Tratar de um tema como o casamento é hoje um assunto que suscita polêmica tanto acadêmica, como também na opinião pública. No cenário social das várias épocas e dos mundos (ocidental e oriental) a representação do casamento explora ritos, cerimônias e uma base comportamental diferenciada. Se antes a História Social mostrava esse estatuto em países do ocidente em arranjos interfamiliares que funcionavam como concentração da riqueza derivada de heranças e valores, essa disposição das relações intrafamiliares foi dando espaço para outros arranjos, embora a origem social num contrato organize, de certa forma, as relações entre os casais.
Flores e vestidos brancos, ramos de flor de laranjeira ou de espinheiro na cabeça, ervas aromáticas perfumando o ambiente eram tradição nas cerimônias de casamento e se transformaram em símbolos, como o véu usado pela noiva - uma referência à deusa Vesta que no mito greco-romano era protetora do lar. Os romanos foram os primeiros a garantir a união de direito, monogâmica, com a noiva casando-se diante de juízes e de testemunhas, dentro das garantias da lei. Na Idade Média a escolha do noivo se tornou uma questão de família, com as meninas de 3 a 5 anos sendo obrigadas a um contrato de noivado reunindo em cerimônia, na igreja, os noivos, os pais e os convidados, havendo a troca de alianças. Nessa época, a cor vermelha e não o branco compunha o traje das núpcias simbolizando “sangue novo” para a continuidade da família. Entre os vários povos esse cerimonial e símbolos são diferenciados, mas estamos tratando da sociedade ocidental cristã.
Minha intenção não é um levantamento histórico do rito do casamento, mas evidenciar que essa instituição que antes formalizava um padrão de comportamento “natural” e um “destino” para mulheres e homens, confirmando a heterossexualidade e os papéis sociais e uma representação específica gerenciando a organização do lar e a procriação de filhos, hoje apresenta uma nova versão na construção da relação amorosa entre os principais atores que se agregam com intenção de serem parceiros numa união desse tipo.
Pesquisas sobre alianças matrimoniais no Pará têm tratado o tema como a tese de doutorado “Casamento e relações familiares na economia da borracha - Belém, 1870-1920” (USP, 2006) de Cristina Cancela (UFPA) que evidenciou o corte do ambiente sócio cultural distinto entre marcadores sociais do tipo gênero, idade, origem social dos nubentes, espaços e valores que indicam as maneiras de tecer as relações que construíram as práticas de nupcialidade entre homens e mulheres.
Outra tese de doutorado “Falando de amor: discursos sobre o amor e práticas amorosas na atualidade”, de Telma Amaral Gonçalves (PPGCS/UFPA, 2011) extraiu novos indicativos sobre a conjugalidade. A autora entrevistou nove casais entre parcerias heterossexuais e homossexuais femininas e masculinas de camadas sociais médias paraenses, avaliando a definição que estes pares criam sobre o amor e como isso se reflete na prática amorosa vivida por essas pessoas. Procurou demonstrar como o conceito de amor é pensado e como este sentimento é aplicado na vida diária, condicionando “a forma de o ser humano ser e estar no mundo.”
O meio termo entre estes dois recortes temporais sobre a conjugalidade pode ser avaliado na prática amorosa da geração dos anos 1960-1970. Os casais casados mantinham as normas que definiam as representações sociais próprias para o contrato que assumiam perante o juiz e o padre. As mulheres, contudo, não eram mais obrigadas pela família a casar-se com um pretendente escolhido. Deveriam, entretanto, obedecer aos ritos católicos e às normas do código civil. Havia um Estatuto que dispunha sobre a situação jurídica da mulher casada (Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962).
Dessa perspectiva, o lar e a maternidade constituíram-se em funções “naturais” da mulher compondo-se modelos que inseriam fatores biopsiquicos para garantir toda a estratégia de poder subjacente a cada ordem e determinação de papéis e condutas, ou seja, funções que abonavam uma divisão política diferenciada entre homens e mulheres, em pactos hierarquizados de sobrevivência. Aproveitados pelas instituições sociais, políticas e econômicas estes pactos definiram posições estratégicas para os primeiros, enquanto às mulheres sobraram as determinantes de sujeição.
Hoje, outros estudos apresentam dados significativos sobre as estratégias desenvolvidas pelas mulheres ao negociarem as relações dentro do âmbito doméstico avaliando também quais resultados estas obtém a partir de uma política de “barganha patriarcal”, conforme trata Adelmam (1998). É demonstrado que há um eixo de negociação na relação conjugal, e se antes o acesso aos recursos sociais fundamentais privilegiava os homens havendo assimetria na relação, as mudanças operadas favorecem ganhos de recursos tradicionalmente “masculinos” às mulheres que têm procurado desenvolver um conceito de si próprias com direitos e autonomia em relação aos seus parceiros.
(Texto originalmente publicado no jornal "O Liberal" em 18/03/2011)
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