Há um dito popular que diz: tudo
no Brasil, especialmente na área política, acaba dando em samba. Esse aforismo procede
na criação de marchinhas e sambas cantados na época dos carnavais desde o tempo
do Império. Da minha época, lembro “O Cordão dos Puxa-Saco”(1945) de Roberto
Martins, e/ou de elogios, como “Retrato
do Velho” (1951), de Haroldo Lobo, uma apologia
à volta de Getulio Vargas ao governo, em 1950 e que se transformou em um jingle
da campanha. Hoje certamente os blocos carnavalescos, que em tempos passados
dividiam-se entre as chamadas “grandes sociedades” e os “sujos” (blocos de rua,
com moradores de bairros que podiam dançar o carnaval sem medo de assaltos)
restringem-se ao primeiro grupo, com poucos números para o segundo. É de supor
que atendam a assuntos que a mídia explorou recentemente, do “mensalão” à
eterna critica aos mandatários e líderes políticos de diversos níveis hoje com
a Lei de Ficha Limpa. Há mesmo quem se inspire em fatos trágicos exalando mau
gosto. Mas a forma de diluir o drama em fiapos de alegria é própria da herança
latina e especificamente dos nossos colonizadores. Uma identidade que tem
mostrado o diferencial de nosso povo com os demais, mesmo latinoamericanos.
O carnaval deriva de “carna vale”(adeus
à carne) e veio da Grécia em 600 a 550 a.C., passando a ser reconhecido pelo
cristianismo em torno de 1590. O carnaval moderno, com evidências às fantasias
e bailes específicos, surgiu no século XIX, na Europa. Ainda hoje há desfiles
carnavalescos em alguns lugares do “velho mundo” e em cidades da America como
Nova Orleans (mais conhecido como Mardi-Gras). Mas o carnaval brasileiro tomou
espaço internacional no século passado. Hoje é uma atração turística. E o
sentimento de folia espalha-se a partir da índole do povo. Ao que consta, a
receita estipulada no riso (“rir é o melhor remédio”) tem muitos adeptos entre
nós. E as críticas políticas na época carnavalesca rimam com as que se faz no chamado
sábado santo (antes conhecido como “da Aleluia”) quando Judas é malhado,
lendo-se, antes, um testamento que satiriza várias personalidades do governo ou
pretendente a isso.
Muitos compositores brasileiros
inspiraram-se em fatos administrativos, ou de pretensão a esses cargos, abrangendo
as figuras mais evidentes nos meios jornalísticos, para construir suas músicas
carnavalescas. Há o caso de “Trabalhar, eu não”, samba de 1946, criado por
Aníbal Alves (Almeidinha) para um bloco; o citado“Cordão dos Puxa-Saco” (1946),
de Roberto Martins e Eratóstenes Frazão, satirizando os eternos áulicos ou
bajuladores compondo a comitiva dos políticos que estão “de cima” e quando
estes caem do poder, desaparecem. Há ainda ”Pedreiro Valdemar”(1949), de
Roberto Martins e Wilson Batista, de 1949, cuja crítica social assistia à diferenciação
de classe em que o construtor do edifício, quando este passava a ser habitado,
era excluido da entrada principal; ”Daqui não Saio” ( 1950) de Romeu Gentil e
Paquito, criticando tanto o entreguismo brasileiro da época como a elite
beneficiada pelas regalias de cargos públicos e não queria mais deixar o lugar;
”Maria Candelária” (1952 ) de Klecius Caldas e Armando Cavalcanti, visto como
sátira aos funcionários “alpinistas” e com QI (Quem Indica) que faziam carreira
no serviço público sem trabalhar, chegando ao ápice do cargo; ”Não vou para
Brasilia” (1957), samba de Billy Blanco, criticando o deslocamento da capital
do país do RJ para o Planalto dizendo num refrão: “mesmo que seja para ficar
cheio de grana”, censurada pelo diretor da Rádio Nacional, Moacyr Arêas. Há
muito mais nessa linha, mas fico só nestas.
O termo “dá em samba” é sinônimo
de “dar em pizza”. É o esquecimento oferecido a temas de interesse popular que
muitas vezes alcança a midia e/ou deixa de ser abordado por quem de direito. O ato
de “esquecer” um assunto que foi divulgado e cobrado por muitos num determinado
tempo pode se dar por perder espaço a outros mais cotados ou por interesse de
quem pode ganhar com isso. Há casos “crônicos” que exemplificam acomodação
social como se vê nas músicas, a exemplo de “Maria Candelaria”, onde se critica
a pouca importância dada ao emprego publico, ou a clássica distinção de classe
com a humilhação em evidência (como “Pedreiro Valdemar”). Também não é nova a
bajulação, ou o “cordão de puxa-saco”.
Mas não é só no samba ou nas
marchinhas que se encontra um carnaval que se pode parafrasear como “nada
vale”. Também nas fantasias usadas pelos foliões. As máscaras que lembram os
presidentes do país é uma constante. Também de políticos punidos ou não por
desmazelos, assim como os que se tornaram populares de alguma forma. Quanto
mais característico o semblante, mais alvo de caricaturas, mais modelos para os
mascarados que saem às ruas ou frequentam as festas de diversas classes
sociais.
Julgando-se pelo carnaval o país,
ou os países, “vão bem obrigado”. Quando em ditaduras, a verve cômica do povo é
cerceada e no Brasil houve um exemplo no hiato 1964-85. O que se ouviu nas
festas carnavalescas foram composições do passado, ou loas patrióticas a lembrar
do “cordão” de antes. “Pra Frente Brasil” (1970) é um exemplo. Não foi marcha
de carnaval mas esteve nos bailes do período. E o filme homônimo que se fez a
partir do titulo chegou a ser alvo dos censores por mostrar atos de tortura.
Foi liberado com o rótulo de que se tratava de “uma obra de ficção”. Assim é
que se mede a satisfação ou a insatisfação popular nos fevereiros, a hora do
desabafo, do cantar os reclamos que em prosa escrita não ganharia repercussão.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 08/02/2013)
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