O conceito de política, no senso
comum, é marcado por interpretações variadas onde a crença sobre o que
realmente ela é extravasa de jargões, sem que seja avaliada através de uma
investigação efetiva que atenda a um conhecimento mais profundo e não num sentido
vago e impreciso. Resulta que esse tipo de conhecimento (senso comum) tende a
acumular evidências de ações espontâneas e imediatistas fornecendo entendimento
frágil do que ela realmente é. A questão é que esse acúmulo superficial sobre
política vai passando de geração a geração como verdades sobre o conceito e
aplicando-se a práticas herdadas pelos costumes. Dessa forma, as pessoas
começam a ser manipuladas porque absorvem o lado mais negativo da ação e do
comportamento políticos.
Um fato me alertou para esses
entendimentos equivocados. Nas minhas aulas da disciplina Ciência Política I
(DCP/UFPA), no final dos anos setenta (1978), semestralmente, no primeiro dia
de aula, eu passava um teste de sondagem aos alunos matriculados, onde três
conceitos eram arrolados sendo, o primeiro, “o que é política?” A maioria dos
que estavam presentes na sala de aula respondiam sob o aspecto vulgar do termo
de que era “corrupção”, “politicagem”, “negócio sujo” e obviedades nesse tom.
Salvo pouquíssimos registros de sentido positivo, a maioria revelava a
negatividade do conceito. Na sequência, essa primeira aula procurava reaver uma
assertiva mais objetiva com a intenção de mostrar que se o olhar da maioria era
para esse lado, convergindo para o que na sequencia afirmavam de “não gostar de
política”, alunos e alunas, enquanto sujeitos da História, estavam se
despojando da condição de cidadania herdada pela dimensão democrática que a
política destinava aos realmente incluídos no processo de inserção na vida
social com direitos e deveres. A proposta dessa primeira aula era inscrever-nos
no estudo da Ciência Política onde os parâmetros paradigmáticos eram
resultantes de duas vertentes fortes dos estudos da teoria democrática – a
democracia dos antigos - desde o estado e sociedade na antiguidade clássica – à
democracia dos modernos - aos prolegômenos do estado contemporâneo com
emergência do estado Moderno (em Maquiavel) e sequenciamentos.
Nesses episódios que nos dias atuais
sacodem as capitais dos estados brasileiros pensei no meu reencontro com esse
conceito partindo de um filósofo da teoria clássica, mais conhecido com o “pai”
da ciência política – Aristóteles (384-322) – que para escrever seu livro
“Política” estudou 153 constituições de cidades-Estado gregas. É onde se encontram
suas teorias sobre a justiça e a liberdade, a composição da cidade, da
escravidão, da família, das riquezas, as diversas formas de governo, a divisão
dos poderes, as funções do Estado e a constituição da sociedade, entre outros
temas. Para ele, o termo política referencia a ciência da felicidade
humana, considerando todos os âmbitos desse estado de satisfação:
“Em todas as artes e ciências, o fim é
um bem, e o maior dos bens e bem em mais alto grau se acha principalmente na
ciência todo-poderosa; esta ciência é a política, e o bem em política é a
justiça, ou seja, o interesse comum; todos os homens pensam, por isso, que a
justiça é uma espécie de igualdade, e até certo ponto eles concordam de um modo
geral com as distinções de ordem filosófica estabelecidas por nós a propósito
dos princípios éticos."
Não precisa ir ao encontro de outros
clássicos e/ou teóricos atuais da ciência politica para observar que as
estratégias que estão sendo seguidas por uma parte dos manifestantes de rua
(digo, uma parte apenas), no momento atual, no Brasil, reencontram os
parâmetros aristotélicos de exigir a felicidade humana. E, portanto, são,
segura e eminentemente políticos.
Se observarmos o início da onda de
protestos de um grupo da população da cidade de São Paulo contrária ao aumento
das tarifas dos transportes coletivos (trem, metrô e ônibus) vê-se que os
propósitos tendem a mostrar a avaliação desses/as cidadãos/ãs de que as medidas
tomadas entre o poder público e o empresariado não seguiam os princípios éticos
de instituírem um bem público que possibilitasse a satisfação no uso desse bem.
Isso quer dizer que, ao assumirem a condição de cidadãos viventes da cidade
(ação pelos direitos) afastaram-se do conceito vulgar de política para
assumirem a verdadeira maneira de lutar por justiça e igualdade, insertos no
conceito aristotélico.
É a partir desse olhar que as demais
insatisfações dos manifestantes passam a se acumular e, ao buscar o alargamento
das demandas para a composição de sua maneira de viver bem, outros figurantes
se assenhoreiam de novas demandas no meio onde circulam e percebem que podem
criar o clima mais amplo de protestos incluindo novos objetivos. Nesse caso,
então, captam os gastos públicos com alguns bens que foram priorizados pelo
poder público e acrescentam novas avaliações quanto a interesses de suas
comunidades procurando entender qual o diferencial que acoberta os custos de
certos bens hierarquizados pelo Estado e os que tendem à satisfação das
necessidades básicas. Da situação material necessária à sobrevivência passando
pelas instituições sociais que normatizam a maneira de viver, esses/as
cidadãos/ãs se posicionam para reverter o “status quo” e reformular o sentido
da justiça enquanto igualdade de direitos, concordando com propósitos
estabelecidos pelo interesse comum.
No texto sobre ativismo político (da
sexta feira última) tratei do ativismo cívico, cujo um dos tipos é o ativismo
de protesto, um fenômeno das sociedades democráticas onde é possível alavancar
requisitos que sustentam a liberdade popular nas atitudes formadoras da maneira
de abranger o respeito plural das convicções em ampliar os limites das normas
das quais não estão de acordo.
Creio que é essa a política que está
se observando no Brasil hoje. Os da minha geração foram presos, espancados e
mortos por um governo autoritário que dissentia das manifestações. A democracia
implantada no Brasil com esses novos padrões poliárquicos estão beneficiando os
novos contendores.
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