Joaquim de Magalhães Cardoso Barata
Em 5 de abril de 1935, ocorria em Belém uma das
mais sérias crises políticas após a revolução de 1930 (implantação da Segunda
República – 1930-1937). O conflito entre blocos no poder deste período
precipita-se com a não indicação de Joaquim de Magalhães Cardoso Barata ao
governo do Pará, em eleição indireta dos membros do Congresso do Estado formado
por deputados e senadores do Partido Liberal (PL) e Frente Única Paraense (FUP)
eleitos em outubro de 1934.
O desencadeamento dessa crise desenrola-se no dia
4 de abril de 1935, data indicada para a eleição. As articulações secretas de
dissidentes do PL desde janeiro desse ano favoreceram a cooptação de sete
deputados do partido que não votariam em Barata e que se asilaram no Comando da
8ª Região Militar, sendo abrigados juntamente com os nove membros eleitos da FUP,
os dois partidos majoritários.
Essa dissidência fortalecia a oposição que passou
a ter a maioria do quórum, podendo indicar quem quisesse para o cargo.
Entretanto, a força ainda estava nas mãos do Interventor que, além de tudo,
tinha os "batalhões patrióticos" para arregimentar a massa popular
contra os "traidores".
Mesmo sem quórum, os deputados liberais que
ficaram fiéis a Magalhães Barata, preencheram as vacâncias chamando, em lugar
dos dissidentes, os suplentes para a sessão da Assembleia, onde se daria a
eleição, completando a maioria absoluta e, dessa forma, elegendo Barata para o
cargo de governador constitucional e Ápio Medrado e Fenelón Perdigão como
senadores.
Os recursos interpostos aos tribunais eleitorais
declararam nula a eleição realizada sem o grupo dissidente. No dia seguinte,
dia 5 de abril, os deputados asilados tentaram sair do Quartel General protegidos
por um habeas corpus que lhe fora concedido pelo TRE, resguardados pelo
desembargador Dantas Cavalcante, mas o percurso dos opositores (Praça da
Bandeira) não atingiu o objetivo, ocorrendo um violento conflito entre as
forças do Exército que preservavam os dissidentes, e membros da Concentração
Política Magalhães Barata (força politica militante criada por Aníbal Duarte,
cunhado de Barata), colocada em pontos estratégicos do percurso que seria feito
por aqueles e a grande massa popular que estava presente na ocasião. Houve
feridos e mortos. Alguns dos deputados dissidentes foram hospitalizados. Foi
nomeado um novo Interventor federal, Major Carneiro de Mendonça. Afastou-se de
imediato o nome de Barata que não poderia ficar no cargo pelo qual lutara
tenazmente.
Da atitude dos sete deputados liberais, ao fazerem
a coalizão com a oposição, a argumentação histórica aponta duas situações: traição
ou dissidência? O que teria ocorrido? Entre os partidários de Barata, a postura
dos membros do PL foi tratada como traição. Caracterizam essa atitude com a
utilização de indícios morais, pessoais e políticos como reforço à denúncia.
Por outro lado, a defesa dos dissidentes denuncia abusos de poder praticados
pelo Interventor e a dúvida quanto ao cumprimento da palavra empenhada com os
correligionários na distribuição dos cargos da senatoria. Os fatos de agressão
e violência contra Genaro Ponte Souza, Abguar Bastos e Acylino de Leão (exigência
de desistência do cargo para ser preenchido pelo irmão de MB) comprometiam a
palavra do Interventor. Num manifesto que fez publicar, no "O Estado do
Pará", em 09/04/1935, um membro dissidente do PL nega o argumento de
traição, remetendo a culpa a Barata e aponta os motivos que o levaram a
dissentir, como as estratégias montadas pelo Interventor para alijá-los do
poder e transformar o PL numa facção de caráter doméstico, comandado por seu
cunhado, Aníbal Duarte. Denuncia a criação da Concentração Politica Magalhães
Barata como "arma para matar o PL", sendo este argumento, o mais
forte para justificar o motivo principal da coalizão com os eleitos pela FUP. Há
denúncia de a prática política de Magalhães Barata estar desvirtuada do ideário
revolucionário, com a dissidência optando pela "salvação" desse
ideário fortalecendo o PL que Barata pretendia aniquilar com a força da
Concentração Política.
Teoricamente identifico o conflito como uma crise
hegemônica do bloco histórico (cf. Gramsci). Na aparência dos fatos, sobressai
uma crise pessoal, quase doméstica levando a identificação prematura de um ato
de "traição". Entretanto, os elementos subjacentes da crise
hegemônica não surgem no momento da ruptura, mas em fatos anteriores que contribuíram
para a ação final. É sintoma da construção desse momento os rompimentos entre
os revolucionários, desde os primeiros anos após 1930, os cortes pelo
Interventor do poder das lideranças emergentes que se organizavam em torno dele
(rompe com Martins e Silva, líder da Federação do Trabalho), a arregimentação
de grupos de interesse (magistério feminino) e grupos de pressão
("batalhões patrióticos"), supervisão do poder do magistério nas
escolas, incentivando as práticas "cívicas", incorporação de outros
grupos de interesse no séquito de apoio (Maçonaria, igreja, operários). À
medida que o Interventor Barata construía seu poder pessoal, no conjunto da sociedade
civil, fortalecia também um grupo de apoio dentro do próprio PL onde
transitavam outros membros da classe dominante, também interessados em manter e
defender sua predominância política. Ocorre que o Interventor tinha construído
as bases ideológicas de um discurso populista, arregimentando as massas populares
para, no momento aprazado, poder influir com maior peso do que o adversário,
seus companheiros de partido que pertenciam à elite dominante e mantinham o
poder econômico. Ele tinha o poder do Estado, mas não contava com a
possibilidade de uma aliança de classes, única saída para fraturar esse poder. A
coalizão realizada entre os dissidentes do PL e os membros da FUP, fortalecendo
a elite decaída e fraturando as resistências dos grupos de pressão, através de medidas
legais que afastaram as possibilidades de interposição de medidas coercitivas
dos aparelhos de Estado, ainda nas mãos do Interventor, contribuíram para o
desfecho violento que sacudiu a cidade de Belém, na tarde do dia 5 de abril de 1935.
Houve, portanto, dissidência de uma parte dos membros da classe dominante que
percebeu seu alijamento da organização partidária, onde se expressava o seu
poder de classe.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 10/04/2015)
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