sexta-feira, 8 de junho de 2012

NOS MEANDROS DO PODER





Prosseguindo no enfoque sobre a crise de 1935, com a não indicação de Magalhães Barata ao governo do Pará, dois pontos precisam de atenção. Primeiramente, quero deixar claro que os estudos que fiz nos anos 1988-1990 para a dissertação de mestrado defendida no NAEA (1990) sobre a história política no Pará nas duas primeiras fases republicanas tiveram como fontes os jornais paraenses do século XIX e XX (Folha do Norte, Estado do Pará, Diário do Estado, O Imparcial, A Provincia do Pará, este até o incêndio, e outros) de notíciário e entrevistas de líderes políticos da época (Abel Chermont, Barata). Da literatura regional manuseada destaquei, entre outros, Creso Coimbra (1981), Marilia Emmi (1987), Carlos Rocque (1981; 1983), Denise Rodrigues (1979), Lindolfo Mesquita (1944), Octávio Meira (1971; 1975). Na literatura nacional, os autores ratificavam os fatos relatados por seus congêneres paraenses. Houve sessão de depoimentos como o do jornalista João Malato, de Carlos Rocque entre outros. Essas fontes dimensionaram a pesquisa sendo elementos necessários ao trabalho científico.

Em segundo lugar, analiso as ocorrências sobre os fatos de 5 de abril usando a teoria gramsciana que trata de bloco histórico. Reexamino a atitude do TRE ao desconsiderar a eleição indireta de Barata, sendo nomeado interventor o Major Carneiro de Mendonça, diplomando-se Mário Chermont como deputado federal e Abel, senador, cargos para os quais haviam sido eleitos ao Congresso do Estado em 1934. Quanto a Magalhães Barata foi servir numa unidade militar de Ipamery(GO).

Da atitude dos deputados liberais que dissentiram das ordens de Barata e coligaram com a oposição, ficaram duas perguntas cuja argumentação histórica criou grupos: uns dizendo que houve traição, outros que houve dissidência.

       Para os aliados de Magalhães Barata, a postura dos dois primos Abel e Mário Chermont foi tratada como traição. Argumentam com base em indícios morais, pessoais e políticos como reforço à denúncia da atitude.

Por outro lado, os aliados dos Chermont se defenderam da acusação denunciando abusos de poder praticados pelo Interventor e a dúvida que os assaltara se este cumpriria a palavra empenhada com os correligionários, na distribuição dos cargos a serem preenchidos por Abel(senatoria), com mandato de oito anos, e Mário(parlamentar), com mandato de quatro. Os fatos ocorridos com Genaro, Abguar e Acylino comprometiam a palavra do Interventor. Num manifesto que fez publicar no "O Estado do Pará", em 9 de abril de 1935, Abel Chermont nega o argumento de traição, remetendo à Barata, a culpa, e aponta os motivos que o levaram a dissentir, representando as estratégias montadas pelo Interventor para alijá-los do poder e transformar o Partido Liberal numa facção de caráter doméstico, comandado por seu cunhado, Aníbal Duarte. Denuncia a criação da Concentração Magalhães Barata como "arma para matar o PL", sendo, este argumento, o mais forte para justificar o motivo principal da coalizão com a FUP. Abel Chermont vê a prática política de Magalhães Barata desvirtuada do ideário revolucionário, procurando montar uma "política doméstica" e aponta para a sua própria isenção, tendo por base a "salvação" desse ideário cuja expressão era o fortalecimento do Partido Liberal que Barata pretendia aniquilar sobrepondo a Concentração Política.

Identifica-se, no conflito surgido entre os dirigentes do Partido Liberal, uma crise hegemônica do bloco histórico (Gramsci). Na aparência dos fatos sobressai uma crise pessoal, quase doméstica (levando-se em conta o grau de parentesco de alguns contendores), que identifica um “ato de traição". Entretanto, os elementos subjacentes da crise hegemônica não podem ser procurados no momento da ruptura, mas em fatos anteriores que pudessem estar contribuindo para a ação final. É sintoma da construção desse momento os rompimentos entre os revolucionários de 1930, desde os primeiros meses, os cortes do poder das lideranças emergentes impostas pelo Interventor e organizadas em torno dele, a arregimentação de grupos de interesse (magistério feminino) e grupos de pressão ("batalhões patrióticos"), a supervisão do poder do magistério nas escolas, através do incentivo às práticas "cívicas"; incorporação de outros grupos de interesse no séquito de apoio (maçonaria, operários). Na medida em que o Interventor Magalhães Barata construía seu poder pessoal, no conjunto da sociedade civil, fortalecia também, um grupo de apoio dentro do próprio Partido Liberal, instituição onde transitavam outros membros da classe dominante, também interessados em manter e defender sua predominância social e política. Ocorre que o Interventor tinha construído as bases ideológicas de um discurso populista, arregimentando as massas populares para, no momento aprazado, poder influir com maior peso do que o adversário, seus companheiros de partido que pertenciam à elite. Ele tinha o poder do Estado, mas não contava com a possibilidade de uma aliança de classes, a saída que tinham os Chermont para fraturar o poder do Interventor. A coalizão realizada entre os dissidentes do PL e os membros da FUP fortalecendo a elite decaída e fraturando as resistências dos grupos de pressão através de medidas legais que afastaram as possibilidades de interposição de coerção aos aparelhos de Estado, ainda nas mãos do Interventor, contribuíram para o desfecho violento que sacudiu a cidade de Belém, na tarde do dia 5 de abril de 1935.

Houve, portanto, dissidência de uma parte dos membros da classe dominante que percebeu seu alijamento da organização partidária, instituição onde se expressava o seu poder de classe.


2 comentários:

  1. Cara Cientista Olítica, Crítica de cinema e professora Luzia Miranda Álvares, suas pesquisas sobre o ex-interventor e governador do Pará, Mgalhães Barata estão realmente muito boas, excelentes. Recordo desse vulto visitando Abaetetuba, cumprimentando filas de alunos do Basílio de Carvalho, os conflitos com a oposição, a Liga das Mulheres Baratistas e as lendas sobre esse vulto da história do Pará. Também lembro da UEA, do Luiz Roberto Miranda, Luiz Reis e da sua pessoa. Me faltam dados para incrementar a genealogia da Família Miranda e quando os tiver espero fazer a publicação e resgatar a história-memória dos membros da tradicional Família Miranda de Abaeté, se tem orige nos Miranda de Ig-Miri e outras informações. Um abraço e parabens pelo excelente Blog, de Ademir Rocha, filho de bandute Rocha, colega de Mário Felgueiras no IBGE de Abaetetuba.

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    1. Oi Ademir,

      Obrigada por ser um dos leitores do blog. Sim, meus estudos sobre a segunda república no Pará sobre Magalhães Barata vem de uma dissertação de mestrado cujo volume (900 pag.) se acham no nAEA. e estão no prelo para publicar. Tratam das mulheres na política em duas fases da República, a 1ª e a 2ª. Quant aos Miranda, sim, a origem é Igarapé Miri do lado do meu pai. Espero que consiggas fazer essa genealogia. E que bom que te fizeste reconhecer como filho do Bandute. Conheeci muito. Um abraço

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