domingo, 8 de fevereiro de 2015

GESTUALIDADE POLITICA


http://pt.slideshare.net/GeorgeSGMG/gestos-de-paz 

A palavra gesto explica a maneira de as pessoas se manifestarem podendo ser através do “movimento do corpo, da expressão das mãos, braços e cabeça, voluntário ou involuntário, que revela estado psicológico ou intenção de exprimir ou realizar algo; aceno, mímica” (Houaiss). Trata-se de uma forma de linguagem. Segundo Rector & Trinta (1993, p. 21, apud Pereira, 2009) “os elementos não verbais da comunicação social são responsáveis por cerca de sessenta e cinco por cento do total das mensagens enviadas e recebidas no processo de interações humanas, nas quais o gesto tem um papel fundamental”. O gesto pode combinar-se com a comunicação verbal por vezes fortalecendo ou substituindo-a. A psicolinguística é uma das ciências que estuda essa expressão/ação.
Não sou letrada nessa área, mas, como qualquer cidadã, transito nas interações com outras pessoas e, por vezes, é possível avaliar que esse modo de comunicação tem grande força de estabelecer os meios possíveis de se constituir num gestual que assinala agregação ou separação entre pessoas conforme seja a decodificação que se faça dele (o gesto).
A pesquisa que realizei sobre as mulheres na política no Pará, na década de noventa, entrevistou algumas pessoas da elite do início do século XX e, muito interessantes foram as lembranças registradas nesses depoimentos explorando o gestual do namoro, por exemplo. Da memória do Dr. Adriano Guimarães há resquícios destes transformados em signos quando ele evidenciava a representação do lenço nas mãos das jovens ou de uma flor na lapela masculina, frequentadores do cinema Olympia, e desejavam mandar um “recado” a/ao namorado ou namorada que não fora de escolha familiar (e/ou até que fosse). Ou mesmo uma mensagem de amor à/ao amada/o. O lenço que cai no chão, ou que vai à boca, o que é repassado entre as mãos, ou o que é preso na lapela são detalhes gestuais que representam, “eu te amo”, “não podes falar comigo”, “estou acompanhada” e por aí vão as expressões gestuais. No meu modo de ver, esses jovens criavam uma política comunicativa própria que revelava certos aspectos ousados em uma dimensão de códigos de relacionamento como forma interativa. Entretanto, havia necessidade de o par saber o que representava este ou aquele gesto, pois, um mal-entendido nesse detalhe poderia causar rompimento ou, no mínimo, reação negativa entre os namorados. No dizer de Edward Sapir e Benjamim Woorf (1956:17): “A lógica natural diz-nos que a fala é apenas uma manifestação acessória, que diz estritamente respeito á comunicação e não à formulação das idéias. Supõe-se que a fala ou o emprego da língua exprime apenas o que, em princípio, já está formulado não verbalmente”. Então esses códigos gestuais tinham que ser decifrados no reconhecimento de sua representação naquele momento.
Ainda daquele período é significativa a entrada triunfal das “cocotes” (as prostitutas de luxo) naqueles dias de cinema, ao acender das luzes pós-exibição do jornal, no corredor central do Olympia com seus chapéus e vestes francesas, mostrando todo o seu charme para as “donas” dos seus “donos” (na fala de Adriano Guimarães). A imponência delas e a ousadia do enfrentamento à classe social dominante eram gestos que deixavam rumores sobre as virtudes e os vícios dessas lindas mulheres assistindo prazerosamente os filmes em exibição ao lado das suas parceiras na cama.
É importante entender que o gesto é uma forma de comunicação transformada em linguagem do corpo. É possível entrar nessa “onda” de entender a tradução dessas manifestações humanas expressos em uma diversidade de gestos, da ansiedade à raiva, da impaciência à tristeza, da infelicidade à euforia em qualquer evento social, reuniões, festas e até mesmo no espaço privado da casa, numa repartição pública ou no lugar do trabalho.
Meu interesse em tratar deste assunto e considerá-lo como gestualidade política resulta de duas questões observadas no cotidiano da vida. Um primeiro reflete gestos de tensão de uma pessoa que há muito era considerada amiga de outra e, de um tempo a esta parte tem apresentado gestos de desconforto em relação a essa amiga. A gestualidade tem sido acompanhada de atitudes verbais nos emails, nos telefonemas, nos silêncios. Em confidência a amiga pergunta: “o que eu fiz para receber este tratamento?” “O que devo fazer para reparar as atitudes hostis que há mais de ano se estabeleceram entre nós?” Na verdade, não se têm palavras de aconselhamento para interpretar esses gestos do “outro”. E fica-se na dúvida se a colega não está interpretando mal a linguagem verbal e não verbal desse relacionamento. Se o eixo reparador tende a ser o afastamento entre as duas pessoas assim será, pois, já houve uma tentativa de enfrentar os códigos dissonantes sem resultado.
O outro aspecto do gesto vem de outra postura, agora marcando atitudes inter colegas e gestores no trabalho de um funcionário público prestes a entrar na idade de aposentadoria compulsória. Embora este ainda tenha alguns meses para entrar nesse processo, seus colegas tendem a apresentar gestos hostis e linguagem dissimulada para arguir o momento em que o colega irá deixar a função que ocupa na empresa/instituição. Também para este funcionário que procura “aconselhamento” sobre o que fazer, pois se sente inseguro, desconfiado de todos, sem vontade de trabalhar, não há uma explicação que o ajude. Nesse caso repercute no que Maria Lúcia Álvares (2015) diz sobre a aposentadoria compulsória por idade (cf. http://www.direitopublicoemrede.com/2015/01/ ): “E esse processo não se dá por meio de pedido do servidor ou mediante ofício formalizado pela Administração. Ele acontece sorrateiramente, por meio de palavras, ações e omissões de outros tantos agentes que, a despeito de estarem sujeitos ao mesmo destino, se erguem como vozes a rechaçar o que ditam ser ultrapassado - palavra que vem agregada à presunção de defasagem de conhecimento e à perda de habilidade, enquanto requisitos que emergem como condicionantes do processo de avaliação de desempenho com foco em competências, atualmente voga do processo avaliativo no serviço público”.
Nesta reflexão a ambiência dos códigos repercute no sentido da emoção que o gesto revela como elemento de interação humana.

(Texto originalmente publicado em O Liberal/Pa de o6/02/2015)



[1] Luzia Álvares é doutora em Ciência Política. 

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