sexta-feira, 2 de setembro de 2011

VADIAS: AS CONQUISTAS, NA LUTA




No último domingo, um significativo número de mulheres – de todas as idades, credos, gerações, classe social – saiu às ruas de Belém para protestar, fortalecendo o evento que se denominou Marcha das Vadias. Essa idéia originou-se na cidade de Toronto, sendo realizada pelas alunas de uma universidade canadense, indignadas com as palavras do policial Michael Sanguinetti que ao proferir uma palestra sobre segurança no campus onde diversos casos de abuso sexual estavam ocorrendo desde janeiro deste ano, disse às garotas que “evitassem se vestir como vagabundas (sluts), para não serem vítimas”. A tradução desse termo, nos dicionários e na representação social quer dizer: vadias, cadelas, mulheres relaxadas, piranha, mulher vulgar, prostituta etc. Reconhecendo o sentido derivado da estereotipia que tem circulado no imaginário social sobre as mulheres, as canadenses organizaram uma manifestação pública reunindo cerca de três mil pessoas que saíram às ruas na célebre Slut Walk. O protesto ampliou-se mundialmente, com as paraenses se incluindo nesse grito.
Sobre o termo, a antropóloga paulista Julia Zamboni disse: “Ser chamada de vadia é uma condição machista (...). A gente é vadia porque a gente é livre”.
Na verdade, a infeliz declaração do policial sobre as ocorrências de violência sexual contra as garotas canadenses traduziu o que a sociedade de um modo geral aponta como causa desse infausto, considerando as próprias mulheres culpadas desses atos criminosos.
Mas as referências a este protesto e a qualificação que tomou “correndo o mundo” como “marcha das vadias” neste texto, ao tempo que registram minha aprovação a esse manifesto público, objetivam mostrar que não é de hoje que esse meio de luta política se inscreve como um dos tipos de demonstração feminina nas exigências ao respeito aos direitos de sermos tratadas como humanas.
Se não vejamos o caso das operárias russas, que no início do século XX deflagraram protestos por melhores condições de trabalho, quando as jornadas eram de 14 horas e os salários três vezes menores que os dos seus parceiros homens. As fábricas dos países desenvolvidos que surgiam na pós-revolução industrial eram abarrotadas de homens, mulheres e crianças explorados no tempo e trabalho em condições subumanas. Havia o protesto do movimento operário, com as reivindicações exigindo o fim do emprego infantil e a adequação da remuneração. As trabalhadoras sentiam a desigualdade dos salários e argumentavam sobre isso, mas seu ganho era visto como complementar ao dos homens de sua família, pai ou marido e por isso não equivalente.
Nos Estados Unidos, a luta desde meados do século XIX, vem através das greves operárias para pressionar os proprietários das indústrias, principalmente as têxteis. Em 3 de maio de 1908 o jornal The Socialist Woman informou que: “1.500 mulheres aderiram às reivindicações por igualdade econômica e política no dia consagrado à causa das trabalhadoras”, sendo registrado como o primeiro evento conhecido como o Dia da Mulher.
Uma ação política das operárias russas contra a fome, contra o czar Nicolau II e contra a participação do país na Primeira Guerra Mundial deu-se em 23 de fevereiro de 1917, antecipando os eventos que vieram a constituir a revolução, com Leon Trotsky registrando isso: “Em 23 de fevereiro (8 de março no calendário gregoriano) estavam planejadas ações revolucionárias. Pela manhã, a despeito das diretivas, as operárias têxteis deixaram o trabalho de várias fábricas e enviaram delegadas para solicitarem sustentação da greve. Todas saíram às ruas e a greve foi de massas. Mas não imaginávamos que este 'dia das mulheres' viria a inaugurar a revolução”. Estes eventos apontam para a histórica oficialização do “Dia Internacional da Mulher” cujo acontecimento mais marcante é o da morte das 125 operárias (das 600 que trabalhavam) na Triangle Shirtwaist Company, de Nova York, queimadas vivas ou se jogaram das janelas do edifício de três andares. (fonte: Maíra Kubík Mano, “Conquistas na luta e no luto”).
E a eclosão mundial das reivindicações pelo direito de voto feminino, mais conhecido como luta sufragista? Não deixava de ser um movimento social, político e econômico por reformas. Em todos os países houve manifestações públicas, passeatas sobressaindo mulheres com indumentárias chamativas, greves de fome para mostrar que elas estavam nas ruas e solicitavam a cidadania que lhes era negada. Foram presas, submetidas a torturas (cf. o filme “Anjos Rebeldes”, EUA, 2004, com Hilary Swank), vexames morais, enfim, demonstraram que esse dispositivo democrático (sufrágio) que não as atingia, tirava-lhes de outras áreas como a educação, o emprego, a qualificação profissional relegando-as a suposta dedicação ao lar como seu único destino. Sempre as representações sociais a apontarem para a desqualificação a que eram submetidas nas leis consuetudinárias (onde os costumes se transformam em leis), nos códigos, nas normas dispostas em desfavor desse gênero.
Estes são apenas recortes de algumas eclosões de movimentos de mulheres marcando um tempo de reivindicações objetivando deixarem de ser vistas como culpadas das situações negativas da sociedade onde o status quo ainda domina as atitudes discriminatórias.
Hoje, mais uma vez as mulheres (e os simpatizantes da causa) estão nas ruas, na Slut Walk, para dizer que são livres de vestir-se como bem quiserem e que não é isso que deve ser criminalizado e/ou responsabilizado por detonar as práticas de violência doméstica e sexual, mas a subsunção das idéias patriarcais que ainda repercute em corações e mentes de muitas pessoas declarando-as “vadias”.

(Texto publicado originalmente em "O Liberal" em 02/09/2011)





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