sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A QUESTÃO MEMÓRIA E O PATRIMÔNIO PERDIDO


Elizabeth Loftus, psicóloga da Universidade da California escreveu que “todos somos susceptíveis a lembranças de algum nível “ referindo-se aos casos chamados de “síndrome de falsas memórias”. É comum você pensar num filme ou num livro que viu/leu há muitos anos e se decepcionar com a revisão quando encontra imagens/textos diferentes. Há pouco assisti a um documentário sobre a necessidade de preservação de filmes, tarefa que o cineasta norte-americano Martin Scorsese abraçou com o seu amor pelo cinema, exaltando o trabalho de recuperação aplicado ao filme ingês “Os Sapatinhos Vermelhos”, cujo destino era a deterioração com as cores esmaecidas. Diz esse pesquisador-cineasta, endossado pelo seu colega Clint Eastwood, que boa parte dos filmes realizados antes de 1950 já se perderam. E isso nos EUA. Aqui no Brasil, o drama na área do cinema é muito maior e alguns filmes populares como “Carnaval no Fogo”(1949) não puderam ser restaurados por ausência do material gravado.
O tema “memória” cabe hoje em vários aspectos da política pública. Prédios históricos de diversas cidades do país tombam até mesmo antes de serem burocraticamente tombados. Não é só o caso dos edifícios que desabaram no Rio. Nosso centro histórico sofre na luta contra o tempo e boa parte está perdendo essa luta. Todos sabem que há necessidade de intervenção do poder público para a recuperação desses documentos de uma época, mas a lentidão de processos que providenciem reformas capazes de preservar esses tesouros do passado acaba por compartilhar com o desgaste natural que o passar dos anos oferece. E com isso propiciar falsas memórias.

Muitas pessoas incluindo-se ai gestores das cidades brasileiras acham que “não se deve perder tempo e dinheiro “com as obras do passado. Mas a História é a base de nossa cultura, é o que faz a nossa diferença, nos caracteriza e explica nossa identidade, o que fomos, como devemos fazer. Nas várias redes sociais capta-se insistentemente a célebre frase lamentando que um país sem História perde suas referências. E a riqueza do passado é às vezes desconhecida da geração presente.
Arquitetura, urbanização, artes plásticas, literatura e cinema precisam daquele olhar para trás que alguns autores, de diversas áreas acharam importante como forma de estudar o presente. No caso de Belém: a nossa cidade é conhecida como a “Cidade das Mangueiras”. Muitas dessas árvores, plantadas no inicio do século passado pelo intendente Antônio Lemos, tombam a cada período de chuvas por falta de uma política de proteção e preservação desse nosso patrimônio histórico e público. Se essas árvores têm um tempo de vida útil, se houvesse uma política real de avaliação desse nosso patrimônio integrado ao meio ambiente da cidade haveria meios de avaliar esse  período, acompanhar a infiltração de “ervas de passarinho”, a baixa qualidade de vida que acarretam os entulhos perto de suas raízes, cortes indevidos nem sempre orientados por técnicos e especialistas, sendo mais aproximados a lenhadores inescrupulosos pouco afeitos a observar os danos provocados por seus machados. Não é, portanto, um mau agouro pensar que dentro de mais alguns anos a capital paraense terá de usar outro adjetivo para fixar-se na lembrança nacional (ou internacional).

Nessa baixa dimensão da preservação do nosso patrimônio, muitos prédios do passado já desapareceram. Alguns, felizmente, sofreram reformas e se apresentam às novas gerações. Mas nem sempre o valor histórico é ressaltado por quem reforma ou pela mídia. É preciso pontuar a memória, pois a citada síndrome de falsidade pode ocorrer e um prédio antigo ser catalogado como pertencente a um período que não foi o de sua construção ou o seu auge.
Nossas ruas e travessas abertas em períodos onde existiam, por exemplo, bondes ou mesmo carruagens, entram no cenário urbano moderno apresentando as dificuldades de encaixe num tempo em que as motos tomaram a vez desses tipos de transporte. O ideal seria preservar esses espaços livrando-os do tráfego moderno, fazendo compreender que veículos dotados dos mais novos artifícios de condução precisariam de outras vertentes para chegar aos seus destinos. Se não podemos ter um metrô subterrâneo, por que não um de superfície estimulando o transporte coletivo em áreas cada vez mais estreitas ao correr de automóveis e ônibus? E os viadutos no centro? Não adianta pensar apenas em moradas distantes se a sede do trabalho de grande parte da população permanece nas áreas centrais. É preciso dar condições para o presente passar pelo passado sem afetá-lo e beneficiar a qualidade de vida dos cidadãos. O antigo e o novo teriam o mesmo efeito sem afetar o cotidiano da cidade.

As redes sociais têm circulado a denúncia da Associação dos Agentes de Patrimônio da Amazônia (ASAPAM) sobre o Palacete Vitor Maria da Silva (Veiga Cabral com Presidente Pernambuco), também conhecido como Casarão do Ferro de Engomar que está sendo vítima de “depredação e ação de meliantes que invadem seu espaço para roubar seus painéis de azulejaria criados por A. Arnoux e Boulanger & Cie”. Haverá, inclusive, no domingo, às 10 h um ato público em frente a esse prêdio para suscitar o poder público a investir em garantias a esse patrimônio.
Finalmente, penso no centenário do cinema Olympia, salvo pela Prefeitura Municipal quando seu proprietário queria transformá-lo em um espaço morto. Com processo de tombamento correndo desde 2002, pergunta-se: sobreviverá até a conclusão do processo?

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" em 03/02/2012)

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