sábado, 14 de janeiro de 2012

ANTONIO LEMOS E A CIDADE DE BELÉM


O percurso que tenho feito para re-conhecer Belém e sua base política, tem sido longo e intenso. A partir de estudos abracei os contornos teóricos sobre comportamento eleitoral e dividi com as pesquisas sobre a cidade, a circulação nos entornos do estado, chegando a ver o Pará inteiro com suas tensões e necessidades pela melhoria de vida de seu povo, num território que faz parte da Amazônia. Da Ciência Política à História, tenho circulado pela questão das oligarquias, das mulheres paraenses inseridas em todos os processos políticos – embora os historiadores regionais silenciassem essa presença – tenho convivido com o que representa a cidade de Belém para o povo paraense. Dos colonizadores que aqui chegavam a cata de especiarias e riquezas minerais e animais, aos que hoje procuram detonar essas riquezas construindo hidrelétricas que causarão estragos inenarráveis ao nosso povo, conhecer Belém tem sido para mim uma constante e uma prioridade de vida acadêmica. Porque esse vértice que leva à pesquisa e consequente conhecimento do potencial humano-ambiental revela-se o eixo que traduz a decisão pessoal para abraçar causas com batalhas nem sempre exitosas e de fácil conquista, mas de resistência ao que se processa nas deliberações externas ao Estado e às repercussões na cidade-polo estadual.
Neste tributo aos 396 anos de fundação de Belém reservo-me a tratar de uma figura que marcou profundamente os primórdios de meus estudos – Antonio José de Lemos (1843-1913), maranhense, que chegou por aqui muito cedo, como pracinha e, aos poucos, por sua pena brilhante de jornalista foi se inserindo no cotidiano da cidade e na vida política estruturada nos primórdios da República, embora mantivesse resquícios do tempo em que o império portugues determinava as regras de gestão e estabelecia certa soberania com a representação parlamentar, evidenciando um tipo de sistema híbrido como se conhece da tradição democrática brasileira.

A proclamação da República encontra Antonio Lemos investido do cargo de vereador mais votado da Câmara Municipal de Belém, o equivalente a Intendente, e como tal, dá posse à Junta Governativa Republicana presidida por Justo Chermont. Contudo, dez dias depois foi destituido do cargo e perseguido pelo presidente da junta. Lemos não desistiu da política e pouco depois se elegia senador à Constituinte Estadual pelo PRP, ao  qual  aderira com a dissolução dos partidos monárquicos.
Dos quadros do PRP ele chegou à secretaria da comissão executiva do partido, em 1891, no momento em que Justo Chermont era presidente, chamado pouco depois a assumir o cargo de Ministro das Relações Exteriores. Lauro Sodré encontrava-se à frente do governo estadual, de forma que as ausências dos dois republicanos da sede partidária abriram caminho para que outras lideranças paroquiais se constituissem. Aos poucos, Antonio Lemos emerge como lider do PRP, mantendo-se por cerca de 15 anos, sem que nenhuma vez tenha subido ao governo estadual. A partir da função que exercia de secretário do partido, Lemos realiza um paciente controle das situações que caem em suas mãos.

O fortalecimento da política de urbanização era a preocupação maior do Intendente no governo municipal desde 1897. Seus relatórios ao Conselho Municipal demonstram a facilidade com que gastava elevadas somas, na aquisição de tudo o que constituisse embelezamento da cidade e/ou na implementação de técnicas modernas do seu modelo de progresso, surgidas nos grandes centros da Europa. Além de todas as concessões e privilégios às empresas que se encarregassem da melhoria dos serviços públicos, arborização, ajardinamento etc, Lemos ainda incentivava os munícipes a investirem na construção ou reforma de suas casas, de acordo com modelos que ele próprio escolhia. Tomava como tal as casas de grandes proprietários. Por outro lado, essa política de urbanização, desapropriava prédios ou terrenos necessários à construção de avenidas ou de outros melhoramentos exigidos.
Sobre as novas técnicas, os registros evidenciam os contratos com a Pará Eletric para o serviço de viação por tração elétrica, ficando essa companhia inglesa responsável também pelo financiamento dos tipos de bondes a serem utilizados em Belém. Com a mesma companhia, faz acordo para a implantação da iluminação elétrica. Para o serviço de telecomunicações, o contrato é feito, inicialmente, com a firma responsável pela patente do aparelho "telautógrafo", do inglês Richard Henry Mardock & Cia, concedendo favores para a instalação e exploração do referido serviço em todo o município.

A política de embelezamento da cidade prevê, ainda, a questão do lixo às portas das casas e mercearias. Um contrato é formulado com o farmacêutico Álvaro Fenício de Mello para a adoção de caixas sanitárias de invenção deste profissional, servindo como depósitos de lixo das habitações, comércios e edifícios públicos.

Outra forma asséptica do urbanismo lemista é aplicada contra os pregoeiros que vendiam vísceras, frutas, carnes, etc, pelas ruas da cidade, obrigados a utilizar os carrinhos de mão e tabuleiros construídos pela Empresa Americana de Veículos, pagando, inclusive, uma taxa sobre a utilização desses objetos.
Os custos desta política de urbanização exigiam recursos excessivamente altos. As justificativas se baseavam na necessidade e nos “favores” que os empresários faziam à Intendência. Em 1903 é realizado o primeiro empréstimo externo do Município de Belém, contraído contra o London and Brasilian Bank Limited, na quantia de 1.000.000 (um milhão de libras).

O modelo de cidade importado aos grandes centros europeus criava um ambiente aprazível para uma fração da população belemense, aquela que representava a elite, pois era quem se utilizava desses serviços, exigindo a  desodorização dos espaços por onde circulava.
A impopularidade de Lemos baseada nessa proposta de urbanização, instigada pelas forças políticas dos “históricos republicanos” culmina em agosto de 1912. Este ano comemora-se o centenário da queda do “velho Lemos” do poder. Sua odisséia ainda está marcada nas mangueiras que mandou plantar nas ruas, e que sobrevivem, carcaterizando a cidade que tanto amou.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal",Pará, em 13/01/2012)

5 comentários:

  1. Querida Luzia,

    Que texto maravilhoso! Nos mostra que passado cem anos, os projetos de urbanização continuam implementando a mesma lógica. Estou vendo isso no "Portal da Amazônia" em minha tese de doutorado. É um projeto empreendedor, naquilo que o termo expressa literalmente. teremos um Jurunas "pós-moderno"!

    Bj gde,

    Sandra Cruz.

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    1. É isso mesmo, Sandra. A motivação para este texto, além de fazer homenagemào aniversário de Belém, faz a digressão sobre este nosso tempo ao referir-me às mangueiras.

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  2. Foi Lemos quem contratou meu bisavô, o botânico Edward Hass e o fez "jardineiro municipal". O horto florestal, a praça Batista Campos e toda arborização da região nobre de Belém se deve a ele. No entanto, tadinho, não há nem uma pequena placa com seu nome. Até o horto Eduardo Hass já não o é mais há muitos e muitos anos. www,diariodeumamulherdespeitada.wordpress.com

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    1. Querida, Ida Lenir, essas são "as coisas da polis" sem memória, excluindo verdadeiros artistas e priorizando outros. Escreva sobre ele e sobre essa situação. É importante "cutucar" a memória pública dos políticos.

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  3. Importante relato político e histórico da cidade.
    Belém é resultado de uma história, e cada mangueira que eu avistar vou lembrar deste relato.

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