sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

PRIVACIDADE & TECNOLOGIA


Em 1949, o escritor inglês Eric Arthur Blair, que se assinava George Orwell, publicou um livro em que vislumbrava um regime totalitário que praticamente invadia a privacidade dos cidadãos em nome de um esforço coletivo. Chamado de “Grande Irmão”, o ditador desse país fictício seria o vilão da história, narrada por um dos funcionários, Winston Smith, responsável pela falsificação de documentos públicos como serviço de propaganda, mas, desiludido, se rebelava contra a invasão de sua rotina de vida que modulava, até mesmo, o seu relacionamento amoroso.

À época da edição e publicação de “1984”, título do livro de Orwell, a informática engatinhava. Os computadores consultados pelos militares durante a 2ª. Guerra Mundial (1939-1945) ocupavam largos espaços e retardavam bastante a análise dos dados. Nos 4 anos subseqüentes houve um progresso, mas a imaginação do escritor inglês ia além, seguindo colegas como Herbert George Wells que via o futuro – e nem sempre de forma alvissareira.

Hoje se diz que os computadores, ligados em uma rede internacional (a internet), modulam a vida do cidadão comum. Não se trata mais de um aparelho de exclusividade da estratégia militar, mas um “bem comum”, com a tecnologia, a partir da designação de seus dados, alcançando grande parte das pessoas no mundo inteiro. Há um acúmulo de termos específicos a ponto de não se explicar em textos diversos destinados a consumo popular o que seja “e-mail”, “site”, “blog” “fotoblog”, “byte”, “download”; as fontes de informação como “Google”, “Yahoo”, “Altavista”; e redes de relacionamento como Facebook, Twitter, Myspace, MSN, QuePasa e Orkut; além de redes profissionais como o Linkedln, Friendster, entre outros.

Pelo modo como a informática penetrou na sociedade contemporânea há quem diga que “acabou com a privacidade”. Seria uma evocação do que Orwell imaginou em tom de fantasia. E a penetração de informes pelas vias cada vez mais sofisticadas está revelando segredos guardados por governos em espaços considerados sigilosos.

É o caso de dizer que o que antes fazia parte da ficção-cientifica, alimentando as aventuras de agentes secretos como o James Bond de Ian Fleming (herói predileto de John Kennedy), hoje é um meio um tanto banal de fomentar uma aventura.

Recentemente o governo norte-americano e outros governos sofreram o abalo de verem revelados documentos secretos no site WikiLeaks, criado pelo australiano Julian Assange, em 2006. O mundo soube como os EUA manipulavam situações e terrenos em diversas partes do mundo visando a sua segurança. Pelo menos denominando assim o seu propósito invasivo. As políticas internacionais sentem-se vulneráveis às revelações de documentos, seja por uma elite de “hackers” seja pela rebeldia de alguém ligado a governos com uma tendência oposicionista semelhante ao do personagem de “1984”.

Pergunta-se no momento se o cada vez mais ativo programa de informática é mesmo responsável pelo fim da privacidade e se isso representa o perigo que se alertou nas historias fictícias de tantos autores. O professor Daniel Miller, antropólogo da Universidade de Londres e autor do livro “Tales from Facebook” a ser publicado em 2011, não acha que haja um “mal” na profundidade cada vez maior da investigação pela tecnologia: “A sociedade que é mais privática também é geralmente mais individualista e mais solitária. A maioria das pessoas parece sentir que essa perda de comunidade tem tido conseqüências negativas. Pessoas que vivem em comunidades (...) são freqüentemente muito menos privadas e mais satisfeitas. Se você quer que as pessoas sejam menos individualistas e vivam mais em comunidade então elas também terão menos privacidade”. Outro professor, Eben Moglen, da Universidade de Columbia, fundador do Software Freedom Law Center, diz o seguinte: “O problema dos serviços atuais (da comunicação humana) é que esses serviços são terrivelmente mal implementados ,arruinando a nossa liberdade ao unirem comunicação e interesses econômicos”.

O debate entre cientistas reflete a realidade de que a informática é hoje a válvula de escape de idéias e/ou segredos. No âmbito político, o Caso Watergate, por exemplo, seria detectado por computadores (sem ser preciso invadir a sede do Partido Democrata norte-americano). Isto é o que dizem intelectuais que estudaram o assunto. E já se pode argüir que a pouca ou nenhuma privacidade vai levar partidos & candidatos & estratégias de coalisões & eleitos a um maior cuidado com a coisa pública e a sua própria vida privada. Em tese, a corrupção sucumbiria à invasão digital, mas ainda assim abre-se um parêntese para o caso de existir meios de corrupção na própria área tecnológica. Não é “sci-fi”, mas pode-se imaginar “hackers oficiais” ou publicação de dados falsos na rede, alimentando um cenário a gosto dos autores dessas manobras.

A complexidade da natureza humana relativiza a classificação entre o mocinho e o vilão no cenário internautico contemporâneo. Orwell era claro na sua visão maniqueísta. O que conceberia para um “2084” com toda essa tecnologia de última geração?

( Texto publicado em "O Liberal"/PA em 10/12/2010)

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