sábado, 18 de dezembro de 2010

HELEIETH SAFFIOTI





Há certa tradição que define o ramo das Ciências Sociais em três subáreas: a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política. Embora sejam definidas as três esferas como comuns ao cientista social que se qualifica no espaço universitário, as correntes teóricas especificas definem linhas de conhecimento destacadas em cada uma a partir de um processo de definição teórico-metodológica. As Ciências Humanas abrangem outros campos das Ciências Sociais, visto tratarem de estudos dos aspectos sociais do mundo humano como a Comunicação, a Economia, Geografia, História, Psicologia, Direito, Lingüística etc. Mas, o que me toca neste texto, é o que dá base à tríade. Em sua base estão autores clássicos como Comte, Durkheim, Marx e Weber (para ficar só nestes), espraiando-se em muitos temas e com inclusão de teóricos que se tornam exemplares na definição de linhas de pesquisa e de enfoques temáticos.

No Brasil, as Ciências Sociais têm seus autores clássicos. De Gilberto Freyre a Raymundo Faoro e Florestan Fernandes, passando por Oliveira Vianna, Tavares Bastos, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Celso Furtado, Josué de Castro, Victor Nunes Leal, José Murilo de Carvalho, Maria do Carmo Campelo de Souza, Alba Zaluar, Darcy Ribeiro, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Roberto Cardoso de Oliveira, Otavio Ianni entre outros. Eles são considerados os principais autores nacionais do século XX e têm influenciado os três campos de estudos conforme o interesse e a influência do ministrante das matérias e disciplinas dessas três áreas no meio acadêmico. Nesse caso, a ênfase de uma área reproduz o interesse em fortalecer sua argumentação. Se Freyre e Fernandes tendem à Sociologia, Faoro e Nunes Leal, ao explorarem teorias sobre o patrimonialismo e o coronelismo tendem a ser priorizados pela Ciência Política; e Ribeiro, Zaluar e Cardoso de Oliveira favorecem o ramo da Antropologia.
Vê-se que os nomes registrados definem o sexo dos teóricos nominados. A menção a uma antropóloga e a uma cientista política, não quer representar a inexistência de grandes sociólogas e teóricas da causa social. Nos referenciais aos autores clássicos que povoam a internet e as bibliografias acadêmicas, as fontes só referem os “varões” cientistas, mas isso não quer dizer que seja uma realidade. Para desfazer esses equívocos, outro texto seria necessário. Contudo, minha intenção aqui é garantir uma homenagem a quem muito fez pela Sociologia brasileira, um nome que teve evidência incondicional nesses estudos: a paulista de Ibirá, Heleieth Iara Bongiovani Saffioti. Sua estatura ultrapassou os limites nacionais e adentrou o campo internacional numa área que ela inaugurou no Brasil, nos anos sessenta e a qual se manteve fiel e radical até a morte (ocorrida no último dia 13 de dezembro): suas contribuições às teorias feministas e aos estudos de gênero como novo vértice da Sociologia, tendo como base a teoria marxista e incluindo categorias como classe, sexo e etnia. Uniu a militância política à produção acadêmica, tornando-se referência no movimento feminista mundial. Tanto que, em 2005, foi indicada ao Nobel da Paz, junto a outras 49 brasileiras (entre as quais Zilda Arns e Luiza Erundina) por integrar o Projeto “Mulheres Mil–Educação, Cidadania e Desenvolvimento Sustentável”.
Seu projeto de vida sempre foi o de avaliar e criticar as representações sociais que não visibilizavam a participação das mulheres e tendiam a marginalizar a produção acadêmica feminina, evidenciando o pensamento androcêntrico com padrões sexistas de legitimidade do conhecimento científico. Dessa situação, privilegiou a teoria do patriarcado usando esse conceito para analisar o problema social da violência doméstica e sexual contra as mulheres.
Uma das características marcantes de Saffioti era a de não estar satisfeita com suas experiências teórico-sociológicas no debate analítico das questões que se propunha a pesquisar. Isto pode ser detectado desde seu livro pioneiro com base na tese de livre-docência que defendeu na UNESP, intitulada "A Mulher na Sociedade de Classes: Mito e Realidade"(1967) publicada em 1969 pela Editora Vozes.
Lendo e analisando outros teóricos para a contribuição ao conceito fundante de sua preocupação, em 2004 escreveu um estudo muito interessante sobre patriarcado, deslocando da análise weberiana para outros autores e autoras que haviam contribuído para esclarecimentos sobre esse conceito. No livro “Marcadas a Ferro (Org. Márcia Castillo-Martín e Suely de Oliveira, 2005), o texto “Gênero e Patriarcado: a necessidade da violência” revela-se um estudo exemplar nesse debate.Os/as brasileiros/as precisam melhor conhecer essa grande figura feminina que foi aguerrida na conquista dos direitos das mulheres. Da academia à militância, H.I.B Saffioti sempre se manteve fiel à Sociologia contemporânea, que passou a abrir espaço para as teorias críticas sobre as representações preconceituosas contra as mulheres



Texto publicado em "O Liberal" (Belém/PA) em 17/12/2010






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