segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A POLÍTICA PARAENSE EM TEMPO DE REPÚBLICA


Registro de um prédio centenário para mostrar imagens de outros enredos centenários e ainda desconhecidos do nosso povo nestes 399 anos da cidade de Belém. 

Numa recente enquete entre universitários percebi desconhecimento sobre algumas figuras e fatos políticos dos primórdios da Primeira República paraense com intrigas palacianas tendentes a graves tensões no Estado. O que motivou esse interesse foi a proxidade a uma data pouco divulgada nos estudos que são feitos sobre a política no Pará: 8 de janeiro de 1917, dia em que o então governador do Estado, o cametaense Enéas Martins (investido no governo em 1° de fevereiro de 1913), renunciou ao seu mandato (que seria até 1º de fevereiro de 1917) exilando-se e a sua família no Arsenal de Marinha. No dia 14, embarcou para o Rio de Janeiro com a esposa e o filho onde faleceu em 2 de julho de 1919, aos 47 anos. Enéas foi o 5º governador eleito na 1ª República paraense.
O Pará da Primeira República manteve disputas pelo poder local durante a oligarquia de Antonio Lemos e de Lauro Sodré. Nas campanhas pela moralização da política, “lemistas” e “lauristas” cruzaram espadas nos primórdios do século XX, através de instrumentos de dominação de facções partidárias no governo, em pleitos eleitorais marcados pela corrupção instituída na política do “bico de pena” e da verificação dos poderes. A tensão entre essas duas forças acumpliciou uma parte da sociedade a considerar a patronagem e seus afins (empreguismo, nepotismo, corrupção eleitoral, violência) como a regra da política. O federalismo e a política dos Estados consagraram essa etapa da república com implicações profundas em todas as instâncias do desenvolvimento local, a dimensão financeira e orçamentária do governo estadual, o preço político-administrativo dos serviços. A política oligárquica paraense estruturou-se no domínio de uma determinada facção (o Lemismo), sendo sucedida por outra (o Laurismo), através de eleições fraudulentas acobertadas pelas regras constitucionais estaduais justificadas pela política dos governadores.
Há várias versões sobre a questão havida entre Enéas Martins e Lauro Sodré, este, aquela altura, uma eminência de reconhecimento nacional. Em Agnello Neves (1918) e nos dados jornalísticos do período (Álvares, 1990), percebe-se que a crise entre os dois antigos correligionários dá-se logo no início do governo do primeiro, no momento em que Enéas pretende realizar uma conciliação entre as três facções partidárias locais – Partido Republicano Paraense (PRP), Partido Republicano Conservador (PRC) e Partido Republicano Federal (PRF).
Segundo a historiografia regional, Enéas Martins fora indicado ao cargo na sucessão de João Coelho, por suas credenciais de isenção e pacifismo, no trato político. Era proprietário da "Folha do Norte", fora escorraçado pelo Lemismo, no início de sua carreira política, era amigo particular de Lauro Sodré, além de seu correligionário, permanecendo fiel ao seu lado, e assinando a Moção jacobina em 1897, em favor daquele. É de se supor que suas relações políticas com Sodré permaneciam estáveis, pois há registros de que a indicação de seu nome na desistência da candidatura de Lauro Sodré ao cargo, em outubro de 1912, fora saudada, se não com euforia, pelo menos com certo alívio de não ter sido imposto, pelo governo federal, um outro nome mais próximo dos interesses Lemistas.
A posse do novo governador deu-se em 1º de fevereiro de 1913. Já no final de 1914 há indícios de deflagração de uma séria crise entre Enéas Martins e o grupo de Lauro Sodré. O motivo se relaciona com a proposição feita pelo Governador de conciliação entre as três facções partidárias - PRF, PRP e PRC - visando a organização de um novo partido político com representante das três forças, resultando daí o PR do Pará. Essa articulação partidária objetivava dar sustentação à política estadual com vistas no enfrentamento da crise econômico-financeira que se instalara, no Estado, com a queda de exportação gomífera, no período.
Enéas Martins tinha em mãos o governo de um Estado em que a economia se deteriorara com a queda dos preços da produção e comercialização da borracha. Tinha também que estar atento às condições e às conveniências políticas do governo federal a quem deveria se socorrer para fazer frente ao "crack" do período. As condições concretas e objetivas de uma ajuda só seriam viáveis com essa conciliação e também com o apoio político que o governo do Pará pudesse dispor para dar sustentação regional à liderança política de uma figura nacional, o gaúcho José Gomes Pinheiro Machado (conhecido como "o condestável da república", manipulador à distância dos jogos parlamentares e da política dos estados, ligado antes ao PRP dos Lemos), através do tratamento político que fosse dispensado ao PRC, partido que criara em 1910.
A tentativa de composição entre as três forças partidárias paraenses foi iniciada no segundo semestre de 1914. A corrente (João) Coelho (ista) aceitou essa proposta, enquanto a facção Laurista previu, naquele acordo, um golpe contra a liderança política de Sodré. Surgiram os conflitos entre as duas facções, a Eneista, encabeçada pelo governador e a Laurista. Ainda desta vez, o líder do PRC nacional, Pinheiro Machado, teve sua cota de colaboração na situação.
Muito embora Enéas Martins tentasse governar sem radicalismos, ou parcialismos, procurando conduzir a política de grupos existentes no Estado para uma composição de forças em torno das questões financeiras vitais para o retorno ao equilíbrio das finanças públicas, as forças políticas não entenderam os seus esforços, achando que a aliança com o Pinheirismo, levando à formação do novo partido, criaria um novo grupo oligárquico, no poder.
A tensão entre essas forças foi indizível no Pará, culminando nas ocorrências eleitorais no final de 1916, com Lauro Sodré sendo derrotado (Belém e interior) pelo candidato de Enéas Martins, Silva Rosado, mas conseguindo, por trama política, que seu nome fosse sufragado pelo Congresso do Estado, em manobra pouco republicana, contados somente os votos de Belém (cf. Meira, 1976).
Em 7 de janeiro de 1917, Paulo Maranhão, da “Folha do Norte”, escreve o clássico editorial “A você, Enéas” em que expõe as razões de seu rompimento.


(Texto publicado em O Liberal /PA de 09/01/2015)

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