sexta-feira, 30 de agosto de 2013

MÉDICOS INTERNACIONAIS




No final da 2ª Guerra Mundial o atendimento médico da população do interior paraense ganhava o apoio do SESP (Serviço Especial de Saúde Pública), por sua vez um reflexo do que o Plano Marshall fez na Europa devassada pelo conflito. Havia a presença norte-americana não só no programa de assistência, especialmente de profilaxia das doenças, como na própria terapêutica onde o número de médicos era pequeno ou nenhum. Ainda criança, nesse tempo, lembro da atuação do SESP na minha cidade, Abaetetuba. Lembro, por exemplo, da veiculação de desenhos animados de Walt Disney para melhor explicar as regras de higiene, como uma historia de Branca de Neve e os anões que se inspiravam no filme de 1937. Na memória se presentifica, ainda, as palestras, no prédio do SESP, onde as mães deveriam frequentar ás quintas feiras para receber as receitas e informações sobre como fazer sopas para o bebê. Para as crianças, além do cinema a noite, havia o estímulo ao Clube de Saúde, no Grupo Escolar onde estudávamos, com atividades práticas e culturais sobre o plantio de verduras, legumes e/ou a preservação da água potável. O teatro era o principal veículo desses exercicios, aos sábados pela manha.
A criação do Serviço Especial de Saúde Publica aconteceu quando ainda ocorria a guerra. Foi consequência de um convenio firmado entre os governos do Brasil e dos EUA durante a Terceira Reunião de Consulta aos Ministérios de Relações Exteriores das Repúblicas Americanas acontecida no Rio de Janeiro em 1942. A partir dos anos 1950, o programa se expandiu para diversas regiões incluindo pesquisa sanitária o que levou à criação do Instituto Evandro Chagas de Belém.
Este enfoque sobre o SESP é a propósito da celeuma que está ocorrendo com a contratação de médicos estrangeiros para suprir vagas em locais onde há falta desses profissionais. A medida estudada, por sinal, já pensada antes, seria o estágio obrigatório de estudantes de medicina nos postos de atendimento médico do interior dos Estados. Não foi bem recebida até por dilatar o tempo do curso “atropelando” os planos de formandos e familiares. Depois veio a contratação de profissionais estrangeiros. E esta é a polêmica do momento, com uma forte repressão por parte de profissionais nativos.
O caso dos médicos cubanos que já estão em nosso país tem revelando formas vergonhosas de preconceito. Até o fato de uma parte deles ser formada de mestiços deu margem a críticas preconceituosas. Depois houve quem dissesse que as doenças têm características especificas da região objetivada e isso não é de conhecimento de outra cultura. Muitos argumentos insustentáveis que me fizeram lembrar o cineasta-documentarista norte-americano Michael Moore que no seu filme “SOS Saúde” teceu elogios à medicina cubana quando esteve em Havana e precisou de serviço médico para membro de sua equipe.
Quem nasceu ou viveu (ou vive) no interior do país, e nem é preciso ir muito longe (até em Mosqueiro há falta de médicos em postos de saúde), o problema é visto como de urgência, ganhando a metáfora de que é uma doença aguda. Conheço muitos casos de pessoas que chegam à capital quando esgotaram a busca por tratamento em seu município ou vila. Também esgotaram os remédios caseiros que são os primeiros a serem procurados sem que se tenha um perfeito diagnóstico do mal que lhes ataca. Esses casos, muitas vezes, tornam-se extremamente graves pela omissão de um tratamento imediato em curto prazo.
Ir clinicar no interior é medida pouco ou nada sedutora para o recém-formado ou mesmo, para quem não conseguiu um emprego na sua área de conhecimento na capital. A alegação passa pelos planos familiares chegando à busca de emprego no local de residência. Também é alegado que o salário não convida e a falta de material de trabalho é constrangedora. Esses obstáculos podem ser sanados (e muitos estão nos planos estatais como munir os postos com o mínimo necessário para um funcionamento correto). Por outro lado, há necessidade de um profissional da saúde nos locais onde não existe material para trabalhar, tendo em vista que somente ele terá possibilidade de saber quais remédios e o que comprar para fazer frente às doenças dos pacientes de determinada cidade. Ainda assim vai ser difícil preencher os grandes espaços, especialmente amazônicos, com profissionais de medicina capazes de atender a uma demanda que a cada ano se avoluma.
Os estrangeiros chegam para cobrir o déficit. Não são só cubanos como a mídia evidencia com toda a carga de preconceito. Há médicos de diversos países que vão ser examinados no plano nacional. Se eles chegam para ganhar pouco e trabalhar muito há razões que não escapam aos olhos de quem está distante das negociações. Mas a certeza é de que eles chegam para cobrir espaços não desejados pelos profissionais da terra. E em torno deste assunto é bom lembrar que muitos formandos brasileiros vão fazer estágio em países estrangeiros e passam algum tempo trabalhando em hospitais desses países. As peculiaridades nacionais são aprendidas e tratadas.

(Texto originalmente publicado em O Liberal/PA, em 30/08/2013)

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