Mulheres Kalapalo dançanado na festa Itão Kuegu (Yamuricumã) na
aldeiia Matipu. Foto de Camila Gauditano. 2001
Embora
as escolas brasileiras de décadas passadas lembrassem aoos alunos e alunas o
histórico da figura do índio no Brasil, em 19 de abril, havia, contudo, uma
tendência para mostrar esses primeiros habitantes do país como exóticos,
perigosos e outros des-valores que a minha geração somente aos poucos foi
reavaliando, refazendo a ideologia anti-étnica. A Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (SECAD/MEC)
em parceria com o Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e
Desenvolvimento (LACED), ligado ao Departamento de Antropologia do Museu
Nacional da UFRJ lançou um livro considerando um outro olhar sobre a questão
propiciando o que está sendo chamado de série Vias dos Saberes.
Na coleção “Educação Para Todos”, o
livro “O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no
Brasil de hoje” (MEC/UNESCO, 2006) organizado por Gersem dos Santos Luciano (mestre
em Antropologia Social e descendente do povo Baniwa , tribo que vive na fronteira
do Brasil com a Venezuela), a introdução de Ricardo Henriques
diz: “Uma de nossas mais importantes missões é propor uma agenda pública para o
Sistema Nacional de Ensino, que promova a diversidade sociocultural,
extrapolando o seu mero reconhecimento, patamar já afirmado em diversos estudos
sobre nossa sociedade, os quais derivam, em sua grande maioria, de celebrações
reificantes da produção cultural de diferentes grupos sociais, que folclorizam
manifestações produzidas e reproduzidas no dia-a-dia das dinâmicas sociais e
reduzem os valores simbólicos que dão coesão e sentido aos projetos e às
práticas sociais de inúmeras comunidades.”(p. 9) Interessa, presentemente,
interferir nessa realidade para criar um processo reflexivo dessas questões que
chegaram à educação no interior de uma história de subordinação da diversidade
cultural “que teve na escola o espaço para consolidação e
disseminação de explicações encobridoras da complexidade de que se constitui
nossa sociedade”.
E
acrescenta: “Como convencer os atores sociais de que a invisibilidade dessa
diversidade é geradora de desigualdades sociais? Como promover cidadanias
afirmadoras de suas identidades, compatíveis com a atual construção da
cidadania brasileira, em um mundo tensionado entre pluralidade e universalidade,
entre o local e o global?” (p.10) Superar uma realidade construida sobre a
diversidade cultural desses povos, está sendo uma reviravolta do ensino nas
escolas através de políticas públicas não só nas pesquisas, mas nas atividades
in loco tencendo novos olhares para nossos irmãos habitantes deste país e que
foram expulsos, sendo suas terras saqueadas e incendiadas como meio de os
mandatários políticos alargarem a base de terras nacionais.
Uma reflexão sobre o assunto começa pela etimologia da palavra
índio. Por que índio? Cristovão Colombo, presumivelmente, o primeiro europeu a
chegar à América (pelo menos oficialmente, pois se sabe que muitos estiveram
antes no continente), chamou dessa forma a quem pensou que fosse habitante das
Índias, afinal a meta do navegador.
Os chamados descobridores encontraram um povo dividido em varias
comunidades, ou tribos, com organizações sociais específicas. Chamou a atenção,
especialmente, à hegemonia na divisão dessas comunidades: não havia propriedade
privada afora os meios de caça onde cada índio possuía suas armas.
No
Brasil estima-se que Cabral encontrou cerca de 5 milhões de índios, divididos
em tribos de acordo, principalmente, com a língua. Estimam-se os tupi-guaranis (região do litoral),
macro-jê ou tapuias (região do Planalto Central), aruaques (Amazonia) e
caraíbas (Amazônia). Nas expedições que se seguiram foram encontradas
comunidades menores com feições peculiares. De um modo geral a sociedade
indígena tinha como ponto de referencia o cacique, ou chefe da tribo, e o pagé,
líder religioso.
Os
padres que chegaram com os chamados descobridores tentaram “catequizar” os
índios, ensinando preceitos da religião católica. Paulatinamente aconteceu o
que se vê como descaracterização do meio originário. Isso não só sob o ponto de
vista cultural como físico, com tribos inteiras sendo dizimadas por doenças
trazidas pelo branco.
Mais
adiante no tempo e mesmo com a descoberta de comunidades indígenas que não
tiveram contato com outras etnias por viverem em regiões mais isoladas e ainda
não devassadas, passou-se a estudar e tratar do índio reconhecendo a sua
especificidade social e histórica. Criaram-se organismos como a SPI (Serviço de
Proteção ao Indio) criado em 20 de junho de 1910, pelo Decreto nº 8.072, tendo
por objetivo prestar assistência a todos os índios do território nacional
(Oliveira, 1947). Esse projeto, que instituía a assistência leiga intentando o
afastamento da Igreja Católica da catequese indígena, com a nova diretriz
republicana de separação Igreja-Estado tinha outro emblema que era adotar um
processo civilizatório transformando o índio num trabalhador nacional.
Deslocando
a refllexão para o projeto de uma nova mentalidade onde a diversidade é vista
com o acento cultural e não da desigualdade, presente na argumentação de Gersem dos
Santos Luciano vê-se que o índio do século XXI passa
a ser, de um modo geral (pois ainda há tribos escondidas em regiões como a
Amazonia), um povo que luta por direitos humanos como os irmãos de outras
categorias étnicas. Para esse autor, desde a última decada do século
passado ocorre no Brasil um fenômeno conhecido como “etnogênese” ou
“reetinização”. Os povos indigenas que foram marcados pela violência e pelo
estigma devido aos seus costumes tradicionais o que os forçava à negação de suas
identidades tribais principalmente como estratégia de sobrevivência “– assim
amenizando as agruras do preconceito e da discriminação – estão reassumindo e
recriando as suas tradições indígenas. Esse fenômeno está ocorrendo
principalmente na região Nordeste e no sul da região Norte, precisamente no estado do Pará”.
A
população indigena é hoje bem menor do que os 5 milhões do inicio do
descobrimento. Segundo o Censo 2010 (IBGE) o Brasil possuí apenas 896.917
indios (0,47% da população nacional).
Esta
é a minha homenagem a esse povo cujo respeito eu reverencio em nome dos
direitos humanos.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 17/04/2015)
Nenhum comentário:
Postar um comentário