sexta-feira, 4 de março de 2011

REFORMA ELEITORAL E O VOTO DAS MULHERES


Por reconhecer a importância da reforma política que se inscreve, neste começo de legislatura e do novo executivo federal, como um item importante que vem somar ao reconhecimento de cidadãos e cidadãs brasileiros/as não só sobre a memória do que já foi conseguido neste âmbito, mas sobre a forma de participação do demos na ampliação da polis mantenho o tema para contribuir na publicização das informações necessárias ao reconhecimento do que já foi mudando em nosso sistema eleitoral.

Uma data importante para as mulheres e para o povo brasileiro em geral, registrada no dia 24 de fevereiro, e a proximidade do Dia Internacional da Mulher, a ser comemorado no próximo dia 08, exigem que o assunto da reforma política seja o eixo deste texto. Comprometida com a questão dos direitos das mulheres não serei eu a perder a oportunidade deste registro, haja vista que segue o tema-chave.

No dia 24 de fevereiro de 1932, foi promulgado o 1º Código Eleitoral brasileiro, através do Decreto 21.076, adotando o voto direto, obrigatório e secreto e o sufrágio universal, onde foi, finalmente, formalizado o direito de voto das mulheres.
É possivel avaliar, com esses novos recursos de alargamento da polís, o indicativo de que a nossa democracia ainda dependia de certos ajustes para inclusão de cidadãos/ãs.
Com novas forças no poder emblematicamente reconhecidas sob os princípios do programa da Aliança Liberal, o sistema eleitoral, a partir de 1930, sofreu mudanças alterando o status quo existente na política praticada entre as oligarquias da 1ª República. O governo provisório de Getulio Vargas criou uma Comissão Legislativa que deveria rever a legislação existente e, ao apresentar novo projeto, modificar as atribuições eleitorais da Constituição de 1891 que, apesar dos méritos de ter adotado o federalismo e o presidencialismo, havia deteriorado o sistema com as fraudes (eleições “bico de pena”, atas falsas etc) e com a verificação de poderes, criando o chamado “terceiro escrutínio” ou a “política dos governadores”.
O Código Eleitoral de 1932 foi o primeiro vigente no país, surgindo com ele o direito eleitoral brasileiro. Até então, este sistema era regido através de Leis e Decretos que criaram modificações substantivas às normas eleitorais. No novo estatuto legal, as mais importantes características foram para a instituição do voto feminino e a adoção do voto universal direto e secreto (Art. 56). O Art. 2º caracteriza o eleitor pela idade (maior de 21 anos) e desconsidera o vínculo do cidadão neutro. A ênfase à qualificação do eleitor “sem distinção de sexo” concedia à mulher o voto que lhe fora negado, sem que estivesse explícita em lei a sua exclusão em qualquer matéria constitucional. Embora o código não apresente nenhuma cláusula restritiva ao tipo feminino investido da cidadania pelo voto, na Constituição de 1934 um ajuste tempestivo foi inscrito no Art. 109: “O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada (...)”.
O voto concedido às mulheres se manteve de forma seletiva, embora não tenha agregado os dispositivos iniciais inscritos no anteprojeto do Código, que estavam redigidos da seguinte forma, segundo Walter Porto (2000):
“Art. 8º - São admitidos a inscrever-se eleitoras desde que preencham as demais condições legais: a) mulher solteira sui juris que tenha economia própria e viva de seu trabalho honesto ou do que lhe rendam bens, empregos ou qualquer outra fonte de renda lícita; b) viúva em iguais condições; c) a mulher casada que exerça efetivamente o comércio ou indústria por conta própria ou como chefe, gerente, empregada, ou simples operária de estabelecimento comercial ou industrial, e bem assim que exerça efetivamente qualquer lícita profissão, com escritório, consultório ou estabelecimento próprio ou em que tenha funções, devidamente autorizada pelo marido, na forma da lei civil;

Art.9º - Ainda são alistáveis, nas condições do art. Antecedente: a) a mulher separada por desquite amigável ou judicial, enquanto durar a separação; b) aquela que, em conseqüência da declaração judicial da ausência do marido, estiver à testa dos bens do casal, ou na direção da família; c) aquela que foi deixada pelo marido durante mais de dois anos, embora esteja este em lugar sabido”.
Nestes dispositivos, as eleitoras estão referidas segundo duas características: o estado civil e a dependência econômica relacionada à civil. Demonstra a forte conexão com o casamento e com a ocupação exercida de forma livre, mas sob a autorização do marido para qualquer “profissão lícita”. O contraditório é que o trabalho fora do lar e a instrução até bem pouco tempo não se constituíam preocupações maiores da sociedade que, então, ditava as normas da cidadania política das mulheres.

Essas restrições contidas no anteprojeto não foram para o corpo da lei. Nas discussões da Constituição de 1934, dois movimentos feministas da época, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino presidida por Bertha Lutz, e a Aliança Nacional de Mulheres, dirigida por Natércia da Silveira, prestaram ampla contribuição nesse documento.

Há mais lutas e conquistas a partir daí nas reformas eleitorais pelos direitos políticos das mulheres. Mas pelo menos em 1932 passamos a ser cidadãs de 1ª categoria.
(Texto originalmente publicado em"O Liberal", de 04/03/2011. A foto de Carlota Pereira de Queiroz é clássica e registrada em vários livros.)

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