domingo, 1 de maio de 2011

HELIO GUEIROS E A POLÍTICA LOCAL









Em agosto de 2004 defendi minha tese de doutorado no IUPERJ, sobre as mulheres na competição eleitoral e o processo de seleção de candidaturas no Brasil, com base em um modelo anglo-americano (Norris, 1995 e Hazan, 2001) que mostrava a importância de se avaliar as normas informais de composição da lista partidária, devido à identificação do jogo político que circunscreve o processo eletivo.

Num dos capítulos, analisei o desempenho (e varáveis) de três partidos – PT, PP e PMDB – pela história, ideologia e crescimento das três legendas. Desloquei o estudo para o âmbito local analisando o depoimento de 105 candidatos/as sobre o processo seletivo a que se submeteram no momento anterior à aprovação da lista na Convenção. Sobre o PMDB, a análise considerou que o mesmo usa um processo de seleção com modelo de indicação, votação e homologação, cujo primeiro estágio centra-se em apoiadores sem identificação (cf. os itens estatutários); e que o segundo e o terceiro são estabelecidos pelos filiados delegados da Convenção.

Para ilustrar essa abordagem sobre a questão do selecionador de candidaturas, o depoimento de Hélio da Motta Gueiros (em 2003, com 77 anos) era imprescindível por ser um veterano político remanescente das antigas forças de Magalhães Barata, no PSD, cassado durante o golpe de 1964, fundador do MDB e PMDB, candidato à CD e derrotado nas eleições de 2002. Sua versão sobre o modo como as velhas lideranças armavam suas bases partidárias através da indicação de candidatos é muito importante e confirma o que os autores anglo-americanos tratam sobre essas relações.

Ao considerar os anos do período de 1945-59, em que Magalhães Barata era o líder do PSD, disse Hélio Gueiros:" - O Barata , nos cargos proporcionais, fazia uma chapa (...) não era de garantir a eleição do cidadão. Quando ele me escolheu para Deputado Estadual, ele me chamou e disse: - 'Olhe Dr. Hélio, o senhor está na chapa, mas isso é só uma homenagem ao seu trabalho, o senhor não vai se eleger". Mas mesmo assim ele me deu três municípios da Região das Ilhas, ele não me deixou a zero, ele me deixou com quase mil votos, mas eu já sabia que não era para ser eleito. Aos outros todos ele dizia o mesmo: 'seu fulano de tal, você está na chapa para deputado federal, mas não é para se eleger' e as pessoas já iam para a campanha sabendo que não estavam para ser eleitos, estavam apenas para compor a chapa. E outra coisa, no tempo do Barata não se gastava nada, dava uma contribuição que ele estabelecia em 5 mil cruzeiros para candidato a deputado estadual, mas todas as despesas eram feitas pelo partido".

A versão de Gueiros sobre o modo de escolha de candidatos no Pará, no inicio da nacionalização dos partidos no Brasil, evidencia elementos afins com o modelo teórico exposto por Norris & Lovenduski (1995), tratando-se de um sistema centralizado informal que, embora possa apresentar mecanismos democráticos constitucionais, tem o predomínio da patronagem da liderança, com suas regras formais e papel simbólico. Além disto, os filiados partidários têm um papel instável dentro da organização partidária – e esta por sua vez apresenta fraca densidade democrática.

Em outra passagem do seu depoimento, Helio Gueiros revelou como se dava a avaliação do chefe político aos candidatos prospectivos: "O Barata, ele observava durante certo tempo os seus correligionários e avaliava as possibilidades de cada um. Via também o merecimento partidário e então formava a chapa com a intenção de premiar os correligionários que ele achava que estavam se destacando e também, entre eles, colocar nomes que tivessem condições intelectuais e culturais de defender o Estado do Pará e sua gente. (...) O merecimento partidário era ele saber que a pessoa estava se esforçando pelo partido, procurando arranjar correligionários, procurando trazer outras pessoas para o partido.(...) A decisão de escolha era do Barata, mas ele ouvia especialmente o Senador Álvaro Adolfo, que era o segundo homem nesse comitê de seleção de candidatos.(...)

Há dois aspectos para analisar nesta versão: a avaliação, pelo líder, do potencial eleitoral do pretendente a um cargo eletivo a partir de suas potencialidades de merecimento partidário; e as formas de recrutamento político dentro desta conduta. Se a lógica de Magalhães Barata em escolher, por antecipação, os ganhadores e os perdedores nas eleições pode ser analisada pela perspectiva downsiana de custos e benefícios, também essa questão dos méritos está na mesma base analítica, pois leva a avaliar a escolha de candidato que beneficiava o partido, tanto perdesse ou ganhasse. Vale dizer que, ao mesmo tempo em que o líder garantia o nome do concorrente na chapa, estava mostrando deferência ao indicado e ganhando os benefícios de mais um adepto, além de testar o mercado político. Concorrer era também uma forma de recrutar adeptos para o partido; e a lógica da patronagem uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que garantia ao líder ser visto como o "dono do partido" testava a arena eleitoral com os indicados candidatos potenciais e mantinha a base do recrutamento com a motivação de escolhas por merecimento. Helio Gueiros também tratou do momento atual, mas devido ao espaço deixo para reportar em outra oportunidade.

Neste registro homenageio o “velho político”, recentemente falecido que me deu subsídio para analisar, com as bases locais, as teses defendidas por autores estrangeiros sobre um tema que, se não está sendo estudado na Ciência Política no Pará é pesquisado em outras universidades brasileiras. Obrigada, Helio Gueiros!





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