segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

UMA NOVA FACE DAS EMPRESAS


O mundo do trabalho para homens e mulheres tem sido um espaço que incide em múltiplas situações quando não se consideram as relações de gênero que estruturam as práticas laborais desses atores sociais. Embora ainda hoje se evidencie a dicotomia entre tarefa domestica e trabalho para assinalar as atividades no espaço privado e público, desqualificando as ocupações realizadas no espaço do lar há, contudo, uma nova mentalidade que ultrapassa esse simplismo e procura anotar o que é possível fazer para mudar a concepção da sociedade sobre esses modelos. Esses temas há muito tempo têm mantido agenda na discussão entre os movimentos de mulheres que sempre procuraram denunciar a desqualificação social em que incorria o gênero feminino como reprodutor de uma “ciência doméstica” visto como menos importante socialmente. Eles também apontavam para a dupla jornada que as mulheres vivenciavam por se constituírem em força de trabalho fora do lar para beneficiar o rendimento familiar. No espaço da fábrica ou das empresas ainda eram submetidas a um mundo essencialmente masculino que as obrigava a conviver nas condições subumanas e adversas e, também, recebiam (como ainda hoje) salários menores aos de seus parceiros. Utensílios de trabalho, formas de vestir, sanitários, vestiários, hierarquias de gestão administrativa além de outros emblemas do mundo laboral tinham uma única evidência referenciadas para o cidadão universal, nada constando do processo de reconhecimento das relações de gênero estabelecidas socialmente.


Se o padrão era esse, então nada a mudar para fábricas, empresas, sociedades de economia privada que seguiam um rumo menos provável de diminuir lucros se olhassem para uma divisão social do trabalho produtivo entre os sexos.


Aos poucos essas condições, às vezes subumanas da produção de bens e serviços foram sendo criticadas, primeiramente, no ambiente de trabalho para os/as trabalhadores/as. As manifestações e deliberações públicas dos movimentos sociais foram garantindo mudanças no olhar dos patrões. As mulheres, por sua vez, passaram a colocar seus problemas nas grandes Convenções mundiais apoiadas por órgãos internacionais como a ONU, a Organização Social do Trabalho – OIT que se detiveram na revisão dos protocolos e a exigir dos Estados nacionais a assinatura de Tratados que viessem a beneficiar os/as trabalhadores/as.


A “questão de polícia” como era tratada a situação do trabalhador tornou-se uma questão social e, neste aspecto, quero evidenciar uma das mais recentes e importantes políticas públicas que desde 2005 está sendo desenvolvida entre a Secretaria de Política para as Mulheres –SPM-PR, vários ministérios, sendo parceiros algumas empresas públicas e privadas brasileiras.


É o Programa Pró-Equidade de Gênero que foi fruto da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM), plano democraticamente construído, estruturando-se em torno de quatro eixos estratégicos de atuação: autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania; educação inclusiva e não sexista; saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; e, enfrentamento à violência contra as mulheres” (BRASIL - SPM, 2004).


Enquadrado na primeira área estratégica do PNPM, o Programa Pró-Eqüidade de Gênero tem o perfil de mediador ao se caracterizar como “ação governamental de incentivo à eqüidade de gênero nas empresas”.


Trata-se de uma ação afirmativa objetivando mudanças qualitativas da vida das trabalhadoras procurando “estimular a adoção de novas práticas no âmbito da gestão de pessoas e da cultura organizacional de empresas, contribuindo para a eliminação de todas as formas de discriminação no ingresso, remuneração, ascensão e permanência no emprego” (Rel.Pró-Equidade). O Programa embasa-se no entendimento de que “as assimetrias de gênero não serão enfrentadas considerando apenas a aprovação de leis, mas, sobretudo, pela adoção de em espaços onde a desigualdade de gênero encontra-se cristalizada”.


Envolvendo etapas desde a preparação, divulgação e implementação da concepção a assumir, o interesse dos responsáveis por essa política era que as próprias empresas aderissem voluntariamente ao programa, criando um plano anual de metas, parcerias e expectativas de alcance dessas metas nas áreas de gestão de pessoas e cultura organizacional para viger em um ano. Para isso seria necessária a elaboração de uma ficha perfil que desse a perspectiva de um quadro funcional com os marcadores sociais de gênero, raça, escolaridade, geração, com a proposta de um plano de ação que fosse inicialmente a sensibilização interna da empresa ampliando-se para o âmbito externo, a pactuação, monitoramento e concessão do Selo Pró-Eqüidade de Gênero.


No terceiro ano consecutivo de vigência desse Programa, iniciando-se a 1ª edição (2006-2007) com cerca de 11 empresas, passando para 26 e neste terceiro ano com 81, serão beneficiadas com o Selo Pró-Equidade cerca de 60 empresas que demonstraram estar conscientes de que as metas a que se prepuseram não seriam apenas uma “questão feminista” mas uma mudança nas relações sociais dentro da própria empresa, onde o assédio moral e sexual é denunciado, os concursos públicos se adéquam para que mais mulheres se candidatem, onde a gestão hierarquizada perde espaço numa grande escalada para algumas mulheres que tem capacidade meritocrática e jamais ascenderam a um cargo de direção.


Parabéns a todos/as nós por essa mudança que está germinando no mundo do trabalho. E que muitos desconhecem.
(Texto publicado em "O Liberal" (PA) em 30/11/2010)

2 comentários:

  1. Essa reflexão sobre o mundo do trabalho pode ser pensada também na perspectiva que Heleieth Saffioti empregou para analisar a condição da mulher na sociedade capitalista.

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  2. É isso, Cristina, há muito material para analisar a partir da implantação dessa política pública como política de Estado e não somente de governo. Hoje as empresas que participam do programa têm clareza de quem está por trás dos uniformes que antes era apenas uma sombra.

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