segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

MANIFESTAÇÕES E VIOLÊNCIAS


Momento em que o rojão atinge Santiago de Andrade 

A sociedade brasileira ainda está sob o impacto da morte do cinegrafista Santiago Andrade, da Rede TV Bandeirante. Numa sistemática onda de manifestações populares recentes acontecendo desde junho/2013, a passeata pelas ruas cariocas com o grupo contrário ao aumento das passagens de ônibus no Rio de Janeiro, possivelmente se constituía em mais um protesto como tantos outros, como reação a ações tendentes a ampliar os custos de vida de quem utiliza esse meio de transporte, na verdade, a maioria dos/as trabalhadores/as. Manifestação pacífica não existe, haja vista que o próprio emblema do protesto já define uma forma reativa de pleitear direitos, por suposto, negados pelo tipo de sistema econômico assumido pelo país, no caso, o capitalista.
Mas se de qualquer forma essa passeata carioca se expressava como uma tática de aglomerar pessoas e criar entraves à circulação do trânsito para chegar ao lócus e às lideranças políticas onde se dariam os pleitos, possivelmente a Assembleia Legislativa ou o Palácio do Governo, não foi esse o resultado: com um artefato tipo rojão acesso e jogado em meio à multidão, este fatalmente atingiria uma pessoa. E foi isso o que ocorreu sendo a vítima um trabalhador de TV que captava imagens da manifestação para a sua empresa.
Do protesto com tática agressiva estabeleceram-se argumentações que refletem a aversão de uma parte significativa do povo brasileiro contra esse tipo de ação violenta. Não incluí “todos” os/as brasileiros/as porque essa ideologia do acirramento da violência para eliminar o Estado e as empresas privadas, símbolos do capitalismo é circulante e assumida por alguns que se inscrevem entre os que creem que somente dessa forma esse sistema será extinto, adotando o idealismo do século XVII. Implica em avaliar que as instituições criadas para a garantia do funcionamento desse processo tendem a não responder mais, seja na condução da economia, seja alastrando efeitos danosos às condições de vida da população.
Avaliar historicamente as manifestações populares ocorridas no Brasil certamente a maioria delas fica de fora num texto resumido. Dessa memória, há a revolta do vintém, por exemplo, que ocorreu entre 28/12/1879 e 4/01/1880, no Rio de Janeiro, tendo como motivo a cobrança de 20 réis nas passagens dos bondes. O conflito entre a população e as forças armadas terminou com mortos e feridos. A revolta da vacina, entre os dias 10 e 18/11/1904, também no Rio de Janeiro e na qual um dos ilustres paraenses se encontrava no incitamento do povo, o positivista Lauro Sodré, era contrária ao formato do sistema sanitário aplicado por Oswaldo Cruz, diretor da Saúde Pública, por ordem do Presidente Rodrigues Alves, que para enfrentar a febre amarela aplicava ações arbitrarias (como a vacina obrigatória) invadindo lares, interditando casas e forçando despejos. Houve também mortos e feridos, além de deportados.
A campanha pelas “Diretas Já”, desde 1983, também levou a população às ruas objetivando a aprovação de uma lei que tirasse o país da ditadura militar possibilitando a eleição direta para Presidente da República.
O movimento dos “Caras Pintadas, em 1992, com os manifestantes pintando seus rostos com faixas nas cores da bandeira brasileira pressionava a renúncia de Fernando Collor do cargo de presidente da república, assumindo o poder Itamar Franco.
Outro movimento popular, a Marcha dos 100 mil, em26/08/1999, reuniu cerca de 100 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios protestando contra o governo de Fernando Henrique Cardoso, para a abertura de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) a fim de investigar a corrupção do governo federal.
Nessas três últimas manifestações não houve escaramuças nem violência física. Podem ser chamadas pacíficas embora fossem protesto que só nas sociedades democráticas ocorrem. E ganhos foram contabilizados.
Outras revoltas em tempos pretéritos objetivaram a independência do império brasileiro, espalhando-se pelo país, como a cabanagem, a sabinada, a balaiada, a praieira e a guerra dos farrapos. Mas nem todas apresentavam cunho popular, embora com a insígnia de levantes em favor da república e/ou pleiteando a melhoria de vida dos brasileiros, com o ímpeto de manter a unidade do Brasil.
E chega-se em junho/2013 quando há levantes com manifestações populares marcadas inicialmente em Porto Alegre contra o aumento das tarifas de ônibus reforçando o Movimento Passe Livre, de São Paulo, espalhando-se pelas demais capitais brasileiras ações de bloqueios de vias públicas, aberturas de catracas, denúncia públicas de pessoas acusadas de violações de direitos, ocupações de prédios públicos etc. Outras ações questionadoras baseavam-se na presença violenta do contingente policial, nos esquemas de corrupção de parte da classe política e, consequentemente, numa reação aos partidos políticos. Nesse entremeio, entre a população nas ruas e uma ausência de centralidade das demandas sobre as quais estava sendo aplicada a desobediência civil, emerge (no Brasil desde 2000, mas, também, internacional) um grupo que se intitulou (ou foi intitulado) de black bloc mostrando-se em táticas agressivas, não somente no revide à atitude violenta das tropas milicianas, mas demonstrando servir-se de uma nova estratégia de manifestação de rua.
O caso da morte do cinegrafista revelou dados assustadores: financiamento de pessoas para ações de depredação. Isto deve ser investigado, visto que não são atitudes que partem de um ideal, mas de beneficiários ainda sem identidade.
Na verdade, “protesto estético” ou coisa que o valha, minha posição é de considerar as táticas desse grupo fora da minha concepção de manifestação política. Sejam integrados ou não a tendências ideológicas, suas atitudes não se coadunam com uma forma de lutar pela melhoria da democracia que hoje temos no Brasil.



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