sábado, 29 de outubro de 2011

O ECLIPSE DOS DITADORES



O título de ditador era dado a um magistrado da Roma antiga indicado pelo senado para governar um período emergencial. Na contemporaneidade é o governante que assume poderes absolutos e despóticos de forma tirânica sobre o Estado de direito, faz suas próprias leis sem se importar que haja ou não poder legislativo.

A ditadura foi abandonada em Roma depois do assassinato de Julio César. Com este nome ou não a História revela inumeros ditadores séculos afora. Alguns conseguem se manter no poder por gerarem uma simpatia popular que justifica seus atos e lhes deixa uma aura de “superstar”. Outros, o mais comum, se eternizam submetendo o povo a um regime de opressão, cerceando as liberdades individuais pelo abuso da força. Mas é certo que o tempo geralmente luta contra os ditadores. Os que se mantêm no poder por um periodo muito extenso acabam esvaziando o carisma que lhes assegura o posto e são derrubados pelo proprio povo que os apoiava.

O governo unilateral, prepotente e reconhecido como um chefe de estado que faz da coisa pública um detalhe de seu patrimônio, chegou a ser deificado em algumas regiões onde o sistema de governo é teocrático, ou seja, ligado à religiosidade. Não me refiro aos sistemas tribais, herdados por algumas figuras que adentraram pelas civilizações constituidas. Mas, sem esse halo divino existem exemplos na própria America Latina, o nosso “canto” no mundo, como os casos de Juan Peron, na Argentina, e Getúlio Vargas, no Brasil. Esses ocorrências foram exemplificadas em tom de ironia pelo cineasta francês Claude Lellouch em seu filme “Toda Uma Vida”(Toute une Vie/1974). Em um diálogo de um dos personagens este dizia que “o melhor dos regimes é o de uma ditadura, só que as pessoas inteligentes não querem ser ditadoras”. Dessa forma, Lelouch exemplificava medidas populares atribuidas aos governantes totalitários (criticando a diluição dessas medidas pelo poder legislativo).

Regra geral, os ditadores romanos eram indicados por um consul, sendo investidos de total autoridade sobre os cidadãos, embora com mandatos limitados por seis meses (e sem adentrarem nas finanças públicas). Lucius Cornelius e Julio César aboliram isso e governaram sem restrições. Hoje, muitos ditadores ainda conseguem se manter em seus postos, alguns chegados através de votos populares, outros em revoluções ou simples golpes de Estado.

Atualmente vê-se no mundo árabe um cenário em que se propagam mudanças, com a derrubada de mandantes despóticos. O que não se sabe é se essas mudanças, como a recente na Libia, vão conduzir uma nação à democracia, afinal, as esperanças numericamente expressivas em especial no ocidente. A grande pergunta é se um povo familiarizado com um regime pode, de uma hora para outra, adotar e se dar bem com um outro. Há de se considerar aspectos culturais que não são facilmente cambiáveis. Mas há esperança de que os vencedores de rebeliões pró-mudança de governo adotem regras democráticas depois da vitória.

A nossa presidenta Dilma Rousseff disse bem ao ser inquirida sobre a situação de Kadaffi: “deve-se festejar a instituição de uma democracia não a morte de um lider, seja quem for”. De fato, a propensão do ânimo popular historicamente é festejar a morte de um déspota. Mussolini que era como um deus na Itália fascista (não à toa era chamado de “Duce”), foi retirado da posição em que deixaram seu corpo, dependurado de cabeça para baixo, pela multidão que gritava pelo seu trágico fim. O fim dos ditadores historicamente não é ameno. “A tragédia ronda o espetaculo”. E a estatistica sobre o fim de ditaduras no mundo árabe respondeu da seguinte forma: 39% acham que a internet e a nova tecnologia respondem pela mudança com respaldo do povo; 37% afirmam que essas ditaduras não representam, de fato, a vontade popular; 18% acham que o povo árabe não “é tão leviano ou possivel de ser manipulado como se pensava”; e 5% colocam todas essas opções como verdadeiras.

Do amor ao ódio caminha o governo totalitário e de longo tempo. Salva-se, como já referi, o que apela para a religiosidade da maioria, assumindo a postura de um “indicado divino”. No ocidente do passado, um Henrique VIII rompeu com a todo- poderosa Santa Sé dizendo-se o “dono” da igreja cristã na Inglaterra (até hoje existe a Igreja Anglicana), mantendo-se no poder até morrer. Esses casos, resistem aos avanços tecnológicos. Mas não se pode assegurar que para sempre. A ciência deixou de ser um meio de acesso dos intelectuais e ganhou popularidade nos seus resultados imediatos. Com isso, o mundo ficou menor, chegou o que hoje, comumente, é chamado de globalização. Este processo molda culturas de bases ancestrais e pode mudar posturas que se viam como perenes.

As revoltas com base num espirito democrático não devem se manter às custas de cadáveres. Há de se respeitar o vencido. Quando a Alemanha nazista capitulou, os mandantes dos crimes de guerra foram julgados em Nuremberg. E nem todos foram executados. O mundo moderno aprendeu que se deve olhar a História como um exemplo a ser avaliado e não apenas assumido. Portanto, resta a esperança de que, de fato, a Libia e outros países que depuseram os seus ditadores neste novo século, caminhem para governos de essência democrática (“do povo para o povo”). Os corpos dos derrotados ganham o passado nas tumbas que lhe são devidas. Não expostos à carnificina apoiada pelos que se dizem investidos dos príncípios democráticos.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal", Belém-PA, em 28/10/2011)


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