sexta-feira, 9 de março de 2012

O QUE COMEMORAR NO DIA DAS MULHERES?


A pergunta sempre presente nas entrevistas e nos debates aos quais participo é recorrente: o que comemorar no Dia Internacional da Mulher? Observo, nos eventos, um singular pessimismo quando as pessoas se pronunciam desfiando um rosário de queixas sobre a vitimização, submissão e necessidades que perduram no cotidiano feminino em todas as áreas das vivências pessoais e coletivas.
Quando sou a palestrante, promovo, inicialmente, uma rápida abordagem sobre os fatores que secularmente estreitaram o mundo feminino, por meio de normas consuetudiárias, definindo a forma de circulação das relações sociais de gênero considerando, ipso facto, a hierarquia dos papéis masculinos em detrimento do status feminino. Nesse aspecto, evidencio a construção de modelos de representação que até hoje são vistos como ideais a seguir. Modelos que alicerçaram a criação de leis legitimadoras do status quo das mulheres definindo-lhes os modos e as modas, enfim, a maneira de seu ser biológico (a primeira diferenciação entre os sexos), em todas as áreas vivenciadas por elas. Advirto que aprendidas e apreendidas, essas regras, até hoje, mantêm o seu ranço, mas, ao longo do tempo, devido evidências da desigualdade, houve revisão, pelas próprias mulheres, e muitas dessas leis já estão caindo em desuso, embora, impossíveis de extirpá-las do imaginário social e das mentes de tradicionalistas que teimam em reduzir este gênero aos preceitos ancestrais. As bases da cultura são tão enraizadas que nas falas de assassinos de mulheres ( e não só deles) ainda é possivel extrair as justificativas que remetem à peça acusatória de o fato ser motivado por culpa da vítima que não cumpriu o “seu papel de mulher”.

Essa argumentação inicial objetiva introduzir o público-alvo das palestras às origens desse tratamento desigual que foi aplicado aos diferentes e que não podem ser tratados como desiguais por esse motivo. E então, a linha da história é um apelo introdutor para mostrar que apesar dessa tortuosa desavença nas relações entre os gêneros, as mulheres avançaram nas lutas de não aceitarem esse papel imposto para elas e passaram a conquistar espaços. Mesmo deixando pelo caminho muitas companheiras mandadas à guilhotina, às prisões, porque estavam se metendo em “coisas próprias aos homens”, como foi dito pelo Procurador Chaumette, à Olympe De Gouges,  condenada à morte em 1793 por ter escrito, em 1791, a “Declaração dos Direitos das Mulheres e das Cidadãs” (versão crítica da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, carta de direitos da Revolução Francesa (1789) e inspiradora da Declaração Universal dos Direitos do Homem - 1948). E, com isso, De Gouges foi acusada de estar subvertendo a ordem natural e as virtudes de seu sexo, imiscuindo-se nos assuntos da República. Essa medida foi determinada por Robespierre.

Então, a minha preocupação ao esboçar um recorte progressivo sobre as imposições seculares e sequenciar as novas disposições sob controle das mulheres é demonstrar que este gênero não ficou no “ora veja” das normas impostas. Como na Revolução Francesa, construimos barricadas e derrubamos as leis injustas, conquistando o direito de criar outras leis favoráveis à mudança para uma nova vertente de circulação social dos direitos humanos.

Vitimadas mas combativas, hoje temos muitas coisas a festejar, sem esquecer que o processo de controle social sobre as conquistas auferidas por nossa propria iniciativa tende a se tornar dinâmica efetiva porque alguns desses ganhos em direitos políticos ou sociais precisam ser monitorados, não só para que sejam executados, mas também aperfeiçoados. O que dizer da conquista do direito do voto? É uma história singular que remeteu a argumentações legais equivocadas para manter o impasse contra as mulheres eleitoras e elegíveis, mas hoje, a geração mais jovem considera o sufrágio universal como algo “natural”, mesmo que somente após 80 anos dessa data no Brasil fosse eleita a primeira mulher presidente da república.

E a questão das profissões e do trabalho? Numa visão histórica desse mundo eram excluidas as mulheres de tantas profissões – a ponto de a bióloga (Sorbonne) e lider sufragista do Brasil, Bertha Lutz, ter sido, em sua época (1918) a segunda mulher a ingressar no serviço público no país (aprovada em concurso do Museu Nacional/RJ. A primeira foi Maria José Rabelo Castro Mendes, no Itamaraty). Hoje, avaliando as conquistas, veem-se mulheres na construção civil e em outras áreas que se mantinham como “guetos masculinos”. Mas os salários até hoje permanecem desiguais para as mesmas tarefas exercidas por homens e mulheres. Palmeia-se uma conquista recente: a Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH) aprovou, no dia 06, projeto de lei do deputado Marçal Filho (PMDB-MS) “que pune as empresas que pagarem salário menor para as mulheres contratadas para realizar a mesma atividade executada por empregados homens”. Trata-se de votação terminativa, contudo, a proposta vai seguir para a sanção da presidente Dilma Rousseff, e caso não haja nenhum recurso, será aprovada.

Uma conquista avassaladora conseguida pelas mulheres foi a aprovação da Lei Maria da Penha para aplicar nos casos de violência doméstica, eliminando o refrão popular “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

Há muitas conquistas a celebrar. O controle social deve estar atento para não haver retrocessos. O dia precisa ser comemorado por todos.

 (Texto originalmente publicado em "O Liberal/PA, em 9/03/2012) 

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