sábado, 20 de novembro de 2010

A REPÚBLICA NO PARÁ

Quando se comemora mais um aniversário do governo republicano no país é interessante observar como ele se instalou no Pará e/ou como foi recebido pelas classes sociais, evidenciando-se por imposição histórica o papel de algumas famílias ligadas aos meios de produção, identificando-se os que estavam ou se assentaram no poder social e político local.

A vastidão e complexidade do assunto é alvo de muitos trabalhos de historiadores, mas penso no que me deu base para uma dissertação de mestrado apresentada ao NAEA em 1990 e com publicação prevista para o próximo ano conservando o titulo “Saias, Laços e Ligas: Construindo imagens e lutas” (a sair pela Paka-Tatu).

A implantação do regime republicano no Pará, reponta num momento em que o Estado vivia a "belle epoque". É a fase do esplendor da borracha, refletindo-se na rápida urbanização, em que o social e o comercial evidenciam o fortalecimento do poder político de uma classe que já dispunha de mecanismos de dominação, no regime anterior, os proprietários de terras. Esta classe, que se manteve dominante até aproximadamente meados do século XX, era descendente de militares, funcionários e colonos que haviam sido contemplados com sesmarias, no período colonial. Uma crise interna havia fraturado a hegemonia desse bloco no período cabano.

Entre as formas de reprodução social que a classe privilegiada procurou desenvolver para reaver certas perdas advindas com a abolição, estão as alianças matrimoniais realizadas entre familias abastadas, representando um dos papéis mais importantes na retomada do poder.

Com o desenvolvimento do comércio e integração maior à economia mercantil, as alianças matrimoniais do século XIX vão depender menos da propriedade fundiária, como acontecia no Brasil Colônia, entretanto, vão ter papel de grande peso na formação da classe socialmente dominante no período seguinte.

O fortalecimento do setor agro-exportador gomífero a partir da segunda metade do século XIX, fez emergir uma classe com funções específicas dessa economia, com os donos de seringais, os "aviadores", os varejistas, os exportadores, os importadores (na sua maioria, de nacionalidade estrangeira), além dos empresários do tráfego fluvial, ou seja, os armadores. Neste período, a posse da terra passou a ser conflituosa entre os seringalistas latifundiários. Os proprietários de terras permaneceram no domínio da estrutura econômica, que dividem, agora, com os novos agentes sociais, os "aviadores" de prestígio incorporado devido à importância do seu papel no setor terciário, num período (1899 a 1910) em que as cotações da borracha apresentavam-se, na fase de aceleração com o rápido crescimento dos preços do produto, embora sujeitos a fortes flutuações, "as mais pronunciadas de toda a série".

A elite paraense, nesse período mantém as bases na estrutura fundiária, diversificada entre os latifundiários seringalistas e os fazendeiros. A fração de classe que emerge com a economia gomífera é representada pelo comércio, quer dos citados "aviadores" quer dos varejistas. Há ainda outros elementos que se associam aos interesses dessa classe, a burocracia local, ou seja, os funcionários alfandegários - uma categoria que realçou principalmente no período de aceleração da produção gomífera. Há ainda os armadores e os altos representantes dos bancos e de casas seguradoras.

Com esses setores tendo interesses específicos e particulares, pode-se deduzir daí o que representou, nesse período, a criação de partidos políticos que afinassem organicamente com cada grupo. O federalismo possibilitava a autonomia do Estado e o quadro partidário que se organizasse teria base local. Com a dominação econômica nas mãos dos proprietários de terras e dos comerciantes, a hegemonia política do novo sistema seria realizada por estes grupos que se intitulavam "classe conservadora".

Há outro grupo que se alinha aos demais, nesta primeira fase republicana: os militares, responsabilizados pela fratura da hegemonia do bloco monárquico. É de supor que os ligados às Forças Armadas são representantes de uma classe média intelectualizada, alguns bacharéis (Lauro Sodré, Inocêncio Serzedelo Corrêa, Virgílio Henrique Muller). Os militares da Armada (Arthur Índio do Brasil) e da Guarda Nacional seriam originários da elite, alguns exercendo atividades no comércio local no ramo das profissões liberais ou como proprietários de terras.

Como ilustração da importância de uma classe social na mudança de regime (do monárquico ao republicano) cito a família Chermont. O seu poder político é notado desde o império, evidenciando-se as alianças matrimoniais de seus membros desde o século XVIII quando o jovem Theodosio Constantino de Chermont casou-se com a filha de um abastado proprietário, o Capitão Mor das Ordenanças de Belém e depois Mestre de Campo de um dos Terços de Infantaria de S. José de Macapá, José Miguel Ayres, premiado por S. Majestade , em 1741, com a concessão de uma sesmaria na Região do Rio Capim, parte setentrional do Pará. Esse tipo de união, com variações ou adaptações às condições socioeconômicas subseqüentes repetiu-se por três gerações.

A exemplificação da família Chermont demonstra a influência que grupos econômicos exerceram na formação político-partidária do alvorecer republicano, deixando em pendência a trajetória de outros eminentes do período.


(Texto publicado em "O Liberal" em 19/11/2010)

3 comentários:

  1. Luzia, seu post anterior me inspirou para uma nota em meu blog, no qual citei uma parte do blog. Continue inspirando nossa percepção política.

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  2. Ok Tina Online, fico feliz em conseguir chegar às colegas e às leitoras e leitores que se interessam pela política.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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