domingo, 27 de janeiro de 2013

TEMPO DE CHUVA


Imagem de Belém sob chuva . Foto Katia Oliveira.


Inicio de ano marca o nosso “inverno amazônico” e o verão de outras regiões brasileiras. A estação, ou as estações, caracteriza(m)-se por períodos chuvosos prolongados e volumosos. Nas proximidades de rios/mares as precipitações atmosféricas juntam-se às altas das águas circundantes e o comum é ver na mídia escrita e televisionada as tragédias da população que vive próxima ao aumento de volume das águas.
A grande pergunta que se faz assistindo a reprise de acontecimentos ligados a desastres naturais é: por que não se tomam providencias para que essas situações não se repitam ano após ano.
Mas a situação das cheias e das intempéries naturais em cada fase do ano não é tão simples de ser avaliada. Pessoas que residem por extrema necessidade em barracos vulneráveis às intempéries respondem simplesmente às indagações de quem acha que a profilaxia dos desabrigos é a mera mudança de endereço: “não tem para onde ir”.
O retrato cruel das cheias e das destruições urbanas devido à invernada ficam expostos no exército de desabrigados lotando espaços públicos como ginásios e abrigos improvisados. E, nesses casos, entram em cena as missões de ajuda do governo, da população convocada pela mídia ou pelos abnegados grupos de auxilio comunitário, seja com alimentos, seja com remédios, seja com roupas. Tudo isso sai por um custo, tanto dos recursos do governo como das ciladas da própria natureza. E como evitar esses custos?
Qualquer solução apontada por políticos e francos “entendidos”no assunto é geralmente utópica se não baseada em estudos. A atual campanha de casas populares (o programa “Minha Casa, Minha Vida”) me parece uma ajuda interessante. Construir habitações populares em espaços isentos de perigos naturais é uma forma de minorar o antigo e sempre renovado problema. Há os críticos a esse programa, mas minha indagação é: já se perguntou aos que hoje estão contemplados o que eles acham de estarem de fora das prováveis intempéries anuais? Independente de favorecimento ideológico em torno de qualquer plano de governo considero que os que tendem a garantir certas melhorias de vida às populações devem ser reconhecidos.
Há uma literatura que menciona algumas obras que podem ser planejadas e construídas para controle das inundações no meio urbano: construção de diques, barragens e bueiros, estes últimos em casos de menor efeito. A teoria cita exemplos da Holanda e Alemanha, especialmente no primeiro país onde a superfície abaixo do nível do mar estimula o quadro. Mas há peculiaridades regionais, em termos de Brasil, onde essas estruturas não podem ser perfeitamente introduzidas. Nos lugares com morros, o deslizamento é constante nas épocas chuvosas e nas planícies, como o nosso caso, o avanço das marés é uma contingencia histórico-geográfica. As cheias sempre atingiram moradores das proximidades dos rios. Neste caso, o deslocamento de habitantes luta contra o trabalho profissional, especialmente de quem vive da pesca.
Qualificar profissionais quanto ao mapeamento dos riscos, procurar avaliar tanto em nível qualitativo como quantitativo esses riscos, e mapear as políticas já propostas para conter as inundações deveria ser uma preocupação de grande envergadura dos governantes para criar e desenvolver estratégias e ações planejadas visando o enfrentamento dos riscos.
A tese de doutorado do pesquisador Paulo Roberto Ferreira Carneiro do Laboratório de Hidrologia e Estudos do Meio Ambiente da COPPE/UFRJ, de título: “Controle de Inundações em Bacias Metropolitanas, Considerando a Integração do Planejamento do Uso do Solo à Gestão dos Recursos Hídricos. Estudo de Caso: Bacia dos rios Iguaçu/Sarapuí na Região Metropolitana do Rio de Janeiro” [Rio de Janeiro, 2008,] trata da “integração do planejamento do uso do solo à gestão dos recursos hídricos, com enfoque no controle de inundações”. Para o pesquisador, essa gestão “em regiões metropolitanas vincula-se, em grande medida, às características da ocupação e do uso do solo das bacias hidrográficas inseridas nesses territórios”.  Aprofundando o estudo do tema ele visou “elucidar os desafios  e as perspectivas para o seu gerenciamento em bacias densamente urbanizadas. Os novos arranjos institucionais em fase de implantação no país assumem papel de destaque, na medida em que poderão ocupar o “vazio” institucional deixado pelo abandono da “gestão metropolitana”. Paulo Roberto Carneiro então levanta a seguinte questão: “Que novos paradigmas de planejamento e gestão poderão emergir da articulação dos novos instrumentos de ordenamento do solo com as diretrizes da política nacional de recursos hídricos e da política de saneamento básico, recentemente aprovada?”
São essas questões que levam ao debate o assunto que estamos evidenciando aqui. A tese do professor não leva só a isso, mas propõe “alternativas que conduzam à gestão integrada em bacias metropolitanas”. Instigante na proposição, ele vai “na ferida” da situação  mostrando entre os capítulos dois interessantíssimos  “A experiência internacional no controle de inundações urbanas – tendências recentes da União Européia” e “A experiência recente no Brasil na regulação pública: dos recursos hídricos e saneamento”. Um trabalho de fôlego que aponta resultados se houver comprometimento político na situação histórica das inundações.
De qualquer forma, “fugir das águas” é matéria política de grande alcance. Serve de plataforma a muitos candidatos/as a cargos eletivos mesmo se sabendo que eles não possuem condições de resolver o caso. Para quem foi eleito e recebe os reclamos dos eleitores, a situação aposta em duas vertentes: ou jogar o problema para autoridades superiores ou se atrelar a medidas paliativas, aliando-se aos movimentos de assistencialismo assumidos por diversas fontes civis ou religiosas. Mas isso não é o certo. Pelo menos para quem ouve a fala desesperada dos atingidos por esses problemas.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, de 18/01/2013).)

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