sexta-feira, 17 de abril de 2015

ÍNDIOS E ARMADILHAS DA INFORMAÇÃO


Mulheres Kalapalo dançanado na festa Itão Kuegu (Yamuricumã) na aldeiia Matipu. Foto de Camila Gauditano. 2001

Embora as escolas brasileiras de décadas passadas lembrassem aoos alunos e alunas o histórico da figura do índio no Brasil, em 19 de abril, havia, contudo, uma tendência para mostrar esses primeiros habitantes do país como exóticos, perigosos e outros des-valores que a minha geração somente aos poucos foi reavaliando, refazendo a ideologia anti-étnica. A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (SECAD/MEC) em parceria com o Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (LACED), ligado ao Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ lançou um livro considerando um outro olhar sobre a questão propiciando o que está sendo chamado de série Vias dos Saberes.
Na coleção “Educação Para Todos”, o livro “O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje” (MEC/UNESCO, 2006) organizado por Gersem dos Santos Luciano (mestre em Antropologia Social e descendente do povo Baniwa , tribo que vive na fronteira do Brasil com a Venezuela), a introdução de Ricardo Henriques diz: “Uma de nossas mais importantes missões é propor uma agenda pública para o Sistema Nacional de Ensino, que promova a diversidade sociocultural, extrapolando o seu mero reconhecimento, patamar já afirmado em diversos estudos sobre nossa sociedade, os quais derivam, em sua grande maioria, de celebrações reificantes da produção cultural de diferentes grupos sociais, que folclorizam manifestações produzidas e reproduzidas no dia-a-dia das dinâmicas sociais e reduzem os valores simbólicos que dão coesão e sentido aos projetos e às práticas sociais de inúmeras comunidades.”(p. 9) Interessa, presentemente, interferir nessa realidade para criar um processo reflexivo dessas questões que chegaram à educação no interior de uma história de subordinação da diversidade cultural “que teve na escola o espaço para consolidação e disseminação de explicações encobridoras da complexidade de que se constitui nossa sociedade”.
E acrescenta: “Como convencer os atores sociais de que a invisibilidade dessa diversidade é geradora de desigualdades sociais? Como promover cidadanias afirmadoras de suas identidades, compatíveis com a atual construção da cidadania brasileira, em um mundo tensionado entre pluralidade e universalidade, entre o local e o global?” (p.10) Superar uma realidade construida sobre a diversidade cultural desses povos, está sendo uma reviravolta do ensino nas escolas através de políticas públicas não só nas pesquisas, mas nas atividades in loco tencendo novos olhares para nossos irmãos habitantes deste país e que foram expulsos, sendo suas terras saqueadas e incendiadas como meio de os mandatários políticos alargarem a base de terras nacionais.
Uma reflexão sobre o assunto começa pela etimologia da palavra índio. Por que índio? Cristovão Colombo, presumivelmente, o primeiro europeu a chegar à América (pelo menos oficialmente, pois se sabe que muitos estiveram antes no continente), chamou dessa forma a quem pensou que fosse habitante das Índias, afinal a meta do navegador.
Os chamados descobridores encontraram um povo dividido em varias comunidades, ou tribos, com organizações sociais específicas. Chamou a atenção, especialmente, à hegemonia na divisão dessas comunidades: não havia propriedade privada afora os meios de caça onde cada índio possuía suas armas.
No Brasil estima-se que Cabral encontrou cerca de 5 milhões de índios, divididos em tribos de acordo, principalmente, com a língua. Estimam-se os tupi-guaranis (região do litoral), macro-jê ou tapuias (região do Planalto Central), aruaques (Amazonia) e caraíbas (Amazônia). Nas expedições que se seguiram foram encontradas comunidades menores com feições peculiares. De um modo geral a sociedade indígena tinha como ponto de referencia o cacique, ou chefe da tribo, e o pagé, líder religioso.
Os padres que chegaram com os chamados descobridores tentaram “catequizar” os índios, ensinando preceitos da religião católica. Paulatinamente aconteceu o que se vê como descaracterização do meio originário. Isso não só sob o ponto de vista cultural como físico, com tribos inteiras sendo dizimadas por doenças trazidas pelo branco.
Mais adiante no tempo e mesmo com a descoberta de comunidades indígenas que não tiveram contato com outras etnias por viverem em regiões mais isoladas e ainda não devassadas, passou-se a estudar e tratar do índio reconhecendo a sua especificidade social e histórica. Criaram-se organismos como a SPI (Serviço de Proteção ao Indio) criado em 20 de junho de 1910, pelo Decreto nº 8.072, tendo por objetivo prestar assistência a todos os índios do território nacional (Oliveira, 1947). Esse projeto, que instituía a assistência leiga intentando o afastamento da Igreja Católica da catequese indígena, com a nova diretriz republicana de separação Igreja-Estado tinha outro emblema que era adotar um processo civilizatório transformando o índio num trabalhador nacional.
Deslocando a refllexão para o projeto de uma nova mentalidade onde a diversidade é vista com o acento cultural e não da desigualdade, presente na argumentação de Gersem dos Santos Luciano vê-se que o índio do século XXI passa a ser, de um modo geral (pois ainda há tribos escondidas em regiões como a Amazonia), um povo que luta por direitos humanos como os irmãos de outras categorias étnicas. Para esse autor, desde a última decada do século passado ocorre no Brasil um fenômeno conhecido como “etnogênese” ou “reetinização”. Os povos indigenas que foram marcados pela violência e pelo estigma devido aos seus costumes tradicionais o que os forçava à negação de suas identidades tribais principalmente como estratégia de sobrevivência “– assim amenizando as agruras do preconceito e da discriminação – estão reassumindo e recriando as suas tradições indígenas. Esse fenômeno está ocorrendo principalmente na região Nordeste e no sul da região Norte, precisamente no estado do Pará”.
A população indigena é hoje bem menor do que os 5 milhões do inicio do descobrimento. Segundo o Censo 2010 (IBGE) o Brasil possuí apenas 896.917 indios (0,47% da população nacional).
Esta é a minha homenagem a esse povo cujo respeito eu reverencio em nome dos direitos humanos.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 17/04/2015)

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