Os
estudos sobre a questão de gênero têm me levado a examinar inúmeros temas sobre
a situação da mulher, embora a minha “seara” seja a política formal ou, mais
específicamente, o comportamento político feminino – base da minha
pós-gradução. Desses temas que tenho adentrado por força da militância, o
enfoque sobre as mulheres em situação de violência, tem favorecido algumas reflexões
gerais e pontuais. As descobertas desse campo de estudos implicam na imersão em
várias áreas de conhecimento não só o das Ciências Humanas, mas das Ciências da
Saúde e de todas aquelas que favorecem o reconhecimento da importância de tratar
do principio norteador dos direitos humanos.
Na
recente intervenção sobre o tema da violência de gênero, minha preparação se
baseou em dois textos recentes da literatura brasileira sobre o assunto e alguns
pontos levantados pelas autoras me proporcionaram a ampliação de meus
conhecimentos no campo do que uma delas chamou de “paradigma da violência
contra a mulher”. Tratar do assunto hoje se justifica porque no próximo dia 25 celebra-se
o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher devido o ato cometido contra as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa,
“Las Mariposas” que na República Dominicana foram perseguidas, presas e
brutalmente assassinadas a mando do ditador Rafael LeónidasTrujilo a quem
faziam oposição.
O fato que culminou nesse episódio trágico originou-se de um agravo
sofrido por Minerva, assediada por Trujillo durante o “Baile do Descobrimento”,
em 12 de outubro de 1949, para o qual fora convidada toda a família. Impulsiva,
a jovem repele injuriada o ditador e, então, todos fogem do baile antes do
final, atitude vista pelos órgãos oficiais como afronta dos Mirabal ao governo.
A partir desse incidente as três mulheres e seus familiares passam a sofrer
forte repressão. Perdem a casa e os recursos
financeiros, contudo, num olhar pelo país percebem o abalo no sistema econômico
em geral, com o governo de Trujillo levando ao caos financeiro. Elas formam,
então, um grupo de oposição ao regime tornando-se conhecidas como Las
Mariposas.
A data foi proposta por organizações de mulheres de todo o mundo,
reunidas em Bogotá, Colômbia, em 1981 e proclamada em 1999, pela Assembleia Geral da ONU.
A
área temática dos estudos sobre violência contra as mulheres expandiu a
literatura mundial sobre o assunto e desde o início dos anos 80, no Brasil, tornou-se
expressivo o combate a esses fatos com o objetivo de dar visibilidade à
situação de violência. Nos estudos e
pesquisas iniciados nesse período são evidenciadas as denúncias de
violência contra as mulheres através do levantamento de dados nos distritos
policiais e, principalmente, na primeira delegacia da mulher do Brasil (e do
mundo) criada na cidade de São Paulo, em agosto de 1985. A tarefa primordial dessas pesquisas era
conhecer quais eram os crimes mais denunciados, quem eram as mulheres que
sofriam a violência e quem eram seus agressores. Entre as acadêmicas
responsáveis por esses estudos as teorias para basear as análises revelavam-se
importantes. Assim, Cecília MacDowell Santos e Wânia Pasinato Izumino (2005), identificam
três correntes teóricas que foram usadas na análise dos dados coletados: 1) corrente
da dominação masculina; 2) corrente dominação patriarcal; 3) corrente
relacional.
A
dominação masculina é a primeira corrente teórica observada de um artigo de
Marilena Chauí - "Participando do Debate sobre Mulher e Violência” focando
a violência contra as mulheres com a evidência resultante “na anulação da
autonomia feminina que passa a ser concebida tanto como "vítima"
quanto como "cúmplice" da dominação masculina”. Para a autora, a “concepção
da violência contra as mulheres é resultado de uma ideologia que define a
condição "feminina" como inferior à condição "masculina“.
A
corrente dominação patriarcal foi introduzida no Brasil pela socióloga Heleieth
Saffioti (1934-2010) sustentando uma perspectiva feminista e marxista do
patriarcado. Dizem Izumino & Costa que a autora vincula a dominação masculina
aos sistemas capitalista e racista apontando que "o patriarcado não se
resume a um sistema de dominação, modelado pela ideologia machista. Mais do que
isso, ele é também um sistema de exploração. (...)” Para Saffioti: “as mulheres
se submetem à violência não porque "consintam“, mas são forçadas a "ceder" porque não
têm poder suficiente para consentir”.
Quanto
à corrente relacional relativiza a perspectiva dominação-vitimização sendo
exemplificada no trabalho de Maria Filomena Gregori, do início dos anos 90 – “Cenas
e Queixas: Um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista”
(1993). Como observadora e participante do SOS-Mulher de São Paulo, entre
fevereiro de 1982 e julho de 1983, a autora “analisa as contradições entre as
práticas e os discursos feministas na área de violência conjugal e as práticas
das mulheres que sofrem violência com base em sua experiência” e constata que
as mulheres atendidas “não buscam necessariamente a separação de seus parceiros”.
A partir de entrevistas com as mesmas, a autora argumenta que elas “não são
simplesmente "dominadas" pelos homens ou meras "vítimas" da
violência conjugal”. Ou seja: “ao denunciar a violência conjugal, elas tanto
resistem quanto perpetuam os papéis sociais que às vezes a colocam em posição
de vítima”.
Este resumo não dá conta de toda a exposição de Izumino & Costa, mas
demonstra que a violência contra a mulher se processa em análises acadêmicas
contributivas que têm rompido com alguns paradigmas conceituais.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal", no dia 22/11/2013)
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