sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

BELÉM NO TEMPO



Imagem captada de http://projetofisionomiabelem.blogspot.com.br 

Santa Maria de Belém do Grão Pará entra na fase pré-quatrocentenária. Muito já se escreveu sobre o seu passado desde que os portugueses comandados por Francisco Caldeira Castelo Branco aportaram por aqui. Mas a Historia sempre continua, sempre procura se renovar. E o que se diz da Belém de hoje, neste inicio de século, passa pelos noticiários dos jornais e agora também pelos meios de comunicação virtuais, deslocando-se do privado ao público numa acepção que seria impensada mesmo alguns séculos adiante do XVII onde, a rigor, começava a ser arrancada dos indígenas a narração dos fatos.
A Belém contemporânea é contemplada por muitos atrativos, mas também por muita tensão. A situação urbana evidencia-se pelos muitos prédios que se multiplicam como casas de moribundos nos mais diversos bairros. Lembro o tempo em que o maior edifício da cidade era o Manoel Pinto da Silva, no início da Praça da República (ainda chamado de Largo da Pólvora). Antes dele, o ponto mais alto em termos de edificação era o Edificio Bern, na hoje Av. Presidente Vargas (na época, 15 de Agosto). Edificado em quatro andares e considerado “muito alto”.
A explosão imobiliária não procede apenas na profusão de empresas construtoras seguindo a máxima capitalista. Também retrata a insegurança que tomou conta dos habitantes das casas. Muitas residências foram assaltadas e os moradores passaram a comprar ou alugar apartamentos. O enredo é o mesmo de qualquer grande cidade do mundo moderno. Mas quem viveu em Belém desde a infância sabe que o crescimento urbano foi muito rápido. Isso caracteriza o chamado centro. Na periferia o que era bosque no meio do século passado hoje exibe muitos bairros, ruas, casas e até mesmo parques residenciais que abrigam a classe mais abastada. Os velhos moradores lembram-se da distância da vila de Icoaraci (antiga Pinheiro) e mesmo o “jovem” município de Ananindeua – e um pouco adiante Marituba (antigo distrito daquela).
Cresceram os núcleos habitacionais, mas, por outro lado aconteceram fenômenos difíceis de explicar. Por exemplo: a estrada de ferro que ligava Belém a cidade de Bragança (inaugurada em 1883). Não só foi desativada em 1957, mas, em termos comerciais custou-lhe a venda dos trilhos e dormentes, sem um aceno para a modernidade desse tipo de transporte que hoje se vê em muitas partes do mundo.
A tríade que desafia qualquer administração: educação, saúde e segurança – é ressaltada no presente muito mais do que no passado. A educação dilatou seu campo em termos de alunado e nem sempre em termos de professorado (e, mesmo, espaços para tantos novos aprendizes). Explodem as notícias sobre o baixo salário dos professores e não faltam protestos traduzidos por obliteração do trafego, atingindo toda a população, uma forma usual de protesto procurando sensibilizar sobre as crises. A ideia de incluir a todos nas lutas interessa para que se tome alguma providencia. No caso chega-se ao outro quesito da tríade: quem precisa ir a um hospital pode piorar de situação no engavetamento dos veículos nas ruas fechadas. E os postos de saúde vivem lotados e sujeitos também a protestos de médicos e enfermeiros por salários que acham incompatíveis. Daí se passa para o problema que a cada dia parece mais ameaçador: a onda de crimes diversos, a insegurança nas ruas e residências, a proliferação da marginalidade alicerçada pelo crescimento populacional e, principalmente, a deficiência no aspecto social em que a carência de empregos facilita uma série de outras mazelas como o uso das drogas favorecendo o tráfico, uma “empresa” supostamente lucrativa posto que lida com o vício de muitos.
Belém ainda é a “cidade das mangueiras” que Antonio Lemos criou para uma elite vinda do fausto da comercialização da borracha nativa e consequente importação de moda europeia, especialmente da França. Mas na época do intendente que pensou numa forma de tornar atrativa a cidade amazônica que relegara o plano de ser uma Veneza na preservação de seus igarapés já era sentido o crescimento populacional a partir dos migrantes que chegavam para ser “soldados da borracha” ou trabalhadores na extração do látex das seringueiras.
 O destino de metrópole seria fatal para a capital paraense. E o futuro? Cada vez mais as cidades se descaracterizam adotando o cenário apto a suportar o aumento demográfico. Por certo que em tempos a chegar o cenário vai ser outro. Mas tudo depende de uma conjuntura global. A urbe moderna ganha cada vez mais a mesma cara. No plano local vai aumentar o número de conjuntos habitacionais, mas sem o acompanhamento de uma estrutura que faça com que seus moradores vivam ali todos os benefícios da vida moderna. Que adianta, por exemplo, morar num desses codomínios se o trabalho é no centro, as escolas dos filhos no centro, muitos espaços indispensáveis numa estrutura de vida não estão a alcance dos pés. Por outro lado, as ruas pedem auxilio. Se hoje o aumento do número de veículos é crescente, as avenidas, ruas e travessas são as mesmas do inicio do século XX. Recurso como o BRT suaviza e pede que se tome ônibus já que a estrutura da cidade impede um metrô subterrâneo (no caso imita-se um de superfície). Mas no final deste século será o suficiente? Os residentes nos bairros distantes e condomínios vão se satisfazer com um meio de transporte que certamente não consegue abranger o aumento de frequentadores?

Ainda não se escreveu uma ficção cientifica que deslumbre a Belém de meio milênio. Seria interessante imaginar a partir do que se viu e se vê, ou seja, no passado e presente que tentei expor aqui, como será o futuro. Creio que a cada avanço no tempo menos se observa peculiaridade ambiente. Modernidade é orgulho, a paz de espírito uma saudade. Aliás, quase todas as histórias “futuristas” são dramáticas. Mas para quem as lê devidamente instalado em um espaço que acha ser o seu são divertidas. Viver essa ficção é como a dor que chega depois do ferimento. 

(Texto originariamente publicado em "O Liberal" em 16/01/2015)

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