sábado, 3 de agosto de 2013

CATOLICISMO E CRISTIANISMO

Papa Francisco 

A presença do Papa Francisco no Brasil, na recente Jornada Mundial da Juventude, foi marcada por posições ambivalentes refletidas em suas históricas frases e/ou argumentos transformados em alocuções que correm o mundo em admirados processos de análise sobre o que está representando essa mudança na igreja católica. Como todas as pessoas, eu também estou avaliando esta sintonia entre o discurso curto por vezes lacônico pronunciado por Francisco e o conhecimento que a humanidade processou ao longo de dois séculos em torno de normas do catolicismo – religião que agrega dogmas e preceitos institucionalizados mantém uma teologia, doutrinas, liturgia, principios éticos que caracterizam e exigem comportamentos específicos de seus adeptos e fiéis com harmonia universal. Segundo Raucsh, Thomas, professor de estudos teológicos, o termo é "usado geralmente para uma experiência específica do cristianismo compartilhada por cristãos que vivem em comunhão com a Igreja de Roma”.
Nessa perspectiva tratada pelo teólogo vejo duas linhas que se aderem – catolicismo e cristianismo (este, de um dado lugar, Roma). Então é nessas duas dimensões que estou presenciando discursos diferenciados de Sua Santidade. O cristianismo é uma religião monoteista centrada na vida e ensinamentos de Jesus de Nazaré (segundo o Novo Testamento) – sendo creditado como o Filho de Deus, o Salvador, o Cristo ou, no grego, Khristós que significa "Ungido" ou, no hebraico, Māšîa, no português, Messias. A religião cristã apresenta três vertentes principais – o catolicismo, a ortodoxia oriental (apartada deste desde 1054, com o grande cisma do Oriente) e o protestantismo (surgido pela reação contra as doutrinas e práticas do catolicismo no Século XV). Estes aspectos (não vou tratar de História das Igrejas) são para situar o diferencial entre catolicismo e cristianismo. Ao longo de milênios, com as mudanças sociais e religiosas, o primeiro foi configurando metas e recursos da igreja católica para manter o poder hegemônico universal dentro dos principios canônicos e do direito romano que amoldaram atitudes e comportamento em novas regras, tanto dos doutores da Igreja quanto para a submissão dos fiéis adeptos ou não. Sua expansão tornou-a religião dominante no Imperio Romano, seguindo para a Europa, Oriente Médio, África, partes da Índia e mais detidamente, e com as descobertas de novos mundos, a colonização e a missionarização, tornou-se o elám nas Américas.
O catolicismo cristão vem se mantendo por mais de dois mil anos devido a sua capacidade de apoiar uma autoridade moldada na crença em Jesus Cristo especialmente no que Ele teria dito ao pescador Simão, o apostolo que chamou de Pedro – e a quem outorgou a criação de Sua igreja. Esta manutenção, ao longo da história, traduziu-se em uma forma de autoritarismo como o meio de passar incólume pelas mudanças acontecidas nas diversas áreas de atividade humana. E como a Historia é cíclica e transformadora traduz-se em descobertas científicas muitas vezes dramáticas para a condição humana, e muito do que foi intentado manter incólume em regras e preceitos ganhou a essência do autoritarismo com momentos que hoje procura-se esquecer para melhor sentir a base da doutrina cristã. O caso, por exemplo, da chamada Santa Inquisição, um tribunal religioso criado pelo papa Gregorio IX levou muita gente a morrer queimada numa fogueira como praticante de bruxaria, visionarismo, ou o mais que viesse se contrapor aos postulados da igreja católica. Nos diversos periodos de mais de um milenio alguns mandamentos foram desobedecidos em nome de uma organização que se dizia apoiada na fé. Havia exércitos e até mesmo autoridade papal em campo de batalha apagando o preceito de “não matar”. E a luxuria presente até mesmo quando um Borgia esteve no sacro comando .
É fato a situação de Hipátia (350/370 – 415 dC), de Alexandria, com trajetória brilhante, adepta da corrente neoplatônica, a primeira mulher matemática da Academia de Atenas, que ao ascender o patriarca cristão Cirilo, acusou-a de herege (o saber das mulheres) sendo perseguida, torturada e morta e seu corpo lançado na fogueira.
Joana D’Arc se intrometeu em guerras e informava suas visões sobre as batalhas nas quais era um dos soldados e vestia “trajes masculinos” por isso – heresias e “assassinatos” – foi acusada, presa, torturada e submetida à morte na fogueira como bruxa.
Outro queimado vivo acusado de blasfêmia, heresia em matéria de teologia dogmática e outros crimes foi Giordano Bruno, frade dominicano italiano versado em ciências e cosmologia por ter questionado o saber dos doutores da Igreja sobre esta questão.
Ao passar anos ministrando uma disciplina da Ciência Política – História das Idéias Políticas e Sociais – HIPS, percebi o diferencial que ocorreu com a revolução cristã e a linha doutrinal do catolicismo ampliado mundialmente (dá outro texto).
Nas alocuções papais atuais como: "Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?" Ou: “vejo as mulheres como semelhantes, mas não iguais aos homens para assumirem a ordenação”, inegável não ver ambiguidade entre as duas correntes – cristianismo e catolicismo: o olhar magnânimo de um e o senso procedimental do outro. Neste ultimo caso, para as mulheres, a restrição repousa na representação de Eva incitando o pecado original. Pode ser que permaneça por muito tempo exceto se outras formas de crença acolherem quem postula uma posição mais dinâmica no âmbito da religiosidade ou que simplesmente permaneça numa posição crítica mesmo continuando a sua crença.
Em resumo, minha posição é de reconhecimento de que as alocuções do Papa Francisco são verdades do cristão que avaliou o quanto a Igreja católica ficou a dever para a humanidade nestes dois mil anos de consenso universal. Aquela visão de ausencia de direitos humanos que fez João Paulo II também ser autêntico ao pedir perdão para a humanidade pelos erros cometidos pela Igreja. Com a posição atual do papado através de Francisco nessa profusão de novas idéias enquanto cristão, vamos esperar que a Igreja Católica renove sua disposição em magnanimidades para os /as humanos/as.

(Texto originalmente publicado em 02/08/2013 em "o Liberal/PA)

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