sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

SEGURANÇA ANTES DE TUDO



Imagem dos rescaldos do incêndio na Boate Kiss em Santa Maria (RS)

No Brasil, um dos principais desafios, considerando-se, inclusive, como um problema fundamental, é a questão da segurança pública. Está nos temas debatidos por experts acadêmicos como, também, tem sido assunto do cotidiano da população de um modo geral. É voz recorrente que a sensação que se tem ao sair de casa – seja de moradores das cidades do extremo norte às do extremo sul – é de insegurança, entendo-se esta pela disseminação dos registros estatísticos de assaltos, homicídios, sequestros-relâmpago e por ai seguem os números de crimes que tendem a levar a incerteza quanto às medidas de prevenção que deveriam estar sendo aplicadas para coibir tais delitos pelo poder público ou pelos gestores das cidades comprometidos com o bem-estar da população.
Ao que consta, pelo menos desde o ultimo final de semana, com a tragédia de Santa Maria (RS), houve o deslocamento desse painel de incidências delituosas sobre as quais se acumulam as questões relativas à criminalidade, para incluir outro foco da segurança pública até então pouco tratado – o ambiente das casas noturnas, boates e assemelhados.
Este assunto só vem á tona quando há um fato que instigue a comoção social e embora haja ocorrências de incêndios em espaços dessa natureza, no Brasil e no mundo, é bem mais percebido quando se dá em edifícios e outras áreas desse porte.
Não é fato desconhecido de brasileiros e brasileiras que a segurança pública investiu de forma exacerbada na avaliação de produtos culturais como filmes e peças de teatro, além de composições musicais, no período da ditadura iniciada com o golpe de 1964. Prisões e exílio se tornaram atos comuns pelo setor de segurança especializado. Também eram investigados os locais de shows que levavam uma multidão de espectadores, não com a intenção de avaliar a estrutura do local, mas o ambiente cultural e as sintonias entre o que cantavam ou proseavam os artistas e o entusiasmo do público. Uma dessas situações culminou no atentado do Riocentro, em 30 de abril de 1981, quando era comemorado o Dia do Trabalhador.
Mas hoje é outro momento e uma nova situação. A comoção  nacional sobre as condições geradoras do incêndio seguido do desespero para fugir das chamas e da fumaça tóxica de mais de mil pessoas na boate Kiss, em Santa Maria (RS), levando à morte mais de duzentos jovens, alertou a segurança pública e os/as brasileiros/as em geral de que há uma arma silenciosa e pouco percebida preste a detonar nos ambientes de lazer e diversão, e que não tem sido tratada como problema de alta periculosidade por esse setor e por outros tantos atores sociais envolvidos nas normas de segurança que devem se tornar eficientes e preventivas nesses episódios.
Para se ter uma ideia do modo como às vezes é tratada a supervisão nas casas noturnas nas cidades, o blog de um delegado de polícia de um estado vizinho, expõe o caso de uma liminar contra o horário de funcionamento de uma boate em que o prejudicado solicita a imposição da Lei Cinderela. O blogueiro/delegado evoca o decreto estadual que autoriza a realização de festas e funcionamento de bares, boites e assemelhados indicando a competência no caso da capital (“Secção de Costumes e Diversões Públicas, sob a supervisão do Departamento de Segurança Pública”) e nas cidades do interior (“às Delegacias de Polícia, que também obedecerão ao controle do Departamento de Segurança Pública”). E a ocorrência foi de que ao ser emitida a ordem, de acordo com o que se propunha o julgado, “um fiscal teria amassado a autorização para o funcionamento da mesma, porque fora expedida pela Polícia Civil”.
Este episódio demonstra a situação das competências na emissão de determinada ordem e que também é motivo de questionamentos no caso atual de Santa Maria, envolvendo ocorrências mais graves do que a da Lei Cinderela, mas a expedição de alvarás de funcionamento dessas casas noturnas sem a mínima condição de receber um tipo especial de show e um grande número de pessoas devido a arquitetura do local fora dos parâmetros estabelecidos para o fim proposto.
No caso especifico, o processo não se constitui numa só dimensão de avaliação do espaço específico para determinado fim e emissão do documento, mas segundo a necessidade, na correção de irregularidades detectadas na comparação com o projeto de edificação apresentado e submetido aos órgãos competentes para a emissão do alvará e o “habite-se” emitido pela vigilância sanitária e de saúde das prefeituras. Segundo o que tem sido divulgado pelas mídias e nas entrevistas de experts, não é possível expedir documentação desse teor sem a comprovação de um laudo de vistoria técnica lavrado pelo Corpo de Bombeiros.
O que tem circulado no noticiário sobre as causas que teriam contribuído para a explosão da tragédia em Santa Maria leva a observar que a esfera de poder na emissão de alvarás não tem apenas um órgão responsável, mas vários. Trata-se de um campo que deveria ter, também, as normas atualizadas, além de mecanismos modernizados para aplicar nas vistorias.
Mas não só a estrutura física desses espaços deve ser um problema para envolver uma vistoria. O material humano que se habilita tanto para a avaliação das normas do projeto arquitetônico quanto e principalmente o que será contratado para os serviços internos da casa noturna também deverá ser especializado, receber um treinamento para as situações de risco.
Quem circula nesses espaços deve estar atento para os ambientes frequentados. É a lição tirada da tragédia.

(texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, de 01/02/20013)

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