sábado, 8 de junho de 2013

CONTRATO E CASAMENTO





Regras sociais regem a união entre duas pessoas sob o reconhecimento legal, religioso ou social definidor de um relacionamento mais íntimo onde a representação intrinseca evidencie a vida em comum com inclusão da coabitação sexual. Considerando que casamento é um contrato assinado entre o Estado e essas duas pessoas com o objetivo de formar uma familia, a teórica política e feminista inglesa Carole Pateman, 72 (presidente da American Political Science Association - 2010-2011), escreveu o livro “O Contrato Sexual”, em 1988. Nele, a autora reinterpreta de forma vigorosa as discussões do contrato social orientado por teóricos clássicos como Hobbes, Pufendorf, Locke e Rousseau, e os mais recentes, James McGill Buchanan Jr. e John Rawls, com evidências da questão do contrato sexual que figura na base do casamento, e, para ela, uma instituição marcada pelo patriarcado moderno onde o dominio masculino sobre as mulheres foi escamoteado sistematicamente. Pateman examina o significado da “historia política mais famosa e influente dos tempos”, ou seja, “a historia presumida, que conta como foi criada uma nova sociedade civil e uma nova forma de direito político a partir de um contrato original”.(...) Diz que o interesse na idéia de um contrato originário e a teoria do contrato em geral - relações sociais livres em forma contratual - é um problema muito maior hoje do que nos séculos XVII e XVIII quando os escritores clássicos relataram suas histórias. Para Pateman, conta-se, invariavelmente, somente a metade da história, visto que muito do contrato social é mantido em silêncio profundo acerca do contrato sexual, e que esse contrato originário é um pacto sexual-social. Para a autora “La historia del contrato sexual es también una historia de la génesis del derecho político y explica por qué es legítimo el ejercicio del derecho - pero esta historia es una historia sobre el derecho político como derecho patriarcal o derecho sexual. El poder que los varones ejercen sobre las mujeres. La desaparecida mitad de la historia señala cómo se establece una forma específicamente moderna de patriarcado. (...) El contrato original constituye, a la vez, la libertad y la dominación. A libertad de los varones y la sujeción de las mujeres se crea a través del contrato original (...) y el derecho patriarcal de los hombres sobre las mujeres se establece a partir del contrato”(...) (p. 11)
Como se vê, o estudo de Pateman desloca sua análise do contrato social como crítica ao liberalismo incluindo o recorte do casamento como contrato sexual. Embora sua avaliação considere as hierarquias de valores da liberdade civil nesse contrato como mera ficção para as mulheres, nessa perspectiva pode-se evidenciar que históricamente esta instituição foi por muito tempo uma forma de negócio. Na realeza, principes casavam com princesas de outros reinos para solidificar alianças politicas.
É interessante observar que esse “negócio” era feito para os homens. No império brasileiro temos exemplo dos nossos imperadores. D. Pedro I casou-se com Leopoldina, filha de Francisco de Habsburgo-Lorena monarca do Santo Império Romano Germânico e primeiro imperador da Austria. Depois da morte dela ele se casou com Amélia Augusta Eugênia Napoleona De Beauharnais, neta da imperatriz Josefina da França (a força da descendência napoleonica). O próprio D. Pedro II, vivendo uma época em que o romantismo aflorava, casou com Tereza Cristina do Reino das Duas Sicilias, quando era bem jovem e os conselheiros na corte achavam que era uma forma de “apressar o seu amadurecimento”.
Mas não era só na aristocracia que se observava o papel servil da mulher candidata a esposa. No livro “Inocência”(1872), o Visconde de Taunay trata de um patriarca em Santana da Parnaiba que impõe o casamento de sua filha, a Inocência do titulo, com Manecão, um negociante de gado. A moça, no entanto, gostava de Cirino, um jovem que passa por médico naquele ambiente sertanejo. O livro foi considerado uma transição entre o Romantismo e o Naturalismo. Mas esses Romeus e Julietas de cenários bem diversos da Verona pintada por Shakespeare foram comuns no passado em que a autonomia feminina no lar era restrita ou nula. A mãe de minha sogra, por exemplo, casou aos 11 anos com um comerciante português que visitou seu pai numa fazenda maranhense. Ela não conhecia o futuro marido com quem acabou tendo 11 filhos. O que se dizia na época era que “o amor vinha depois”. E nem sempre chegava, pois o “contrato” era o que mais valia.
No século passado a tradição exigia das mulheres a virgindade no contrato firmado. E muitos desses acordos civis estimularam as instituições, a exemplo, a Igreja, a anular casamentos em que o noivo se sentisse prejudicado nesse item. A idéia era de que a união contratual existia para a procrianção. Houve pouquissimos casos de reclamos da esposa quanto à impotência sexual do marido pedindo a dissolução dos votos proferidos.
Deixando um pouco a racionalidade de Pateman, é inegavel que o tom romântico circula nesses contratos atuais. Há também a revisão da orientação sexual obrigando a reavaliação de alguns termos em que hoje se inscrevem namoros e casamentos. O “ficar” deu realces de uma nova morada para estabelecer afetos e nem sempre o estabelecido (contrato) cerceia o não-estabelecido (compromisso afetivo).
A quebra da tradição ganhou força nos anos 60/70 com a mudança de costumes no bojo da Revolução Cultural simbolizada na rebelião de estudantes e intelectuais em Paris (1968), na reunião da contracultura no Festival Woodstcok, EUA(1969) e na segunda onda feminista com Betty Friedan. Dai em diante o namorado e namorada se comportariam ou como jovens independentes ou como “caretas” (oldfashion). Evidentemente nem todos seguiram ou seguem essa franquia emocional e fisica. Mas o número de casamentos com os filhos servindo de ajudantes de cerimonia cresceu bastante.


(Texto originariamente publicado em "O Liberal"/PA em 07/06/2013)

Nenhum comentário:

Postar um comentário