sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A CIDADANIA E O VOTO FEMININO



Homenagem às sufragistas paraenses  que lutaram pelo direito do voto desde 1925.

As primeiras incursões que fiz nos estudos e pesquisas sobre mulher e política tinham um objetivo: argumentar sobre o “paradeiro” das paraenses no período em que estava em evidência a luta pelo direito do voto feminino no mundo e no Brasil, embora outro assunto dominasse a imprensa local, com as tensões da política estadual entre Antonio Lemos e Lauro Sodré. Na década de 1980, já docente da UFPA, no Departamento de Ciência Política, a realização da pós-graduação inflamava os bastidores e as pessoas que não tinham como deixar a cidade para frequentar os cursos no sul e sudeste se inscreviam no PLADES/NAEA, um núcleo onde o mestrado era multididciplinar. Foi nesse tempo de pesquisas que encontrei, nos dados levantados na imprensa (da década de 1920) algumas paraenses que escreviam textos nos jornais e tratavam do direito do voto da mulher. Orminda Bastos, amazonense radicada no Pará, organizava palestras para as operárias funcionando como veiculadora das idéias sufragistas, a exemplo, nas conferências para a Liga Cooperativa das Operárias de Fábricas, enfatizando a necessidade de instrução como ponto fundamental para a ascensão da mulher na luta pelos seus direitos políticos.
Há pouco ou nenhum conhecimento entre as pesquisas no tema sobre Orminda Ribeiro Bastos, professora de grego do “Paes de Carvalho” e jornalista, sem dúvida a liderança pioneira do sufragismo paraense desde a década de 1920. Mantém um nível equilibrado no debate jornalístico, apresentando suas próprias dúvidas sobre a concessão irrestrita do voto à mulher e à filiação do movimento brasileiro ao movimento norte-americano (uma das facetas do nosso movimento). Sua preocupação refere a essência histórica brasileira, em dissonância com a norte-americana. Seu compromisso é claro com um maior instigamento ao interesse cultural que deveria pautar a preocupação das mulheres às suas condições de desigualdade com o sexo oposto. A "anarquia social" vivenciada pelo sistema político brasileiro e o "mau caminho" que tomaria o voto feminino, nessas condições, preocupam Orminda (cf. Alvares, 1990). Orminda tornou-se assessora de Bertha Lutz, ao seguir para o RJ em 1925. Criou, em 1929, a União Universitária Feminina, grupo que representava uma forma de "lobby" aos interesses das sufragistas. A imprensa paraense acompanhava os passos dela registrando-lhe a ascensão profissional e de militante feminista.
Desse ponto, foi só um passo para chegar às ousadas paraenses Maria Aurora Pegado Beltrão e Corina Martins Pegado que em 1929 solicitam ao Juiz Federal o alistamento eleitoral, sendo que o arrazoado jurídico foi contrário à solicitação, arvorando-se na ruptura com a imagem exigida da mulher do lar. As duas paraenses seguiam as instruções de Bertha Lutz então presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino instigando a todas as brasileiras a solicitarem inclusão na lista de eleitoras forçando uma situação para além das regras eleitorais àquela altura. Somente em meados de 1931 é organizado um núcleo sufragista no Pará. Com o título "O Movimento Feminista no Pará" e foto de Orminda Bastos, diz a "Folha do Norte" de 12 de junho de 1931:
"Obediente à orientação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, a delegação paraense tem desenvolvido, nesta capital, operosas atividades. Na última reunião havida, convocada para deliberar sobre o convite para a representação do Pará no 2º Congresso Feminista do Brasil que se realizará no Rio este ano, foi aclamada para o honroso mister da representação deste Estado a nossa culta conterrânea Drª Orminda Bastos figura de relevante atração nos destinos do movimento brasileiro e antiga colaboradora na FOLHA. À ilustre presidente da Federação, senhorita Bertha Lutz, como à representante paraense, a delegação desta capital enviará hoje, por avião, as respectivas adesões e credenciais. Constituem atualmente a delegação paraense, havendo assinado as respectivas peças oficiais, as Sras. DD. Corina Pegado, Cloris Silva, Elmira Lima, Feliz Benoliel de Cavaco, Helena Souza, Joanita Machado e Marieta Campos”.
Essas mulheres criam o Núcleo Paraense pelo Progresso Feminino, instalado oficialmente em 21 de junho de 1931, constituindo-se uma diretoria provisória, sendo indicada Presidente de Honra a esposa do Senador Justo Chermont, Izabel Justo Chermont. Na composição da diretoria do Núcleo paraense, outros nomes de mulheres estão relacionados ao grupo que iniciou a mobilização. Algumas delas podem ser reconhecidas como poetas (Adalcina Camarão, Juanita Machado, Ermelinda Almeida, Ester Nunes Bibas); pianistas (Olímpia Martins); professoras (Antonina Prado, Dolores Nunes); cantora lírica (Maria da Costa Paraense); profissionais liberais (Olga Paes de Andrade) e uma artista plástica (Carmem Souza). Como se vê, há, no Pará, uma mobilização das jovens de classe média a fim de incrementarem nacionalmente as fileiras das sufragistas brasileiras.
Essa parte da história registrada neste texto quer fazer jus ao valor das mulheres paraenses que ajudaram, com sua luta, a conquistar o direito do voto feminino no Brasil, que no último dia 24 de fevereiro comemorou 82 anos. E homenageá-las.
Hoje, a situação das brasileiras na esfera da política mudou o cenário majoritário masculino. Veja-se o fato histórico e inédito da eleição, em 2010, da primeira mulher à Presidencia da República. Destarte, o Brasil entrou para um grupo seleto de países cujo sistema de democracia representativa conseguiu avançar da conquista do direito do voto ao exercicio da cidadania que era um pleito histórico das mulheres em se tornarem eleitoras, mas também elegíveis avançando para os cargos mais destacados de decisão política.

Texto originalmente publicado em "O Liberal", de 18/02/2013 

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