Embora o Brasil seja um país laico, os chamados
dias santificados são considerados como feriados nacionais. Especificamente o
Natal e a Semana Santa. No meu tempo de criança, o período dedicado a lembrar
da paixão de Cristo era marcado pelo respeito dos cristãos. Na 6ª Feira Santa,
especialmente no horário tratado como as “3 horas da agonia” (o tempo em que
Jesus morreu crucificado) nossos pais exigiam um comportamento normativo em que
o próprio falar era em murmúrio. Guardávamos o silencio que seria a forma de
respeito ao Senhor morto. O Natal é que sempre foi marcado pelos presentes,
pela imagem do Papai Noel, mescla de culturas que eclipsavam o motivo básico,
que seria o nascimento de Cristo (uma data, enfim, escolhida pela Igreja posto
que historicamente é discutida). Basicamente a confraternização familiar. Penso
que dessa forma se festejava, sim, a vinda do Criador. Mas o que dizer da época
da Paixão? Um mínimo de respeito seria de se desejar. O tratamento dado agora,
como um feriado qualquer onde as pessoas procuram as praias ou as piscinas para
banhos divertidos supõe-se não revelarem a contrição pensando no Crucificado.
Mas se o conforto familiar é explicito, se há uma manifestação de amor entre as
pessoas, nada a condenar como um desacato ao momento que o calendário indica.
Afinal, Jesus pregou o amor e as orações falam de que morreu por isso, pelo
amor ao próximo.
No mundo atual, o período está cercado de fatos que
deixam pensar. A morte de 150 pessoas num desastre de aviação que pode ter sido
uma forma de suicídio de um co-piloto do Airbus caído na França é uma
demonstração, caso tenha sido verdadeira a causa, de um egoísmo trágico (o
homem que desejava tirar a vida sem considerar que levaria consigo tantos
acompanhantes). E o momento politico mundial, as constantes investidas
terroristas no oriente, a falta de uma conciliação em terras por onde Cristo
andou, e, no nosso país, o reflexo de uma crise econômica que vem de longe, um
dos problemas comuns ao capitalismo?
A insatisfação do ser humano diante de situações
que não entende e amplifica na sua conceituação critica é um caso a se pensar
no período em que Jesus foi traído e condenado à morte. Se o apóstolo Judas
recebeu 30 dinheiros para entregar seu mestre aos soldados romanos, quantos,
atualmente, pedem quantias por desvios morais? Há uma anedota que diz ter sido
ínfimo o valor que o apóstolo infiel recebeu por sua traição. Hoje se
inflaciona tudo, dos atos aos informes. Tornou-se moda a investigação por conta
de desserviços na administração publica. O espectador desse quadro pensa que
tudo em volta é corrupto, é malsão. Não é à toa que na literatura e no cinema
os atuais tipos maus (chamados “bandidos”) passam a ser vistos como “mocinhos”.
A velha dicotomia “bateu as asas” na assertiva de que não há santo sobre a
terra. Mas se Judas se enforcou arrependido de seu ato, que dizer de quem
entrega alguém sem provas suficientes de seu crime formulando no mínimo, uma
tortura psicológica pela formação ideológica conservadora?
Jesus foi um subversivo de seu tempo e espaço,
contrariando as normas e os interesses do rei Herodes e do Império Romano. A
voz do povo da antiga Galiléia vinha há algum tempo de João Batista pregando
uma revolução pacifica, admoestando os judeus da
proximidade da vinda de um “Messias” que estabeleceria o “Reino do Céu”.
Incomodava a quem usufruía de benesses, e ao se mostrar um líder que criticava
o poder dos poderosos (como o rei Herodes) foi condenado e morto. O mesmo
ocorreu com Jesus.
Interessante observar que mesmo sem a mídia que
passou a existir influenciando multidões (naquele momento as manifestações eram
em editos e presenciais) eles foram vistos sem comoção pelos espectadores de
julgamentos, decapitando-se João Batista e preferindo-se a liberdade do
criminoso Barrabás no lugar do Nazareno. É que as vozes dos opositores às pregações
de amor tornaram-no antipático à multidão mesmo com os milagres que realizou.
Como
se observa no comportamento humano desde épocas remotas, as influências malsãs
nas diversas formas que são veiculadas afetam julgamentos. Pensando nisso
guarda-se respeito ao Dia da Paixão. Lembrando o sacrifício de quem amou a
humanidade deve-se analisar situações e comportamentos antes de um veredito que
patrocina formas de violência. E hoje se fomenta o ódio através de veículos de
comunicação adentrando pelos lares e estimulando comportamentos sem se importar
que alguns sejam modulados por traumas, como o caso do aviador do Airbus.
Triste ainda é a aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da
Câmara dos Deputados da PEC 171/93, admitindo a redução da maioridade penal de
18 para 16 anos infringindo o artigo 228 da Constituição Federal e o artigo 27
do Código Penal. Os 42 votos a favor e 17 contra - resultado que está gerando protestos
nacionais – investem numa perspectiva de que a prisão do menor infrator irá
dimensionar os crimes e eliminar a violência no Brasil quando na verdade esse
espaço serve de criador de mais atitudes violentas. É a Paixão que se traduz em
frases religiosas quando esquecem que mais salvacionismo se dá pela criação de
escolas, “prendendo” esses garotos em locais onde possam sair melhores pelo
processo educacional. Replicando o poeta Sergio Vaz: “sou a favor do aumento da maioridade escolar (...) porque lugar de
criança é presa na Escola. (...). Depois de cumprirem pena e se tornarem cidadãos terão liberdade
assistida… Pelos pais orgulhosos.” (Revista Forum)
Que a passagem renovada (Páscoa) não deixe que o descalabro
da menoridade penal se instale.
(Texto ooriginalmente publicado em O Liberal, de 03/04/2015)
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