No
final da 2ª Guerra Mundial o atendimento médico da população do interior
paraense ganhava o apoio do SESP (Serviço Especial de Saúde Pública), por sua
vez um reflexo do que o Plano Marshall fez na Europa devassada pelo conflito.
Havia a presença norte-americana não só no programa de assistência,
especialmente de profilaxia das doenças, como na própria terapêutica onde o número
de médicos era pequeno ou nenhum. Ainda criança, nesse tempo, lembro da atuação
do SESP na minha cidade, Abaetetuba. Lembro, por exemplo, da veiculação de
desenhos animados de Walt Disney para melhor explicar as regras de higiene,
como uma historia de Branca de Neve e os anões que se inspiravam no filme de
1937. Na memória se presentifica, ainda, as palestras, no prédio do SESP, onde
as mães deveriam frequentar ás quintas feiras para receber as receitas e
informações sobre como fazer sopas para o bebê. Para as crianças, além do
cinema a noite, havia o estímulo ao Clube de Saúde, no Grupo Escolar onde
estudávamos, com atividades práticas e culturais sobre o plantio de verduras,
legumes e/ou a preservação da água potável. O teatro era o principal veículo
desses exercicios, aos sábados pela manha.
A
criação do Serviço Especial de Saúde Publica aconteceu quando ainda ocorria a
guerra. Foi consequência de um convenio firmado entre os governos do Brasil e
dos EUA durante a Terceira Reunião de Consulta aos Ministérios de Relações
Exteriores das Repúblicas Americanas acontecida no Rio de Janeiro em 1942. A
partir dos anos 1950, o programa se expandiu para diversas regiões incluindo
pesquisa sanitária o que levou à criação do Instituto Evandro Chagas de Belém.
Este
enfoque sobre o SESP é a propósito da celeuma que está ocorrendo com a
contratação de médicos estrangeiros para suprir vagas em locais onde há falta
desses profissionais. A medida estudada, por sinal, já pensada antes, seria o
estágio obrigatório de estudantes de medicina nos postos de atendimento médico
do interior dos Estados. Não foi bem recebida até por dilatar o tempo do curso “atropelando”
os planos de formandos e familiares. Depois veio a contratação de profissionais
estrangeiros. E esta é a polêmica do momento, com uma forte repressão por parte
de profissionais nativos.
O
caso dos médicos cubanos que já estão em nosso país tem revelando formas vergonhosas
de preconceito. Até o fato de uma parte deles ser formada de mestiços deu
margem a críticas preconceituosas. Depois houve quem dissesse que as doenças
têm características especificas da região objetivada e isso não é de
conhecimento de outra cultura. Muitos argumentos insustentáveis que me fizeram
lembrar o cineasta-documentarista norte-americano Michael Moore que no seu
filme “SOS Saúde” teceu elogios à medicina cubana quando esteve em Havana e
precisou de serviço médico para membro de sua equipe.
Quem
nasceu ou viveu (ou vive) no interior do país, e nem é preciso ir muito longe
(até em Mosqueiro há falta de médicos em postos de saúde), o problema é visto
como de urgência, ganhando a metáfora de que é uma doença aguda. Conheço muitos
casos de pessoas que chegam à capital quando esgotaram a busca por tratamento
em seu município ou vila. Também esgotaram os remédios caseiros que são os
primeiros a serem procurados sem que se tenha um perfeito diagnóstico do mal
que lhes ataca. Esses casos, muitas vezes, tornam-se extremamente graves pela
omissão de um tratamento imediato em curto prazo.
Ir
clinicar no interior é medida pouco ou nada sedutora para o recém-formado ou
mesmo, para quem não conseguiu um emprego na sua área de conhecimento na
capital. A alegação passa pelos planos familiares chegando à busca de emprego
no local de residência. Também é alegado que o salário não convida e a falta de
material de trabalho é constrangedora. Esses obstáculos podem ser sanados (e
muitos estão nos planos estatais como munir os postos com o mínimo necessário
para um funcionamento correto). Por outro lado, há necessidade de um
profissional da saúde nos locais onde não existe material para trabalhar, tendo
em vista que somente ele terá possibilidade de saber quais remédios e o que
comprar para fazer frente às doenças dos pacientes de determinada cidade. Ainda
assim vai ser difícil preencher os grandes espaços, especialmente amazônicos,
com profissionais de medicina capazes de atender a uma demanda que a cada ano
se avoluma.
Os
estrangeiros chegam para cobrir o déficit. Não são só cubanos como a mídia
evidencia com toda a carga de preconceito. Há médicos de diversos países que
vão ser examinados no plano nacional. Se eles chegam para ganhar pouco e
trabalhar muito há razões que não escapam aos olhos de quem está distante das
negociações. Mas a certeza é de que eles chegam para cobrir espaços não
desejados pelos profissionais da terra. E em torno deste assunto é bom lembrar
que muitos formandos brasileiros vão fazer estágio em países estrangeiros e
passam algum tempo trabalhando em hospitais desses países. As peculiaridades
nacionais são aprendidas e tratadas.
(Texto originalmente publicado em O Liberal/PA, em 30/08/2013)
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