quinta-feira, 30 de junho de 2011

ELITES, DEMOCRACIA E TEORIAS

Os custos de um governo democrático são explicados por alguns teóricos da ciência política. Evidencio aqui alguns estudos de cientistas políticos desde o século XIX, sobre suas idéias, tipos ideais e níveis procedimentais do sistema democrático. Mantenho meu compromisso com a crônica temática e o interesse dos/as leitores/as que circulam nestas páginas.

Inicio com assertivas de Gaetano Mosca (1858-1941, foto 1) e seus seguidores (Pareto e Michels) sobre a histórica organização humana da presença de uma minoria assumindo a direção política da coisa pública.

Argumenta sobre a impossibilidade de a teoria democrática demandar a condução da res-publica, constituindo-se na teoria justificadora do governo da maioria. Compara os tipos históricos de organização social, dizendo não proceder a acusação sobre a debilidade de a classe dirigente ser responsabilizada pelas catástrofes nacionais. Considera causas intrínsecas e extrínsecas para provar a fragilidade da democracia como governo da maioria: vê os defeitos ou carências da própria doutrina. E, a principal: a democracia representativa elimina o governo da maioria porque, em parte, está modelada nos princípios de Montesquieu (separação dos três poderes) e em parte está definida pela invenção rousseauniana da vontade geral como eixo do poder legítimo, e o direito ao sufrágio, uma condição inata e do qual ninguém pode ser excluído. Considera o sufrágio responsável pelo descenso do nível cultural e intelectual médio dos que disputam os cargos, devendo ser atribuído aos que tiverem capacidade para exercê-lo.


Analistas da obra de Mosca apontam a teoria das elites como a primeira teoria científica no campo da política, com forte polêmica sobre a sua tendência antidemocrática e anti-socialista. A antítese Elite-Massa foi, entretanto, perdendo a sua matriz ideológica e transformando-se em valor heurístico. Mosca refez algumas idéias da juventude sobre os regimes democráticos e reconsiderou, em 1923, seus escritos de 1896, re-argumentando sobre a formação e organização da classe política.


Nos Estados Unidos a teoria conquistou alguns formuladores da ciência contemporânea como H. Lasswell e C. Wright Mills, enquanto outros se agruparam entre os críticos democráticos (liberais e radicais) e os marxistas.


Os críticos do elitismo monolítico – os pluralistas e os empíricos - decantaram sua argumentação no “elitismo democrático” considerando que a multiplicidade de elites compatibiliza com a democracia. Robert A. Dahl baseou-se na suposição da existência desses grupos intermédios considerando a necessária verificação para efeito explicativo do papel e da função (poder e influência) que estes realizam nas comunidades em estudo.


Kariel, Bachrach e Bottomore defenderam uma teoria alternativa de “democracia radical”. Pressupõem a reforma da estrutura da sociedade para a participação efetiva do cidadão, consideram implícitos e viáveis os ideais políticos clássicos (igualdade, liberdade e participação) com uma constante luta por “maior igualdade de oportunidade para as pessoas dividirem a tomada de decisões que afeta suas vidas”.


Em Joseph Schumpeter (foto 2), encontra-se uma possibilidade de conciliação entre a teoria das elites e a teoria democrática. Ele define democracia como um método, afastando-se da “camisa de força” da doutrina clássica que elabora uma versão sobre “bem comum” e “vontade do povo” indispondo-os, porque, diz ele, se existe o primeiro nos moldes da expressão clássica, dissipa-se o conceito de vontade geral. O bem comum significa diferentes coisas para diferentes pessoas e, portanto, intransitivas no movimento que faz do individual para o coletivo. Determinando sua proposição isenta do ideal fixo (fins, liberdade e igualdade) e de acessórios de participação política ampla e de responsabilidade cívica, Schumpeter desenha um conceito positivo de democracia: “...é um método político, isto é, um certo tipo de arranjo institucional para chegar a uma decisão política (legislativa ou administrativa) e, por isso mesmo, incapaz de ser um fim em si mesmo, sem relação com as decisões que produzirá em determinadas condições históricas. E esse deve ser o ponto de partida para qualquer tentativa de defini-la”(1961).


Revisa os conceitos idealísticos da concepção democrática clássica, reconhecendo a existência de vários grupos concorrendo entre si pela conquista do poder, através do sufrágio popular. Preliminarmente, pela presença de uma liderança em qualquer formação política, aponta para a forma livre da contenda pelo maior número de votos. Este desenho avoca o papel popular na produção do governo, constituindo-se no que ele chama de “Outra Teoria da Democracia”: “...o método democrático é aquele acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos da população”.


A ênfase de Shumpeter à conciliação com a teoria das elites é a recusa aos principais mitos da democracia liberal: a) não há governo do povo, mas governo da maioria; b) o “governo do povo” passa a ser “governo pelo povo”; c) a vontade do povo é substituída pela “Vontade Manufaturada”; d) a competição pela liderança se dá pela livre competição no mercado do voto; e) a relação subsistente entre democracia e liberdade individual, uma esfera de autogestão individual que evidencia o grau do processo: “nenhuma sociedade tolera a liberdade absoluta, nem mesmo de consciência ou de fala, nenhuma sociedade reduz tal esfera a zero” f) o eleitorado produz como função básica um governo, mas esse mesmo eleitorado poderá desapossá-lo.


Rejeita os mitos clássicos, reconsidera o conceito e transforma a argumentação num modus procedendi democrático. Subsidia análises das organizações partidárias, da competição eleitoral, por uma estratégia de mercado, com objetivo de chegar às metas da livre competição pelo voto.




(Texto originalmente publicado em "O Liberal", em 24/06/2011)

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