segunda-feira, 23 de março de 2015

O ATO DE PROTESTAR


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Nas manifestações de rua acontecidas no domingo (15/03) houve quem portasse uma faixa pedindo intervenção militar no governo e/ou que este grupo voltasse ao poder (?). Lembrei-me de dois fatos que se assemelham: um que se chamou “marcha da família com Deus e pela liberdade” com a mídia instigada por Assis Chateaubriand dos Diários Associados & empresas (cf. http://www.jornalmovimento.com.br) que pedia a exclusão do governo de João Goulart como um meio de livrar o Brasil do “comunismo ateu”. Outra, já instalado o regime de força (13/06/1964), pedia “ouro para o bem do Brasil” levando bandeiras estendidas para colocar dinheiro ou joias que seriam contabilizados para pagar as dívidas nacionais. A primeira trocou ameaça de uma nova Cuba por um período em que a liberdade civil foi virtualmente cerceada. A segunda não mereceu ao menos uma contabilidade levada a público. Circulava de boca em boca (pois a censura não admitia anedotas) que o ouro era um bem muito particular. Não se falou em “lava jato”.
Em 2013, as manifestações de junho com amplitude plenamente democrática partiram de uma campanha contestatória aos aumentos nas tarifas de transporte público com uma visão de protesto pacífico, levando, entretanto, a uma segunda fase com focos de vandalismo e represálias.
Manifestações populares são impensadas num regime ditatorial. Mesmo em governos que mascaram ditadura com uma fachada democrática, o ato de protestar gera prisão com todos os elementos que possam acompanhar esse ato. Afinal, democracia vem do grego dēmokratía  que significa "governo do povo". Na teoria clássica diz-se que é o cidadão que governa através de pessoas que elege para governar. Se essas pessoas não demonstram nos postos a que são eleitas, dignas da confiança de quem as colocou ali, elas são cobradas dos que as elegeram. Mas os protestos nem sempre se dirigem a governantes. Cabem, muitas vezes, a atos de governo, ou a fatos que de alguma forma se ligam a parâmetros governamentais. Há dois anos o motivo dos protestos começou no aumento das passagens de ônibus urbanos. Hoje cabem na Petrobras e, por continuidade, nas revelações de falcatruas que existiam na empresa nacional. Evidentemente, os motivos, em ambos os casos, extrapolam para outros que flagrantemente revelam propostas de oposição politica. E são tratados parcialmente nas informações. Como houve uma eleição recente em que foi reeleita a presidente da nação, além da base parlamentar, os opositores seguem a velha cantiga de que “o povo elegeu, mas já se arrependeu”. Uma análise extremamente rápida de uma situação que tende a refletir a vontade do que já se chamou de “terceiro turno”.
O que é importante observar nas manifestações populares de rua é que elas tendem a ser manipuladas e escancaram opiniões até mesmo sem conhecer a história dos protestos no país. Muitos “passeiam” pelas avenidas ao som do que possa ritmar uma dança. Afinal é uma novidade, um novo programa dominical. Naturalmente há quem esteja desfilando ciente de elementos críticos, julgando os atos dos mandatários pelo que observa através da mídia. E ainda hoje esta ganha espaço no que é impresso, no que é televisionado, no que passa pelas redes sociais. Essas notícias veiculadas de diversas maneiras em várias versões tendem a regular o raciocínio de muitos que não conhecem meandros de um sistema de governo, que sentem o aumento do custo de vida como um desacerto de mandatários irresponsáveis ou que não sabem administrar. Com a idéia de que está custando mais caro o que ontem era mais barato, por culpa exclusiva de governantes, começam os protestos. E estes aumentam quando a própria mídia revela a corrupção nas diversas áreas que geram o custo de vida (a energia elétrica, por exemplo).
O ato de protestar é como já disse um cientista, “ atitude fisiológica”. Protestam os contrariados, mas também protestam quem acha que as coisas podiam estar melhores. No caso, o ato de protestar ganha volume quando engrandece, em termos. Uma pessoa escrevendo no facebook ou no twitter que é contra um determinado assunto não ganha espaço como unida a outras pessoas e ganhando as ruas para dizer o mesmo. Até porque essa forma adquire mais espaço em outras mídias.
O que ressalta o valor democrático é a demonstração de desacordo sem beligerância. Na onda de protestar contra o aumento dos ônibus queimaram-se carros, bancos, lojas, atacaram transeuntes, demonstraram uma guerra contra seu próprio bem posto que o quebra-quebra atuava em espaços públicos. Mas cabe a fonte dos protestos analisar bem as manifestações e respondê-las com a consciência de que se existem erros o melhor é corrigi-los. Nunca se quebra um pote porque a agua está suja. O trabalho é limpar e, no país onde a corrupção existe desde os seus primórdios, é importante ver que hoje há tentativa de eliminar esta corrupção, detendo os corruptos, pugnando pelo cumprimento das leis, fazendo com que o povo sinta que é governo, que os seus eleitos merecem confiança (em caso contrário que sintam isso e mudem de alguma forma).
O ato de protestar, repito, é saudável num sistema democrático sem desvios. Quem poderia protestar contra a Constituição escrita pelo primeiro imperador (D. Pedro I)? Quem protestaria contra as torturas que se faziam no governo militar, incluindo a terrível “Operação Condor” que jogava no oceano os corpos ainda vivos dos que protestavam (e há os que pleiteiam a volta desse sistema)? E é só olhar em torno e ver, por exemplo, o prefeito de Caracas sendo preso por protestar contra o presidente do país.
Que viva a nossa capacidade de dizer o que pensa. Que seja reconhecido, contudo, como dizem os percentuais nas pesquisas de opinião, que mais de 80% dos que estavam em protestos neste domingo haviam votado no candidato perdedor nas eleições de 2014, portanto, um protesto partidário.
A pugna de uma parte da população que não foi às ruas no domingo é para que cheguem ao público informações isentas de parcialidade, o que realmente não tem acontecido.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" em 20/03/2015) 

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