada pela imprensa internacional de
“Vatileaks”. E afinal a questão financeira é uma das mais preocupantes desta
fase de transição de chefe da Igreja. Mas se sabe que não é a única no plano
ético-admistrativo. Acompanhar o tempo deve gerar muitas reformas e o que é
demandado é que o bom senso da cúpula que governa anule possíveis novas cisões no
Trono de Pedro.
A preocupação
mundial com a chegada de um novo papa confirma a importância do catolicismo nos
tempos atuais, mesmo com a pluralidade de igrejas que de alguma forma se apegam
ao protestantismo pós-Lutero (um dos ramos principais do cristianismo junto com
a Igreja Ortodoxa). Sabe-se que a palavra do Sumo Pontífice pode ajudar na paz
de um planeta que se torna vulnerável a cada novo arsenal nuclear e ambições
desmedidas. Enfim, é o pedido para que a divindade ajude as criaturas, todos em
suspense a cada notícia de alguma nação que exibe bombas atômicas e ameace a quem
a contrarie – ou o que impeça seu sonho de grandeza.
Essas e outras expectativas entre católicos ou não cercam o Papa anunciado
na última quarta feira, Jorge Mario Bergoglio ou Georgius Marius Bergoglio, o Francisco I
ou Franciscum, a nominação escolhida pelo cardeal argentino eleito para assumir o
trono vago pelo Cardeal Ratzinger. Bergoglio tem muitos enfrentamentos: a sucessão de escândalos nestes últimos
anos com o envolvimento de padres em abuso sexual de menores e a “larga costa”
dos sacerdotes da Igreja em não punir incisivamente estes comportamentos contra
os denunciados levou o desconforto aos fiéis, ao menos aqueles que conseguem
enxergar a representação política e a moralidade pública dos defensores dos
direitos humanos integrados a uma conduta ética em toda a sua essência na fé. Não
está mais em jogo somente a corrupção financeira, mas a moral sobre a qual o
mundo pede clemência.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 15/03/2013)
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