sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

CRITÉRIOS DE DIREITOS E CIDADANIA




Em 10 de dezembro de 1948, a ONU adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O mundo ainda se debatia nos recentes episódios da 2ª Guerra mundial e as nações se preocuparam em selar pactos que propiciassem a defesa do que se constituiam nos direitos fundamentais da pessoa humana. Estes foram traduzidos, segundo T.A. Marshall, entre os direitos civis (como o direito à vida, segurança, justiça, liberdade e igualdade), políticos (o direito à participação nas decisões políticas), econômicos (direito ao trabalho), sociais (direito à educação, saúde e bem-estar), culturais (direito à participação na vida cultural) e ambientais (direito a um meio ambiente saudável). Ou seja, no regime democrático trata-se de direitos fundamentais o viver com dignidade, respeito e proteção aos bens físicos e pessoais independente de origem social e econômica, raça, etnia, gênero, idade, credo religioso, orientação ou identidade sexual e ideologia política.
Embora a noção de direitos faça parte das condições da vida humana, ela esteve presente, dizem alguns pensadores, ao longo dos últimos três milênios civilizatórios. Foi no período axial, segundo Fábio Konder Comparato, entre 600 a 480 a.C. que se estabeleceram os grandes princípios e as diretrizes fundamentais da vida até hoje em vigor. Sua referência evidencia a coexistência, sem comunicação entre sí, dos maiores pensadores de todos os tempos entre os quais destaca Zaratrustra (Pérsia), Buda (Índia), Lao Tsé e Confúcio (China), Pitágoras (Grécia) e o dêutero Isaias, o profeta (Israel), cujas idéias se desdobraram em ensinamentos e doutrinas de apoio às diretrizes fundamentais da vida humana (cf. Comparato, F.K. A Afirmação histórica dos Direitos Humanos, Ed. Saraiva 2010). O filósofo alemão Karl Jasper (1883-1969), da escola do existencialismo e do neokantismo, refere o período axial com a raiz primária responsável pelo “mais rico desabrochar do ser humano”.
Embora um retrospecto acronológico para tratar desse tema que ainda é hoje considerado controverso, por alguns (há os que questionam o direito a tratar bem os delinquentes e presos etc.), na verdade, o mote é a avaliação do que essa situação dos direitos humanos tem fomentado para pensar os direitos de cidadania, nas sociedades democráticas.
A síntese do documento de 1948 evidencia o teor dos 30 artigos nele contidos. Veja-se: “A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.”
Essa súmula remete ao que consta, por exemplo, na Constituição brasileira de 1988, Título I - Dos Princípios Fundamentais. “Art. 3º: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
         Os elos são claros entre os dois documentos sobre como prover e o que prover quanto aos benefícios necessários ao desenvolvimento da pessoa humana. A ênfase da súmula do documento de 1948 é o atingimento dos beneficios a todos/as através do ensino e da educação que serão as ferramentas para a promoção dos direitos e liberdades e, subsequente, a adoção de ações para a garantia progressiva das mesmas. Na constituição brasileira, em que pese todos os itens serem vitais para a preeminência dos direitos fundamentais, a formulação do primeiro e do quarto item envolvem uma grande eficácia para a garantia da cidadania.
Nesse patamar aproximo os dois valores – direitos e cidadania – usando a argumentação de um dos maiores pensadores brasileiros, o historiador, cientista político e acadêmico (ABL) José Murilo de Carvalho, que em seu livro “Cidadania no Brasil. O longo Caminho” ( 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, 226 pag.), ao criar o que ele chama de “mapa da viagem” argumenta desde os primeiros passos da cidadania no Brasil e conclui com a “cidadania na encruzilhada” (quem tiver interesse no livro está numa cópia on line). Para esse historiador, a “Cidadania plena: combina liberdade, participação e igualdade para todos” e, enquanto ideal ocidental se torna um parâmetro quase inatingível, mas importante de ser perseguido. Se o individuo só possui um dos direitos (dentro daquele conjunto explorado na dimensão dos direitos civis, políticos e sociais) então é um “cidadão incompleto”. Por outro lado, se não se acha em nenhuma dessas dimensões é um “não-cidadão”.
Para José Murilo, contudo, “O exercício de certos direitos, como a liberdade de pensamento e o voto, não gera automaticamente o gozo de outros, como a segurança e o emprego. O exercício do voto não garante a existência de governos atentos aos problemas básicos da população”.  (...)
A argumentação que é feita nesse teor espera mostrar que as demandas por políticas públicas que emergem em cada tempo das preocupações dos movimentos sociais e identitários organizados têm sido uma salvaguarda para que direitos e cidadania sejam estabelecidos e distribuidos pelo estado-nação contemplando aqueles/as que ainda são cidadãos de segunda categoria ou não-cidadãos e, consequentemente, ainda estão de fora dos beneficios do sistema político-social. Afinal, o bem estar dos indivíduos deve ser a razão de ser de uma sociedade que se preocupa com os humanos direitos.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal", de 06/12/2013)

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