As comemorações e referências na mídia e redes sociais sobre o Dia Internacional da Mulher revelaram-se pródigas em pelo menos dois pontos: a) mostrar à sociedade letrada ou não o que até hoje foi conquistado para que a metade do mundo humano atingisse uma vida de qualidade; e b) evidenciar custos e ganhos dessas conquistas para as novas gerações.
No primeiro aspecto, a política das mulheres sempre foi em busca de algo que a elas não chegava, embora uma parte de seus parceiros humanos já usufruisse sem ter assediado as instituições para garantir direitos. E aqui não se pode deixar de referir à formação do movimento feminista que teve e tem peso nas pressões sociais contra a exclusão desse gênero dos beneficios de cidadania. Mas o termo “feminismo”, malvisto, ao ser entendido como “a loucura de mulheres que querem tomar o lugar dos homens”, hoje, ao ser mencionado, ainda conserva o preconceito, com menos custos, mas, de certa forma, ainda impactando quando a palavra é pronunciada.
Na primeira onda feminista ocorrida deste o século XVIII seguindo-se durante o século XIX e início do XX, vê-se que o embate desse movimento se dava em função da igualdade de direitos que estavam sendo distribuidos sem que as mulheres fossem pensadas como partícipes desse “banquete”. Olympe do Gouges (1748-1893) ainda no século XVIII, ao ter acesso à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão como estatuto das necessárias mudanças políticas e sociais exigidas à nobreza decadente pela burguesia nascente em 1789 (Revolução Francesa) não encontra representação às mulheres do “Cercle Social” do qual faz parte, nos dizeres do documento e escreve uma “Declaração dos Direitos das Mulheres e das Cidadãs”, em 1891. Não percebeu, nos escritos dos revolucionários jacobinos, a demanda de suas companheiras que não tinham direito a voz nem a voto, mas que através de seus “cahiers doléance” (cadernos de argumentação) registravam suas queixas e repassavam aos líderes da ocasião, para que fossem lidas nas assembléias. Em 3 de novembro de 1793, Olympe de Gouges foi guilhotinada a mando do Procurador Chaumette porque estava me interpondo em “coisas próprias dos homens”.
Mas as reformas pleiteadas no século XIX, além do direito do voto que incluiria as mulheres na cidadania política pelo efeito desse estatuto, focava também na demanda pela igualdade nos direitos de propriedade e de contrato às casadas que se viam submissas aos maridos nesse quesito; à educação mais alargada, aos empregos qualificados. Havia mulheres desse período que já pleiteavam os direitos sexuais e econômicos. Mas é à campanha pelo sufrágio feminino que vai ser dada maior ênfase quando as ativistas sufragistas fazem greve nas portas dos parlamentos, se amarram nas cercas do Capitólio e/ou são presas e submetidas à torturas (cf. “Anjos Rebeldes”, EUA, 2004).
Novas pressões às reformas sociais e políticas foram abrigadas numa segunda onda do feminismo, com atividades no inicio da década de 1960. A onda anterior não sofreu uma “parada”, mas uma sequência e inclusão de novas demandas por direitos e ainda pelo sufrágio, haja vista que mulheres de muitos países ainda não votavam (cf. IPU - http://www.ipu.org/ ).
Nos anos sessenta, a preocupação maior das ativistas era em torno de questões das desigualdades e da eliminação da discriminação. Sinônimo desse periodo é a bandeira erguida em torno do “o pessoal é político” com as discussões inscrevendo a identificação das desigualdades sociais e políticas das mulheres inseridas em sua própria vida com identificação das posições sexistas e estruturas de opressão às profissões, ao trabalho qualificado, aos baixos salários à ocupação de cargos de chefia etc. Esse momento foi marcado pela publicação do livro de Betty Friedan (1921-2006) , “A Mística Feminina” (1963) que se tornou um best-seller.
Na argumentação a autora explora o papel das mulheres operárias de indústrias, das donas de casa e suas inplicações na dupla jornada de trabalho conivente com a política dos sistema capitalista opressor; levando-as a pensar em independência financeira e realização profissional . Dessa fase, foi deflagrada a “Women’s Liberation”, em 1964 , mas o que ficou no imaginário social foi a “queima dos sutiãs” em uma praça pública dos EUA, símbolizando o rompimento com a hegemonia sexista da sociedade. Em 1975, o Ano Internacional da Mulher designado pela ONU apontava as reformas pretendidas até ali pelas mulheres como situações necessárias de serem tratadas pelos organismos internacionais de direitos humanos.
A terceira onda feminista com ativismo continuado das duas outras, tem expressão maior no início da década de 1990, levando ao desafio as próprias feministas que desde a segunda onda já denunciavam que o ativismo até ali definia as experiencias de “ mulheres brancas e de classe média média e alta”. A inserção da questão etnica assenta mais uma necessidade de pensar a reforma social feminina pela cor e pela classe social, à quebra dos essencialismos e a “feminilidade neutra” como se os grupos estivessem tratando de todas as mulheres. Mas não era assim.
No aspecto de custos e ganhos para as novas gerações, a questão da sexualidade, dos direitos reprodutivos, da violência doméstica, da “micropolítica” desafiam as maneiras de enfrentar as reformas sociais hoje. E vão continuar até consideramos que há um mundo justo e sem desigualdades.
(Texto publicado originalmente em "O Liberal", PA, em 11/03/2011)
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