domingo, 24 de novembro de 2013

TEORIAS SOBRE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA




Os estudos sobre a questão de gênero têm me levado a examinar inúmeros temas sobre a situação da mulher, embora a minha “seara” seja a política formal ou, mais específicamente, o comportamento político feminino – base da minha pós-gradução. Desses temas que tenho adentrado por força da militância, o enfoque sobre as mulheres em situação de violência, tem favorecido algumas reflexões gerais e pontuais. As descobertas desse campo de estudos implicam na imersão em várias áreas de conhecimento não só o das Ciências Humanas, mas das Ciências da Saúde e de todas aquelas que favorecem o reconhecimento da importância de tratar do principio norteador dos direitos humanos.
Na recente intervenção sobre o tema da violência de gênero, minha preparação se baseou em dois textos recentes da literatura brasileira sobre o assunto e alguns pontos levantados pelas autoras me proporcionaram a ampliação de meus conhecimentos no campo do que uma delas chamou de “paradigma da violência contra a mulher”. Tratar do assunto hoje se justifica porque no próximo dia 25 celebra-se o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher devido o ato cometido contra as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa, “Las Mariposas” que na República Dominicana foram perseguidas, presas e brutalmente assassinadas a mando do ditador Rafael LeónidasTrujilo a quem faziam oposição.
O fato que culminou nesse episódio trágico originou-se de um agravo sofrido por Minerva, assediada por Trujillo durante o “Baile do Descobrimento”, em 12 de outubro de 1949, para o qual fora convidada toda a família. Impulsiva, a jovem repele injuriada o ditador e, então, todos fogem do baile antes do final, atitude vista pelos órgãos oficiais como afronta dos Mirabal ao governo. A partir desse incidente as três mulheres e seus familiares passam a sofrer forte repressão. Perdem a casa e os recursos financeiros, contudo, num olhar pelo país percebem o abalo no sistema econômico em geral, com o governo de Trujillo levando ao caos financeiro. Elas formam, então, um grupo de oposição ao regime tornando-se conhecidas como Las Mariposas. A data foi proposta por organizações de mulheres de todo o mundo, reunidas em Bogotá, Colômbia, em 1981 e proclamada em 1999, pela Assembleia Geral da ONU.
A área temática dos estudos sobre violência contra as mulheres expandiu a literatura mundial sobre o assunto e desde o início dos anos 80, no Brasil, tornou-se expressivo o combate a esses fatos com o objetivo de dar visibilidade à situação de violência. Nos estudos e pesquisas iniciados nesse período são evidenciadas as denúncias de violência contra as mulheres através do levantamento de dados nos distritos policiais e, principalmente, na primeira delegacia da mulher do Brasil (e do mundo) criada na cidade de São Paulo, em agosto de 1985. A tarefa primordial dessas pesquisas era conhecer quais eram os crimes mais denunciados, quem eram as mulheres que sofriam a violência e quem eram seus agressores. Entre as acadêmicas responsáveis por esses estudos as teorias para basear as análises revelavam-se importantes. Assim, Cecília MacDowell Santos e Wânia Pasinato Izumino (2005), identificam três correntes teóricas que foram usadas na análise dos dados coletados: 1) corrente da dominação masculina; 2) corrente dominação patriarcal; 3) corrente relacional.
A dominação masculina é a primeira corrente teórica observada de um artigo de Marilena Chauí - "Participando do Debate sobre Mulher e Violência” focando a violência contra as mulheres com a evidência resultante “na anulação da autonomia feminina que passa a ser concebida tanto como "vítima" quanto como "cúmplice" da dominação masculina”. Para a autora, a “concepção da violência contra as mulheres é resultado de uma ideologia que define a condição "feminina" como inferior à condição "masculina“.
A corrente dominação patriarcal foi introduzida no Brasil pela socióloga Heleieth Saffioti (1934-2010) sustentando uma perspectiva feminista e marxista do patriarcado. Dizem Izumino & Costa que a autora vincula a dominação masculina aos sistemas capitalista e racista apontando que "o patriarcado não se resume a um sistema de dominação, modelado pela ideologia machista. Mais do que isso, ele é também um sistema de exploração. (...)” Para Saffioti: “as mulheres se submetem à violência não porque "consintam“, mas  são forçadas a "ceder" porque não têm poder suficiente para consentir”.
Quanto à corrente relacional relativiza a perspectiva dominação-vitimização sendo exemplificada no trabalho de Maria Filomena Gregori, do início dos anos 90 – “Cenas e Queixas: Um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista” (1993). Como observadora e participante do SOS-Mulher de São Paulo, entre fevereiro de 1982 e julho de 1983, a autora “analisa as contradições entre as práticas e os discursos feministas na área de violência conjugal e as práticas das mulheres que sofrem violência com base em sua experiência” e constata que as mulheres atendidas “não buscam necessariamente a separação de seus parceiros”. A partir de entrevistas com as mesmas, a autora argumenta que elas “não são simplesmente "dominadas" pelos homens ou meras "vítimas" da violência conjugal”. Ou seja: “ao denunciar a violência conjugal, elas tanto resistem quanto perpetuam os papéis sociais que às vezes a colocam em posição de vítima”.
Este resumo não dá conta de toda a exposição de Izumino & Costa, mas demonstra que a violência contra a mulher se processa em análises acadêmicas contributivas que têm rompido com alguns paradigmas conceituais.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal", no dia 22/11/2013)

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