domingo, 19 de fevereiro de 2012

TUDO É CARNAVAL

Carnaval é uma festa originária da Grécia entre 600 a 520 a.C.. No período, os gregos realizavam cultos em agradecimento aos deuses, pela fertilidade do solo e pela produção. No final do século V, a comemoração foi adotada pela Igreja Católica. O período ganhou o nome de "carne vale"(adeus à carne), termo latino que marcava o inicio da quaresma, ressaltando-se a abstinência de carne. No passado, o carnaval era o tempo das fantasias e dos bailes, com um esplendor gravado em alguns lugares, como Veneza. Naturalmente, chegou ao Brasil com os descobridores. E não tardou a ganhar popularidade, capaz de legar ao país, o adjetivo de “país do carnaval” (assim como sobre o futebol).
Nosso tropismo pelo carnaval é mais amplo do que é possível pensar observando os desfiles de blocos e escolas de samba em diversas cidades. Há uma “carnavalidade” também na politica. E é um fenômeno historico. Quando da indepêndencia, já eramos carnavalescos a ponto de seduzir o primeiro imperador. Mas a adoção do samba, um ritmo que se formou com os negros escravos, derivado do batuque, deu uma roupagem toda especial à festa. É comum dizer para os problemas não resolvidos que “vão dar samba” (sinonimo do hoje “vai dar em pizza”). E a explicação está nas letras das músicas colocadas desde o século XIX que criticavam governos e posturas.

É muito rico o repertório carnavalesco de critica politico-social. E o ritmo lançado no carnaval não é só o samba: é também (e talvez em maior numero) a marcha. Na Primeira Republica tivemos, por exemplo, uma alusão ao presidente Washinton Luís cantando: “Dr Barbado foi se embora e deu o fora,/(e o coro:) Não volta mais (bis)”
Getulio Vargas teve mais sorte. O Estado Novo ganhou simpatia pelas medidas de proteção ao trabalhador. E isso levou a cantar, quando o ditador foi obrigado a deixar o governo: ”bota o retrato do velho outra vez/bota no mesmo lugar/o sorriso do velhinho faz a gente se animar”.

O periodo de Juscelino Kubitschek, na Presidência da República confundiu-se, em música de carnaval, com a inauguração de Brasilia. Cantou-se: “...Palacio da Alvorada bossa nova/de uma nova Canaã/Brasil que trabalha/Brasil de amanhã/ Brasil que se levanta/Brasil de JK.....”
A ilusão de Janio Quadros foi levantada a partir do emblema da campanha desse candidato a presidencia: “Varre, varre, varre, varre vassourinha/ varre, varre a bandalheira...”

Jango não chegou a dar samba e os militares que o sucederam deram menos. O que se cantou no carnaval foi de encomenda ou de bajulação, apoiando os lemas dos governantes (“Pra Frente Brasil”, por exemplo). A redemocratização custou a ganhar um ritmo. “Lu-la-lá” seria a próxima música (ou o “Vermelho, vermelhaço, vermelhão”..na voz de Fafá de Belém). Mas isto não quer dizer que ritmos diferentes de ação politica estivessem de fora do “repertório” popular. Mesmo sem entoar sambas ou marchas, o povo assistiu a “danças de cadeiras”, de posturas, de idéias e reprimendas. O confisco da poupança do governo Collor e a consequente (por denúncia de corrupção partida do próprio irmão do presidente) geraram uma das maiores concentrações populares da historia nacional: o comício pelo “impeachment”. Replay ampliado do que foi visto anos antes pelas “eleições diretas já” ou o fecho da ditadura implantada a partir da deposição de João Goulart, o vice do renunciante Jânio. Muitas CPIs, muitas mudanças em governos, e hoje o povo aprendeu que se tudo pode dar samba este samba pode estar de acordo com o que o povo pensa, sente e deseja.
O pitoresco no “país do carnaval” é que a contravenção patrocinou desfiles de alegorias (o caso do “Jogo do Bicho”) e um paparazzi chegou a tirar uma foto de um Presidente, num desses prestigiados desfiles carnavalescos, ao lado de uma “vamp” sem calcinha. O brasileiro não perdeu o humor com os chamados “anos de chumbo”. Depois das torturas, da censura que proibia músicas (carnavalescas ou não), livros, peças de teatro e filmes, ele continuou cantando. E os “sujos”, os mais espontâneos carnavalescos, ainda continuam vestindo caricaturas de politicos e satirizando posturas. Isso vem desde “o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais” . Para manter o título de “país do carnaval” é preciso a exibição da alegria. Felizmente ainda se canta para manter esse patamar. É parte de nossa índole, de uma feição cômica advinda da miscigenação a partir de coloniozadores que não resistiam a encantos de outras etnias. Apesar de Lamartine Babo evidenciar a discriminação naturalizada (“e como a cor não pega mulata/(...)”, também ouvia-se “linda morena/morena que me faz penar/ a lua cheia/que tanto brilha/não brilha tanto quanto o teu olhar!”.

O humor brasileiro ganha gerações e desafia o futuro. Como dizia Moacyr Fenelon na abertura de seu último filme, “Tudo Azul”(1951), ele “não ri da desgraça alheia/mas da própria desgraça”.

 (Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, em 17/02/2012)



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