Eleições fizeram a história do Brasil
diferenciar-se de muitas outras experiências democráticas, desde o período
colonial. No dizer de Jairo Nicolau (2002): “a população das vilas e cidades
elegia os representantes dos Conselhos Municipais. As primeiras eleições gerais
para escolha de representantes à Corte de Lisboa ocorreram em 1821. No ano
seguinte, foi promulgada a primeira lei eleitoral brasileira, que regulou as
eleições para os representantes da Constituinte de 1823”. Já foram
eleitas 54 legislaturas para a Câmara de Deputados desde 1824, primeira eleição
pós-independência, e só no Estado Novo (1937-45) é que estas foram suspensas.
Essa “trajetória do voto” no Brasil construiu a
história do processo de participação política (ativa e passiva) do individuo,
que antes emergia de um estado imperial e criava o arcabouço da legitimidade
aos governantes, constante, naquele momento, de conselheiros que administravam
as cidades e hoje, no Estado republicano, se acham nas representações dos
cargos principais do poder executivo e legislativo. Da eliminação gradual dos
impedimentos ao voto, e ampliação desse direito nas democracias contemporâneas
(renda, gênero, geração e etnia) – a estratégia das cotas –, mudou-se o rumo na
participação eleitoral com a entrada de novos atores e a consolidação
democrática.
O inicio da organização política e administrativa
do Brasil se dá com base no Código Filipino (o primeiro “código eleitoral”)
cujos livros registravam tanto os cargos ocupados na Colônia quanto as demais
ações administrativas do reino sobre os territórios conquistados. Ele trouxe
modificações à organização das câmaras municipais acentuando o caráter
administrativo destas e reduzindo as funções judiciárias.
Como a vila era “a base da pirâmide do poder, na
ordem vertical que parte do rei (...)” ela será administrada pela Câmara ou
Senado da Câmara (Faoro, 1977). Salvo alguns cargos nomeados pelo rei, como o
de presidente da província, há prevalência das eleições para os juízes
ordinários, os vereadores (em número de três, mas em algumas vilas eram
quatro), o procurador, o tesoureiro e o escrivão, tendo cada um deles suas
atribuições constantes nas Ordenações.
Quem compõe o colégio eleitoral responsável por
este arranjo são os “homens bons e povo chamado ao Conselho”, segundo o
registro do Código Filipino no Livro I, Título LXVII. Estes “homens-bons” são “indivíduos
não nobres que possuem hereditariamente a propriedade livre”. (...)
Numa fase em que há eleições locais, não há
referências às mulheres, como parte dessa estrutura de poder. As
Ordenações Filipinas, no Livro 5, reduzem a menção a esse gênero aos costumes e
proibições de comportamento e punições às mulheres transgressoras.
Com a Constituição de 1824, primeira lei eleitoral
brasileira, as instruções confirmam os dois graus de escolha dos cargos
eletivos (Art. 90), o voto era censitário (100 mil réis para os votantes e 200
para os eleitores), as eleições primárias se realizavam no interior das Igrejas
(eram precedidas de uma missa) e os participantes eram “homens com pelo
menos 25 anos (21 anos, se casados ou oficiais militares, e independentemente
da idade, se clérigo ou bacharel)”(Art. 92). Aos aptos a serem eleitos
deputados exigia-se uma renda líquida de 400 mil réis (Art. 94). Não havia
qualquer proibição explícita às mulheres, contudo, elas continuavam de fora do
processo, ao lado dos escravos.
A ausência de cláusulas que contemplem as mulheres
na vertebração da legislação que faz avançar o regime democrático configura o
tratamento desigual dado a este gênero, fortalecendo as estruturas patriarcais
do comportamento político do demos. O não-voto para as mulheres justificava-se
por estas regras que determinavam uma “condição feminina” diferenciada da
masculina, na educação, nos costumes, onde sobressaía um estereótipo comum à
família patriarcal brasileira: o mando dos homens em relação à sujeição das
mulheres. A moderna noção de cidadania dava ao voto o significado do “direito
natural”, credenciava os princípios de igualdade e liberdade ao domínio da
polis na esfera pública e se tornava ainda uma qualidade dos homens livres,
estando nesta categoria os proprietários com renda própria, o que lhes garantia
ir além do campo dos direitos civis mostrando-se habilitados para a atividade
política. A mulher achava-se presa “naturalmente” ao domínio do privado e às
atividades de reprodução da espécie e pela condição cultural desse “papel
naturalizado”, estava ausente da cidadania. Embora poucos homens votassem, no
Brasil, nenhuma mulher exercia esse direito, apesar da ausência de dispositivos
constitucionais que as excluíssem.
Deslocando-se do período imperial para os anos
republicanos brasileiros vê-se que o autoritarismo e a democracia
alternaram-se, dando margem a surtos de mudanças sendo estas registradas
através das regras eleitorais que passaram a qualificar o cidadão e a cidadã
com novos estatutos políticos e sociais. Embora ainda hoje esteja em vigência o
Código Eleitoral de 1965 concebido durante o regime militar, seus
modificadores, em especial a Lei 9.504/97, trouxeram instruções normativas para
as eleições intercorrentes e para o funcionamento dos partidos políticos entre
outras emendas de revisão. Até hoje sofreu várias modificações diferindo
consideravelmente de seu formato inicial.
As leis eleitorais no Brasil e a interpretação
jurídica apoiaram-se na situação de homens e mulheres no Código Civil e nos
costumes (cf. Álvares, 2004). Como a racionalidade do partido é alcançar
representatividade (garantir o maior número de votos e cadeiras), o nível de
acesso das mulheres ainda é incipiente, visto que estes não dispõem de
políticas de inclusão que sensibilizem melhor este gênero.
(Texto originariamente publicado em "O LIberal"/PA de 05/10/2012)
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