sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

INTOLERÂNCIAS


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Nesta onda trágica de atentados, assassinatos em nome da moral religiosa, sexual, de gênero, política e mais o que houver, me dei conta de que a comunidade global em todas as categorias só tem o olhar amplo das ocorrências e não visualiza as pequenas/grandes ações encimadas por comportamentos, normas particulares (às vezes pessoais e/ou familiares) que marcam as atitudes de desrespeito às diferenças. Exemplificando-as registro algumas atitudes que se aparentemente não levaram a pensar nesse desrespeito sendo vistas como “naturais” vejo hoje que não deixavam de ser ações de intolerância.
A chegada dos chamados protestantes (aquela altura só tínhamos a visão das igrejas oriundas da Reforma religiosa no século XVI) à cidade de Abaetetuba (não tenho pesquisa sobre isso, trata-se de um relato pessoal) em meados da década de quarenta, levou um grupo de famílias, mais precisamente, mulheres católicas, a organizarem escolas de catecismo acompanhando os locais aonde eram realizados os cultos dos protestantes e em frente a esses locais exercitarem o canto dos hinos religiosos no mais alto som ao mesmo tempo em que os pastores protestantes iniciavam suas liturgias. Esses primeiros momentos foram de tensão para as líderes católicas até verem que seus “antagonistas” fechavam suas casas para se isolarem. Ou então mudavam de local. E aonde estas sabiam que seria criada uma nova frente lá iam elas com seus filhos e parentes para a emblemática batalha.
Aos poucos esse comportamento foi sendo erradicado e a delicadeza dos supostos “inimigos de Deus” (havia um livro que circulava entre os líderes homens: “O Diabo, Lutero e o Protestantismo”, de 1937, escrito pelo Pe. Júlio Maria S.D.N.) foi abrandando os corações e as mentes de seus opositores. Entretanto, se for avaliado o tamanho dos estragos na mentalidade das crianças dessas famílias católicas é possível observar a formação do nível da intolerância a outras religiões.
Na história da Igreja há fatos de intolerância, não só religiosa como política como a prisão, julgamento e morte na fogueira de Joana Darc, no Século XV (1431) acusada no período da Inquisição, de heresia e assassinato, subsequentemente, de feiticeira e bruxa A jovem adolescente de 16 anos comandou um exército de 4000 homens, conseguindo a Libertação de Orleans intentada antes pelos franceses. Jovem e mulher arrebatar o caminho da guerra e, ainda, conseguir derrotar os invasores, uma atividade para onde iam somente os homens, que ousadia!
É fato a intolerância, no período da Reforma Protestante, contra os adeptos da nova doutrina utilizando-se a Inquisição, as guerras religiosas e massacres, a exemplo, o conhecido episódio de da matança dos huguenotes, na França, na tristemente famosa  noite de São Bartolomeu (1572).
Não só entre as doutrinas religiosas se espalha a discriminação desse nível de cultura estabelecida como única, visto que a especificidade da diferença instiga a um permanente combate. Assim, todos os “diferentes” vão sendo sistematicamente categorizados dentro do modelo de representação social dominante e em maior ou menor medida vão sendo projetadas as ordens naturalizadas do chamado “viver social” que os repele.
O que me dizem dos crimes hediondos que são praticados contra as mulheres e durante um bom tempo, no julgamento dos assassinos tem prevalecido a justificativa de “crime em defesa da honra”. Diz Navi Pillay, Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos: Mas as "agressões em defesa da honra" são crimes violentos que violam o direito à vida, à liberdade, à integridade física, a proibição da tortura e de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, a proibição da escravatura, o direito a não ser alvo de discriminação de género nem de abusos ou exploração sexuais, o direito à privacidade, e a obrigação de renunciar a leis discriminatórias e a práticas prejudiciais para as mulheres” (cf. Crimes de honra e violência doméstica”. Navi Pillay informa ainda que um tribunal do Arizona (EUA) julga neste momento o caso de um homem acusado de atropelar e matar a filha que ele considerava demasiado "ocidentalizada". “A ONU calcula que todos os anos, aproximadamente 5000 mulheres sejam assassinadas por membros da sua família "em defesa da honra", no mundo inteiro”.
Dois episódios reais hoje transformados em filmes tratam da situação da intolerância. A segregação racial norte americana aponta o episódio que levou a discussão em torno da Emenda 14 da Constituição dos EUA que previa “igual tratamento a todos perante a lei” embora isso não ocorresse, uma vez que vigorava a “lei dos separados com igualdade”. A partir das dificuldades enfrentadas pelos alunos negros no Condado de Claredon (Carolina do Sul) no início dos anos 50, os negros começaram a questionar o tratamento recebido, haja vista que os estudantes brancos eram contemplados com todos os recursos de transporte e boa qualidade do ensino, sem que isso fosse repassado às escolas dos negros. Numa luta insana pelos juristas negros, no dia 28 de maio de 1951, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu pelo fim da segregação (gradual) nas escolas primárias, numa decisão que ficou conhecida como Brown vs. Board of Education. Neste caso, a intolerância baseia-se no preconceito racial que tende à discriminação, muito presente nas ondas de violência cometidas pela Ku Klux Klan, a organização racista e reconhecida como terrorista, fundada em 1865, no Tennessee (filme, “Separados, mas Iguais”, 1991).
Outro caso real de intolerância remete à Inglaterra, em 1984, no governo de Margaret Thatcher, quando os mineiros estão em greve. E Interessados em ajudar as famílias desses trabalhadores, um grupo de ativistas homossexuais e lésbicas decide arrecadar dinheiro para ajuda-los. Decidem também, entregar pessoalmente no País de Gales o recurso que recolheram, mas são discriminados pela própria União Nacional dos Mineiros que se sente constrangida em receber essa ajuda. Os níveis de preconceito entre as famílias operam cenas de agressão em todos os níveis, mas o enfrentamento desconcerta a maioria dos mineiros e os dois grupos se auxiliam (filme “Pride”, 2014).
Neste texto, meu propósito foi demonstrar que embora se reconheça a intolerância do outro, deixa-se de fora a nossa própria maneira de ver os diferentes.
(Texto originalmente publicado em O Liberal, de 23/01/2015)


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