domingo, 2 de janeiro de 2011

DEMOCRACIA BRASILEIRA E COALIZÕES


Os eleitores brasileiros com acesso às informações extraídas das várias midias hoje existentes no campo da comunicação social sentem-se atônitos ao observar, da leitura das noticias sobre a montagem do gabinete ministerial da presidência da república e, nos governos estaduais, da composição do secretariado, para a gestão do executivo dos próximos quatro anos de mandato dos eleitos neste ano.
Das várias argumentações, as mais visiveis são posicionamentos negativos da opinião pública sobre a distribuição de cargos entre “políticos” e técnicos ao considerarem esse fracionamento como um “retalhamento” das funções dos governos entre pessoas cuja expertise nem sempre condiz com o cargo a ocupar. É a hora em que se iniciam as cobranças de campanha por parte dos eleitores que muitas vezes desconhecem o funcionamento do processo e de toda a mecânica que rege o sistema democrático presidencialista e das engrenagens de escolha para preenchimento de determinado cargo. Questionam os critérios que levam ao recrutamento de um político, seja neófito ou veterano, para ocupar determinada posição na nova gestão governamental.

Um governo que se instala necessita de uma base política para garantir o apoio aos projetos que espera implantar. Dessa forma, os mandatários avaliam uma série de variáveis responsáveis pelo êxito no plano eleitoral, considerando desde as coligações que resultaram na força política exitosa, como os quadros parlamentares do partido para a aprovação dos projetos. Dizem Codato & Costa(2006): “Em sistemas multipartidários, nos quais há mais do que dois partidos relevantes disputando eleições e ocupando cadeiras no Congresso, dificilmente o partido do presidente possuirá ampla maioria no Parlamento para aprovar seus projetos e implementar suas políticas. (...) Assim, alguns partidos, ou muitos, dependendo da conjuntura política, se juntam para formar um consórcio de apoio ao chefe de governo”.

Embora seja uma prática comum no sistema parlamentarista devido à disputa de uma coalização interpartidária para o Legislativo com vistas a obter maioria de cadeiras e, subsequentemente, indicar o primeiro-ministro, o sistema de governo presidencialista brasileiro usa essa peculiaridade ao conjugar o pacto interpartidário legislativo e a eleição direta para o cargo de chefe de governo.

O cientista político Sérgio Abranches formulou, em 1988, a expressão “presidencialismo de coalizão” para explorar essa relação entre o Executivo e o Legislativo que dessa forma define a estrutura e o mecanismo de funcionamento da governança brasileira. Diz Abranches (2001): “Por ser presidencialismo, esse regime de governança reserva à presidência um papel crítico e central, no equilíbrio, gestão e estabilização da coalizão”. Para o autor, esse sistema combina não só a representação proporcional, como também o multipartidarismo e o “presidencialismo imperial”, e reflete, ainda, a integração do Executivo com amplas coalizões político-partidárias e regionais. Ou seja, sem o apoio político do Congresso Nacional, o governo brasileiro não tem capacidade de viabilizar sua política estatal.

Para Martuscelli (2010) trata-se de um processo que abrange ao menos três momentos: a aliança eleitoral constituida a partir de uma coesão de princípios e de um programa; a “constituição do governo” relacionada diretamente à “distribuição de cargos e os compromissos com a plataforma política que deu origem à aliança eleitoral; e, por fim, o da “transformação da aliança em coalizão efetivamente governante”, que se refere propriamente ao processo de implantação das políticas governamentais”.

O estudo desse modelo de presidencialismo no Brasil apresenta críticas acentuadas, porque o considera o núcleo da corrupção no sistema político devido aos acertos interpartidários que se tornam “moedas de troca” desse apoio dado ao governante. Vantagens parlamentares, distribuição de cargos, distribuição de recursos e beneficios para seus redutos eleitorais, enfim, inúmeros outros serviços de patronagem que tendem a fortalecer o poder dos aliados.

O deslocamento dessa análise para os governos subnacionais observa que embora o poder de agenda e os recursos orçamentários dos governadores sejam menores, nem por isso deixam de apresentar fatores que supostamente dificultam a sua governabilidade e estabilidade. Assim, construir maiorias palamentares interpartidárias e recrutar nomes para as secretarias de governo e cargos de 1º e 2º e (até de) 3º escalão administrativo não só facilita a viabilização das políticas de governo como acomoda as demandas das lideranças da coligação exitosa no pleito eleitoral.

A midia paraense tem registrado os nomes de parlamentares que tiveram uma votação significativa nas eleições de 2010, mas que estão sendo indicados para as secretarias de governo. Essas nomeações não só referem a confiança do então governador aos auxiliares recrutados, como oferecem a disponibilidade de que outros parlamentares eleitos assumam os cargos vazios. Nessas escolhas também é possivel avaliar o jogo político que está organizando a formação da plataforma política originária da aliança eleitoral e a arregimentação de novos adeptos para um tempo de governo.
(Texto preliminarmente publicado em "O Liberal"/PA em 31/12/2010.)

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