sexta-feira, 18 de setembro de 2015

VIAJANDO PELA TEORIA DEMOCRÁTICA

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Comenta-se tanto sobre democracia que esse conceito “viralizou” socialmente. Muitas leituras de teóricos da ciência política se acercam do modelo clássico e reinventam os paradigmas para a democracia moderna em que a construção incorpora os rearranjos do sistema em vários períodos. Numa fase pessoal de entendimento sobre este conceito, circulei entre muitos autores. Neste texto prefiro iniciar da teoria do elitismo democrático e democracia como método, tendentes a comprovar a presença de uma minoria assumindo a direção política da coisa pública.
O eixo argumentativo de Gaetano Mosca sobre a impossibilidade de a teoria democrática demandar  a condução política da coisa pública, constituindo-se na teoria justificadora do governo da maioria, considera as observações comparativas entre os tipos históricos de organização social, para demonstrar que não procede o fato acusatório sobre a debilidade da classe dirigente ser responsabilizada pelas catástrofes nacionais. Há causas intrínsecas (defeitos ou carências da doutrina) e extrínsecas. Neste caso, a democracia representativa elimina o governo da maioria porque, em parte, está modelada nos princípios de Montesquieu (separação dos três poderes) e em parte está definida pela invenção rousseauniana (a vontade geral como eixo do poder legítimo e o direito ao sufrágio uma condição inata e do qual ninguém pode ser excluído). Critica o estatuto do sufrágio universal por considerá-lo responsável pelo descenso do nível cultural e intelectual médio dos que disputam os cargos, devendo ser atribuído aos que tiverem capacidade para exercê-lo.
Quanto à renovação da classe dirigente, a tendência democrática é utilizar-se de membros da classe dirigida, favorecendo uma renovação rápida e violenta, em períodos de revolução e, algumas vezes, lenta e inclusiva de estratos superiores da sociedade, em tempos normais.
Alguns apontam a obra de Mosca sobre a teoria das elites como a primeira teoria científica no campo da política. Houve uma forte polêmica em torno da tendência antidemocrática e antissocialista da teoria. O argumento de uma classe política dirigente, concebendo de forma negativa e estática a natureza humana criando a antítese Elite-Massa foi, entretanto, perdendo a sua matriz ideológica e transformando-se em valor heurístico. Respeitada por seu valor científico por filósofos conceituados, Mosca refez algumas ideias da juventude sobre os regimes democráticos e realimentou seus escritos de 1896 reconsiderando, em 1923, a argumentação sobre a formação da classe política, distinguindo diversamente a sua organização.
Nos EUA a teoria conquistou formuladores da ciência política contemporânea como H. Lasswell e C. Wright Mills, enquanto outros se agruparam entre os críticos democráticos (liberais e radicais) e os marxistas. Os primeiros questionavam o bloco monolítico da classe governante; para os segundos, a defesa da elite no poder se agregaria entre os que detêm o poder econômico. Os liberais arguiram a renovação de uma teoria que estabelecesse os acertos entre a teoria das elites e a democracia. Os críticos com tendência à compatibilidade argumentavam a impropriedade da teoria da democracia clássica e a sujeição aos ideais abstratos de liberdade, igualdade e vontade geral, procurando redefinir este conceito com a finalidade de acomodar o elitismo, utilizando-se de uma nova propositura: o regime democrático é um método.
Os críticos do elitismo monolítico decantaram sua argumentação no “elitismo democrático” considerando que a multiplicidade de elites compatibiliza com a democracia, os “pluralistas” circulando entre filósofos políticos como William Kornhauser  ou entre pesquisadores como Polsby e Robert A. Dahl. O primeiro criou a figura de “grupos intermediários”, que protegem as elites contra a pressão do povo. Quanto a Dahl, sua questão baseou-se na suposição da existência desses grupos intermédios considerando a necessária verificação para efeito explicativo do papel e da função (poder e influência) que estes realizam nas comunidades em estudo. Houve os defensores da “democracia radical” (Kariel, Bachrach e Bottomore), pressupondo a reforma da estrutura da sociedade para a participação efetiva do cidadão considerando viáveis os ideais políticos clássicos (igualdade, liberdade e participação) lutando por “maior igualdade de oportunidade para as pessoas dividirem a tomada de decisões que afeta suas vidas”.
A teoria da elite opondo-se à teoria das massas, embora fosse usada de maneira conservadora num intento “declaradamente antidemocrático”, instigou, contudo, uma crítica realista do “poder nas mãos do povo”, ao argumentar que o poder político está sempre nas mãos de uma minoria. A diferença se dá através da competição que estes grupos realizam entre si, entre um regime e outro.
Joseph Schumpeter encontra uma possibilidade de conciliação entre a teoria das elites e a teoria democrática. Ele define democracia como um método, afastando-se da “camisa de força” da doutrina clássica da democracia que elabora uma versão sobre “bem comum” e “vontade do povo”, indispostos um contra o outro, devido a que se existe o primeiro nos moldes da expressão clássica, dissipa-se o conceito de vontade geral. O bem comum significa diferentes coisas para diferentes pessoas e, portanto, intransitivas no movimento que faz do individual para o coletivo. Schumpeter desenha um conceito positivo de democracia: “A democracia é um método político, ou seja, certo tipo de arranjo institucional para se alcançarem decisões políticas – legislativas e administrativas –, e, portanto não pode ser um fim em si mesma, não importando as decisões que produza sob condições históricas dadas. E esse deve ser o ponto de partida para qualquer tentativa de defini-la” (...). O método democrático é aquele acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos da população”.
A ênfase de Schumpeter à conciliação com a teoria das elites é a recusa aos principais mitos da democracia liberal. Para ele não há governo do povo, mas governo da maioria visto que o primeiro passa a ser “governo pelo povo”, substituído pela “Vontade Manufaturada”. A competição pela liderança torna-se a livre competição no mercado do voto. Subsiste a relação democracia vs liberdade individual, numa esfera de autogestão individual que concorre para evidenciar a questão de grau do processo. E embora o eleitorado possa produzir como função básica um governo, esse mesmo eleitorado poderá desapossa-lo.




Texto originalmente publicado em O Liberal, de 18/09/2015 

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