sábado, 25 de dezembro de 2010

PRESENTE DE NATAL






Nos países que adotam o cristianismo o Natal é considerado a época do consumo. É onde mais se vende se compra e se cobra. Misto de festa afetiva e de políticas virtuosas no sentido de contemplar sentimentos e emoções sonegadas durante o ano, o Natal tem festejos e aproximações muitas vezes difíceis de acreditar ocorrerem entre certas pessoas. Assim, o “politicamente correto” nessa época é investir em alguma coisa que indique representações inversas daquelas que demonstraram afastamentos, malquerenças, decréscimo da amizade pela falta de contato mais intenso entre as pessoas, criando sinais de reativação da proximidade. O “bom-presente” seria então aquele com capacidade de favorecer o aconchego no relacionamento, reabilitando os caminhos que se supunham fechados após o distanciamento. Torna-se então um meio de manipulação de variáveis da “boa política” para o regresso eficaz ao seio da familiaridade perdida.

Há de se considerar pelo menos dois tipos de manifestação do que se convencionou chamar de “espírito natalino”: um é representado pelo microcosmo que é a reunião familiar, a demonstração de afeto entre parentes e amigos. Outro é o macrocosmo, o que se pode fazer para se “presentear” uma comunidade. E é aí que entra o ator político, seja o imediatamente festejado com um mandato, seja o que procura se manter na posição que ocupa em seu partido e, por conseqüência, no cargo que este o ajudou a ocupar.

Tanto o Natal em família como o Natal em amplo espaço refletem o consumo. O ato de se trocar presentes em data que comemora o nascimento de Jesus deriva das ofertas dos Reis Magos salientada no Novo Testamento. E no correr dos anos os festejos têm repousado nessa qualidade de presentear. O escritor inglês Charles Dickens expôs o arquétipo do anti-Natal, não necessariamente do ímpio, mas do usurário que se negava a presentear os funcionários de sua loja e/ou ao menos tratá-los bem. Em todas essas figurações passa distante a doação exemplar a ser feita ao “dono da festa”.

As manifestações que visam os/as cidadãos/ãs como beneficiários da celabração natalina repousam nas promoções de órgãos religiosos, públicos ou particulares e nas promoções avulsas de lideranças políticas. Neste último caso, o habitual é presentear com um objeto de ocasião, aquele brinde que se leva para casa como lembrança, pela oportunidade da festa. O presente maior, ou coletivo, nem sempre é exigido na época em que todos parecem vestir a imagem da “boa vontade” (aquela da frase que se lê nos quadros da Ressurreição: “Glória de Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”). Afinal seria esperar como presente um bem exigido no ato do voto.

A utopia natalina passa pela imagem de uma conscientização do trabalho honesto e profícuo. Setorizando esta proposta, reflete-se o sentido de paz no âmbito global. O mais apropriado seria ganhar do governante o que se acha imprescindível para uma vida de trabalho e união, com o devido respeito que se deve exaltar à própria vida, recebendo as benesses propostas nas campanhas eleitorais. Seria não apenas mudar, como se faz quando se troca de governo, mas conscientizar a mudança, fazendo-a não apenas para contentar o jogo político-partidário, mas para colocar pessoas capazes em lugares onde possam exprimir essa capacidade. Seria ouvir reclamos e discernir quais merecem crédito e quais merecem simplesmente conselhos. Seria usar sempre de honestidade, mesmo contrariando pretensos amigos ou correligionários e /ou arriscando perder a máscara de herói.

Scrooge, o personagem de Dickens, percebia os Natais do passado, do presente e do futuro na aferição de seu comportamento avaro. Reconhecendo os seus erros na jornada pelo tempo, muda radicalmente o seu comportamento e se transforma em benfeitor. Penso que assim um detentor de cargo eletivo deve palmilhar a sua caminhada e tentar reconhecer o que fez como construção, destruição ou simplesmente alheamento à coisa pública. Nesse caminho está o tão falado e na verdade pouco reconhecido espírito natalino. É na construção moral de uma vida que se espelha o melhor presente a Jesus Menino. Não só a mirra, o incenso ou o ouro, mas a capacidade de ser digno do que Ele iria pregar mais tarde, quando adulto.


(Texto publicado originariamente em "O Liberal", 24 e 25/12/2010)


3 comentários:

  1. Luzia,
    Esse grande presente de que você trata não foi dado pelos políticos que acabam de aumentar o próprio salário, tão distantes da vida das pessoas comuns. Esse presente que você coloca super bem como a "capacidade de ser digno do que Ele pregaria", por certo daria uma esperança às pessoas de que se está agindo positivamente para mudar para melhor. Dói a falta desse presente. Mas ele vem, é parte da utopia natalina.
    Bjs

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  2. Oi Cris,

    Na voragem do tempo , o natalino dá sua expectativa de bonanças,dai esperar que os "políticos" entendam que "natal" é compromisso com a responsabilidade de ser político garantindo uma agenda mais real para as demandas cidadãs de seus eleitores. Na utopia dessa garantia, as mudanças essenciais de vida da população são parte de um conhecimento da comunidade que nem sempre eles têm. A maioria das vezes política é o "jogo" jogado com os nomes de secretários como melhores para o crescimento do partido e não do desenvolvimento social.
    Bjos

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  3. Luzia, você vai gostar deste trecho da fala de Dom Manuel Edmilson da Cruz, Bispo Emérito da Diocese de Limoeiro do Norte - CE, durante a outorga da Comenda de Direitos Humanos Dom Helder Camara, conferida pelo Senado Federal, no dia 21 de dezembro de 2010:
    Bem verdade é que a realidade não é assim tão simples e a desproporção numérica, um dado inarredável. Já existe - e é de uma grandeza bem aventurada! - o SUS; o Bolsa Família. Aí estão trinta milhões de brasileiros, que da linha de pobreza, às vezes até da indigência, alcançaram a classe média. É verdade a atuação do Ministério da Saúde. Existe o Ministério da Integração Nacional. É verdade! Mas não são raros os casos de pacientes que morreram de tanto esperar o tratamento de doença grave, por exemplo, de câncer, marcado para um e até para dois anos após a consulta. Maldita realidade desumana, desalmada! Ela já é em si uma maldição. E me faz proclamar em pleno Congresso Nacional, como já o fiz em Assembléia Estadual e em Câmara Municipal: Quem vota em político corrupto está votando na morte! Mesmo que ele paradoxalmente seja também uma pessoa muito boa, um grande homem. Ainda não do porte de um Nelson Mandela que, ao ser empossado Presidente da República do seu país, reduziu em 50% o valor dos seus honorários.
    (http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=53323)
    Desculpa o comentário longo, mas acho que tem tudo a ver com sua postagem. Bjs

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