sábado, 16 de março de 2013

HABEMUS PAPAM!




O tempo é de um novo Papa. E além de ser a investidura de um novo chefe de uma igreja com grande número de fiéis (cerca 1,2 bilhão) é um Chefe de Estado.
O Vaticano, sede da Igreja Católica, é considerado o menor Estado do mundo e o que restou dos Estados Pontifícios, os muitos espaços dominados pelos cristãos ao longo dos séculos. Hoje é um dos poucos Estados Teocráticos, ou seja, o sistema de governo é de uma autoridade religiosa. Outros, embora esta autoridade maior não seja necessariamente personificada pelo líder da comunidade, são: o Irã, que hoje dá conta da administração nacional através de um presidente civil, passando deste aos Aiatolás, líderes religiosos muçulmanos; e os autodeclarados estados islâmicos.
Sendo um Estado, o Vaticano não apenas rege os princípios religiosos que são norteados desde que fazia parte dos Estados Pontifícios (os muitos espaços administrados pela Igreja Católica Romana ao logo de séculos até 1870, quando declarado o Reino da Itália), como administra seu espaço físico. Quem governa é o Papa, e embora não exista uma (s) casa(s) legislativa(s), há uma escala de administração encabeçada pelo Secretario de Estado que em última análise é quem trata das finanças e do processo burocrático que envolve qualquer estado laico.
No plano atual a mídia revela escândalos financeiros que teriam desafiado o cardeal Tarcisio Bertone, secretário do Estado do Vaticano. Essas denúncias aliadas aos casos de pedofilia divulgados internacionalmente, teriam abalado o último papa, Josef Ratzinger (Bento XVI), afinal renunciante no mês passado, tornando-se vacante o cargo.
Com a chegada de um novo Chefe da Igreja, paralelamente o novo governador do Vaticano, as indagações sobre mudanças drásticas, especialmente na área administrativa, ganham campo nos prognósticos da imprensa mundial. Mas não se pense que outros Estados Teocráticos na Historia foram isentos de irregularidades. Apesar de esses estados implantarem o monoteísmo, derrubando as crenças das grandes potencias de algumas épocas que chegavam a edificar monumentos a muitos deuses, muitos se deixaram contaminar pelo lado humano que se combatia em nome da fé. Chegou-se a paradoxos como as guerras patrocinadas por crentes que tinham entre seus preceitos básicos um dos mandamentos recebidos de Deus por Moisés: “Não matarás”.
O Primeiro Concilio de Nicéia (325 d.C.) foi uma reunião de bispos cristãos que o correu na cidade de Niceia da Bitínia (hoje Izkik, Turquia) a mando do imperador romano Constantino I. Constituiu 20 cânones ou regras que o cristão deveria seguir. O começo foi isolar a chamada “questão ariana”, ou seja, o que disse um presbítero de nome Àrio, em Alexandria, que Jesus é uma "criatura do Pai", não sendo, portanto, eterno. Chegava a provocar que "houve um tempo em que o Filho não existia". Cristo teria sido apenas um instrumento de Deus, mas sem natureza divina. No Concilio constituiu-se o dogma da Santíssima Trindade, ou seja, Pai, Filho e Espirito Santo uma só pessoa. Muito do que ficou na Igreja Católica até os dias de hoje veio desse período. Por isso é que muitos dos “papáveis” atuais trataram de uma “atualização” da Igreja. Nesse processo de atualização está a estrutura estatal do Vaticano. Não sei se hoje o cardeal inglês Peter Turkson (era um dos candidatos a papa), teria influencia a ponto de regularizar a sua ideia de ser criada uma autoridade financeira global para fiscalizar países e bancos. Segundo este cardeal, a última encíclica de Bento XVI enuncia “uma verdadeira autoridade politica mundial”, ou seja, uma transparência nos negócios estatais. No caso do Vaticano, seria uma resposta ao que foi alardeado como superfaturamento de obras e outras formas de corrupção encontradas nos estados laicos. A luta pela transparência dos negócios do Banco do Vaticano foi chamada pela imprensa internacional de “Vatileaks”. E afinal a questão financeira é uma das mais preocupantes desta fase de transição de chefe da Igreja. Mas se sabe que não é a única no plano ético-admistrativo. Acompanhar o tempo deve gerar muitas reformas e o que é demandado é que o bom senso da cúpula que governa anule possíveis novas cisões no Trono de Pedro.
A preocupação mundial com a chegada de um novo papa confirma a importância do catolicismo nos tempos atuais, mesmo com a pluralidade de igrejas que de alguma forma se apegam ao protestantismo pós-Lutero (um dos ramos principais do cristianismo junto com a Igreja Ortodoxa). Sabe-se que a palavra do Sumo Pontífice pode ajudar na paz de um planeta que se torna vulnerável a cada novo arsenal nuclear e ambições desmedidas. Enfim, é o pedido para que a divindade ajude as criaturas, todos em suspense a cada notícia de alguma nação que exibe bombas atômicas e ameace a quem a contrarie – ou o que impeça seu sonho de grandeza.
Essas e outras expectativas entre católicos ou não cercam o Papa anunciado na última quarta feira, Jorge Mario Bergoglio ou Georgius Marius Bergoglio, o Francisco I ou Franciscum, a nominação escolhida pelo cardeal argentino eleito para assumir o trono vago pelo Cardeal Ratzinger. Bergoglio tem muitos enfrentamentos: a sucessão de escândalos nestes últimos anos com o envolvimento de padres em abuso sexual de menores e a “larga costa” dos sacerdotes da Igreja em não punir incisivamente estes comportamentos contra os denunciados levou o desconforto aos fiéis, ao menos aqueles que conseguem enxergar a representação política e a moralidade pública dos defensores dos direitos humanos integrados a uma conduta ética em toda a sua essência na fé. Não está mais em jogo somente a corrupção financeira, mas a moral sobre a qual o mundo pede clemência.



(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 15/03/2013)

Nenhum comentário:

Postar um comentário