sexta-feira, 17 de outubro de 2014

SER OU NÃO SER PROFESSORA?





Em 15 de outubro de 1827, um decreto imperial de D. Pedro I, então imperador do Brasil (rubricado, também, pelo Visconde de São Leopoldo) criou o Ensino Elementar no país. Nos 17 artigos que compunham esse decreto (cf. http://www.pedagogiaemfoco.pro.br ), o Art. 1o determinava: “Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, haverão (sic) as escolas de primeiras letras que forem necessárias”. Nos demais artigos, esse documento registra uma série de itens, sendo que o 2º artigo determina que o Conselho dos presidentes das provincias, com audiência das Câmaras enquanto Conselhos Gerais “marcarão o número e localidades das escolas, podendo extinguir as que existem em lugares pouco populosos e remover os Professores delas para as que se criarem, onde mais aproveitem, dando conta a Assembléia Geral para final resolução”. Outros itens são nomeados nesse decreto como o salário e a forma de contratação dos professores, as disciplinas que serão ministradas ( Art. 6º: “...ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana ,...”).
Três artigos são interessantes conhecer, haja vista referenciar as diferenças do ensino e da atividade de magistério para homens e mulheres: “Art. 11: Haverão (sic) escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho, julgarem necessário este estabelecimento. Art. 12: As Mestras, além do declarado no Art. 6º, com exclusão das noções de geometria e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7º. Art. 13: As Mestras vencerão os mesmos ordenados e gratificações concedidas aos Mestres.”
Desde o inicio da colonização educavam-se nas escolas apenas os meninos, com os mestres sendo homens, também. E como se vê, no Decreto Imperial de 1927, há evidência de uma escola formal para meninas em cidades mais populosas, há diferencial do curriculo extinguindo-se algumas matérias (possivelmente por serem consideradas supérfluas ao “destino matrimonial” previsto para elas) e há inclusão de outras como as prendas e a economia doméstica. Nesse decreto já se observa referência às mestras, ou seja, nomeação de professoras que sejam “brasileiras e de reconhecida honestidade” e que demonstrem bom proveito de conhecimento nos exames que prestem para a atividade de magistério, conforme outro artigo (o 7º). Embora naquele momento sejam ratificados salários iguais para os professores e as professoras essa situação ainda hoje é uma questão problemática, em todas as profissões a que as mulheres estão inseridas no mercado de trabalho.
Analfabetas, no império, com as damas da corte tendo pouco contato com a leitura salvo os seus livros de rezas, a oportunidade que as mulheres brasileiras tinham de estudar era o ingresso em conventos. A sociedade não via com bons olhos o alcance do saber intelectual por parte desse gênero, haja vista a previsão determinista para lar, além do que, o conhecimento adquirido lhes daria poder e sendo instruídas avaliariam sua condição e pleiteariam outro tratamento. Dessa forma, seria mais fácil afastá-las do “perigo” da instrução pública embora com direito de obter a educação formal. Alguns escritos na imprensa são reveladores dessa tensão. Veja-se, por exemplo, o que escreveu o professor paraense Vilhena Alves no periódico literário "A Borboleta" que circulava na cidade da Vigia, num longo texto intitulado “A Mulher”, publicado em 1887 dissecando a condição feminina. Sobre a instrução a esse gênero ele comenta:
“(....) - Não simpatizamos nada com as mulheres doutoras apesar de sermos idólatras da ciência. Não queremos com isto que se deva conservar a mulher na ignorância; e sim que o seu grau de instrução seja adequado ao meio em que vive, às necessidades do seu viver social. De que serve, com efeito, a uma moça pobre o estudo das ciências e das belas artes, se desconhece os princípios rudimentares da economia doméstica?” (...) Em vez dessa instrução de luxo que só serve para satisfazer a vaidade de pais mal avisados, não seria melhor que estes ensinassem às suas filhas aquelas regras comezinhas do bom amanho da casa, aqueles princípios de economia que operam na família o milagre bíblico da multiplicação dos pães, fazendo que, - com pouco dinheiro - se obtenha muito e se passe bem? (...)”
Se nesse período os ideólogos conservadores detinham essa preocupação sobre a convivência das mulheres determinando seu lugar, seus saberes, sua forma de ser na sociedade, sem dúvida, houve uma retração da atividade intelectual formal feminina que avançou algumas dezenas de anos, mas não fortaleceu a idéia de que estas teriam somente uma maneira de saber das coisas restritas ao lar. Assim, as conquistas foram muitas, o período republicano trouxe novos decretos que facilitaram a entrada deste gênero em muitas profissões entre as quais a de professoras, hoje visto como feminização da educação.
E enquanto professora, o ingresso das mulheres no âmbito escolar, se visto como uma situação ligada às suas funções no lar e na maternidade, permeado de estereótipos, presentemente foge desses chichês. Entretanto há outros. Num estudo do INEP/2002, entre as disciplinas ministradas, na de Língua Portuguesa, independentemente da série avaliada, há maioria da proporção de professores do sexo feminino, enquanto na Matemática, nas mesmas condições, o sexo masculino prevalece. Somos hoje a maioria (97%) na força de trabalho na educação infantil, mas apenas 45,6% no Ensino Superior.
E por ai vai a nossa história. Sabemos que temos valor, sabemos que as noites e os dias de trabalho extrapolam domingos e feriados. Nossas palavras são fortes para criar a mudança. Nós nos reconhecemos. E isso é o que importa.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" (PA), de 1710/2014)

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