terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

MARGINALIDADE, CRIMINALIDADE, TEORIAS....

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Num primeiro momento, ao pensar na escolha do assunto para expor aos leitores deste jornal/blog que acompanham semanal e regularmente a abordagem de alguns temas da minha alçada e, às vezes, fora dela, pensei em um título do tipo “as teorias e as práticas”. Pareceu-me caber, nessa expressão, a perspectiva de olhar toda uma vida duplicada entre os estudos acadêmicos e o processo fenomênico da minha “vida ordinária” (vida comum, habitual, usual), ou seja, o meu cotidiano como sujeito social. Nesse aspecto, vê-se que existem papéis (cf. Houaiss - dever, obrigação legal, moral, profissional etc. ou atribuição, função que se desempenha ou cumpre) bem definidos na nossa trajetória, encimados pelo processo de vivência que projeta, a cada ciclo, as pautas da vida social onde modelos de significação de enunciados (explicação/demonstração) criam formatos de sujeitos estabelecidos pelos marcadores sociais de cada etapa de vida. Preferi um título mais forte para relacionar esses dois emblemas de uma vida porque fazem jus ao que considerei expressões dicotômicas causadas por uma ocorrência de violência urbana acontecida com um ente querido, levando toda a família a rever prioridades, valores, desejos até então existentes, por suposto, satisfazendo as necessidades.
Diante de todos nós o quadro construído pela descrição dos fatos violentos foi aterrador, sem precedentes, para conter uma explicação teórica da ocorrência. Não há palavras que sustentem, nesta hora (e além dela, diga-se) para quem sofre, a cadeia explicativa do processo de violência urbana. Mas a academia exige que seja processada dessa forma, pois, assim serão interpretados os fenômenos sobre a marginalidade, a criminalidade, que se acham tão perto de nós, na esquina, ao lado de uma agência bancária, dentro de casa, em qualquer hora do dia, com muitas pessoas no entorno ou em um ambiente vazio.
Sem que a angústia pela ocorrência tivesse tempo de dissipar-se – porque não há tempo para desaparecer o sofrimento sobre esses episódios – e pensando em como traduzir esse estado de (des)ânimo para escrever este texto, percorri as mais recentes análises sobre os dois fenômenos que a meu ver se integram. É preciso notar que desde as aulas na graduação do Curso de Ciências Sociais já iniciávamos, na disciplina Sociologia do Desenvolvimento (1975), o “estudo do comportamento social das interações e organizações humanas”, configurando-se, na ocasião, leituras dos velhos clássicos como Comte, Dukheim, Spencer, Marx, Tarde, Simmel, Pareto, Weber, Parsons, Germani e outros. Mas eu precisava organizar minhas ideias e construir uma exposição que me levasse a entender o estado de espírito de uma mulher de mais de setenta anos com alguma qualificação acadêmica e mãe, avó, tia, irmã, sogra diante de uma perversidade praticada contra um ente amado.
As lágrimas vêm aos olhos evocando essas teorias que me levam a ver/imaginar um jovem de arma na mão (e o tiro vindo em seguida) a exigir os recursos extraídos de um banco com intenção de matar um outro jovem já caído no chão pelas coronhadas recebidas. Quantia tão pequena ... mas, por suposto, necessária para suprir os desejos (quais desejos?) daquele que estava praticando uma ação criminosa.
Nos estudos do autor brasileiro Lúcio Kowarick (Capitalismo e marginalidade na América Latina. RJ, Paz e Terra, 1975) um dos analistas dessa obra, Walter Arno Pichier (Algumas Observações Sobre O Conceito De Marginalidade Social, Ensaios FEE, v.1.n.1), dá pistas do redirecionamento feito por Kowarick, desses estudos: “... a marginalidade deve ser caracterizada como modo de inserção nas estruturas de produção. (...) não é o resultado das disfunções do sistema, senão resultado das estruturas societárias de caráter global, as quais trazem em seu âmago um conjunto de contradições cujas expressões são múltiplas e, dentre essas, a própria marginalidade”. Para Pichier, Kowarick concentra o foco de análise na dinâmica da sociedade capitalista, mais especificamente na divisão social do trabalho e das categorias ocupacionais que dentro dela se articulam. Partindo deste ponto de vista, a marginalidade passa a ser caracterizada através de um conjunto de categorias ocupacionais que desempenham determinados papéis no processo de acumulação do capital.” (págs. 113-114). Não esmiuço o artigo, apenas extraio fragmentos de uma análise que traz uma explicação sobre o motivo da emergência da marginalidade social. Sem esgotar nem entrar nos clássicos.
No relacionamento entre marginalidade e crime – não sendo eu versada na área do Direito – procurei evidências na análise jurídica em que são observadas teorias criminológicas para explicar o crime que remete entre outros, à ação efetiva da marginalidade. Essas teorias investigativas classificam-se em Criminologia Tradicional e Criminologia Nova ou Crítica, com base em estudos de Dias e Andrade (Criminologia. Coimbra, 1997, apud Silva Jr., 2006). Também declino de discorrer sobre a extensa classificação que o autor faz, haja vista que minha intenção tem outro objetivo. Situo o que diz a literatura consultada: “sobre o mesmo objeto de estudo [o crime], os cientistas elaboram questões diferentes que reclamam respostas diferentes. Existindo, entre essas duas vias de explicação do problema do crime, mais uma relação de complementariedade do que de exclusão, fazendo da criminologia uma ciência interdisciplinar que envolve a biologia, a psicologia e a sociologia”.
Como se vê, há preocupação da ciência em construir teorias explicativas para a marginalidade, com proposições de soluções melhores para a eliminação do estado de violência global. Mas como vou encarar hoje a vivência na cátedra e a vida ordinária/cotidiana? Reconheço que como eu milhares de mães e avós incluem-se nas estatísticas desses crimes e, como tal, abraçam os mais diversos modos de reflexão sobre a natureza dessas violências urbanas. Porém, acredito que, nessas horas, o olhar do cientista se empodera da compreensão de que todo agente da racionalidade faz parte do grupo humanidade, onde o espaço para crescer está circunscrito a duas escolhas possíveis: ou se ama, para transformar o mundo; ou se odeia, para exterminá-lo. Eu fico com a Lei do Amor, como Jesus nos ensinou, com espaço para buscar o crescimento social por meio de uma política eficaz capaz de garantir a paz e a unidade entre os homens.

(Texto originalmente publicado em O Liberal/Pa em  20/02/2015)

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