Regras
sociais regem a união entre duas pessoas sob o reconhecimento legal, religioso
ou social definidor de um relacionamento mais íntimo onde a representação
intrinseca evidencie a vida em comum com inclusão da coabitação sexual. Considerando
que casamento é um contrato assinado entre o Estado e essas duas pessoas com o
objetivo de formar uma familia, a teórica política e feminista inglesa Carole
Pateman, 72 (presidente da American Political Science Association - 2010-2011),
escreveu o livro “O Contrato Sexual”, em 1988. Nele, a autora reinterpreta de
forma vigorosa as discussões do contrato social orientado por teóricos
clássicos como Hobbes, Pufendorf, Locke e Rousseau, e os mais recentes, James McGill
Buchanan Jr. e John Rawls, com evidências da questão do contrato sexual que
figura na base do casamento, e, para ela, uma instituição marcada pelo
patriarcado moderno onde o dominio masculino sobre as mulheres foi escamoteado
sistematicamente. Pateman examina o significado da “historia política mais famosa
e influente dos tempos”, ou seja, “a historia presumida, que conta como foi
criada uma nova sociedade civil e uma nova forma de direito político a partir
de um contrato original”.(...) Diz que o interesse na idéia de um contrato originário
e a teoria do contrato em geral - relações sociais livres em forma contratual -
é um problema muito maior hoje do que nos séculos XVII e XVIII quando os
escritores clássicos relataram suas histórias. Para Pateman, conta-se,
invariavelmente, somente a metade da história, visto que muito do contrato
social é mantido em silêncio profundo acerca do contrato sexual, e que esse
contrato originário é um pacto sexual-social. Para a autora “La historia del
contrato sexual es también una historia de la génesis del derecho político y
explica por qué es legítimo el ejercicio del derecho - pero esta historia es
una historia sobre el derecho político como derecho patriarcal o derecho
sexual. El poder que los varones ejercen sobre las mujeres. La desaparecida mitad
de la historia señala cómo se establece una forma específicamente moderna de
patriarcado. (...) El contrato original constituye, a la vez, la libertad y la
dominación. A libertad de los varones y la sujeción de las mujeres se crea a
través del contrato original (...) y el derecho patriarcal de los hombres sobre
las mujeres se establece a partir del contrato”(...) (p. 11)
Como
se vê, o estudo de Pateman desloca sua análise do contrato social como crítica
ao liberalismo incluindo o recorte do casamento como contrato sexual. Embora
sua avaliação considere as hierarquias de valores da liberdade civil nesse
contrato como mera ficção para as mulheres, nessa perspectiva pode-se
evidenciar que históricamente esta instituição foi por muito tempo uma forma de
negócio. Na realeza, principes casavam com princesas de outros reinos para
solidificar alianças politicas.
É
interessante observar que esse “negócio” era feito para os homens. No império
brasileiro temos exemplo dos nossos imperadores. D. Pedro I casou-se com
Leopoldina, filha de Francisco de Habsburgo-Lorena monarca do Santo Império
Romano Germânico e primeiro imperador da Austria. Depois da morte dela ele se
casou com Amélia Augusta Eugênia Napoleona De Beauharnais, neta da imperatriz
Josefina da França (a força da descendência napoleonica). O próprio D. Pedro
II, vivendo uma época em que o romantismo aflorava, casou com Tereza Cristina
do Reino das Duas Sicilias, quando era bem jovem e os conselheiros na corte
achavam que era uma forma de “apressar o seu amadurecimento”.
Mas
não era só na aristocracia que se observava o papel servil da mulher candidata
a esposa. No livro “Inocência”(1872), o Visconde de Taunay trata de um
patriarca em Santana da Parnaiba que impõe o casamento de sua filha, a Inocência
do titulo, com Manecão, um negociante de gado. A moça, no entanto, gostava de
Cirino, um jovem que passa por médico naquele ambiente sertanejo. O livro foi
considerado uma transição entre o Romantismo e o Naturalismo. Mas esses Romeus
e Julietas de cenários bem diversos da Verona pintada por Shakespeare foram
comuns no passado em que a autonomia feminina no lar era restrita ou nula. A
mãe de minha sogra, por exemplo, casou aos 11 anos com um comerciante português
que visitou seu pai numa fazenda maranhense. Ela não conhecia o futuro marido
com quem acabou tendo 11 filhos. O que se dizia na época era que “o amor vinha
depois”. E nem sempre chegava, pois o “contrato” era o que mais valia.
No
século passado a tradição exigia das mulheres a virgindade no contrato firmado.
E muitos desses acordos civis estimularam as instituições, a exemplo, a Igreja,
a anular casamentos em que o noivo se sentisse prejudicado nesse item. A idéia
era de que a união contratual existia para a procrianção. Houve pouquissimos
casos de reclamos da esposa quanto à impotência sexual do marido pedindo a
dissolução dos votos proferidos.
Deixando
um pouco a racionalidade de Pateman, é inegavel que o tom romântico circula
nesses contratos atuais. Há também a revisão da orientação sexual obrigando a
reavaliação de alguns termos em que hoje se inscrevem namoros e casamentos. O
“ficar” deu realces de uma nova morada para estabelecer afetos e nem sempre o
estabelecido (contrato) cerceia o não-estabelecido (compromisso afetivo).
A
quebra da tradição ganhou força nos anos 60/70 com a mudança de costumes no
bojo da Revolução Cultural simbolizada na rebelião de estudantes e intelectuais
em Paris (1968), na reunião da contracultura no Festival Woodstcok, EUA(1969) e
na segunda onda feminista com Betty Friedan. Dai em diante o namorado e
namorada se comportariam ou como jovens independentes ou como “caretas” (oldfashion).
Evidentemente nem todos seguiram ou seguem essa franquia emocional e fisica.
Mas o número de casamentos com os filhos servindo de ajudantes de cerimonia
cresceu bastante.
(Texto originariamente publicado em "O Liberal"/PA em 07/06/2013)
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