domingo, 7 de outubro de 2012

SISTEMAS E LEIS


 
Eleições fizeram a história do Brasil diferenciar-se de muitas outras experiências democráticas, desde o período colonial. No dizer de Jairo Nicolau (2002): “a população das vilas e cidades elegia os representantes dos Conselhos Municipais. As primeiras eleições gerais para escolha de representantes à Corte de Lisboa ocorreram em 1821. No ano seguinte, foi promulgada a primeira lei eleitoral brasileira, que regulou as eleições para os representantes da Constituinte de 1823”. Já foram eleitas 54 legislaturas para a Câmara de Deputados desde 1824, primeira eleição pós-independência, e só no Estado Novo (1937-45) é que estas foram suspensas.
Essa “trajetória do voto” no Brasil construiu a história do processo de participação política (ativa e passiva) do individuo, que antes emergia de um estado imperial e criava o arcabouço da legitimidade aos governantes, constante, naquele momento, de conselheiros que administravam as cidades e hoje, no Estado republicano, se acham nas representações dos cargos principais do poder executivo e legislativo. Da eliminação gradual dos impedimentos ao voto, e ampliação desse direito nas democracias contemporâneas (renda, gênero, geração e etnia) – a estratégia das cotas –, mudou-se o rumo na participação eleitoral com a entrada de novos atores e a consolidação democrática.

O inicio da organização política e administrativa do Brasil se dá com base no Código Filipino (o primeiro “código eleitoral”) cujos livros registravam tanto os cargos ocupados na Colônia quanto as demais ações administrativas do reino sobre os territórios conquistados. Ele trouxe modificações à organização das câmaras municipais acentuando o caráter administrativo destas e reduzindo as funções judiciárias.
Como a vila era “a base da pirâmide do poder, na ordem vertical que parte do rei (...)” ela será administrada pela Câmara ou Senado da Câmara (Faoro, 1977). Salvo alguns cargos nomeados pelo rei, como o de presidente da província, há prevalência das eleições para os juízes ordinários, os vereadores (em número de três, mas em algumas vilas eram quatro), o procurador, o tesoureiro e o escrivão, tendo cada um deles suas atribuições constantes nas Ordenações.

Quem compõe o colégio eleitoral responsável por este arranjo são os “homens bons e povo chamado ao Conselho”, segundo o registro do Código Filipino no Livro I, Título LXVII. Estes “homens-bons” são “indivíduos não nobres que possuem hereditariamente a propriedade livre”. (...)
Numa fase em que há eleições locais, não há referências às mulheres, como parte dessa estrutura de poder. As Ordenações Filipinas, no Livro 5, reduzem a menção a esse gênero aos costumes e proibições de comportamento e punições às mulheres transgressoras.

Com a Constituição de 1824, primeira lei eleitoral brasileira, as instruções confirmam os dois graus de escolha dos cargos eletivos (Art. 90), o voto era censitário (100 mil réis para os votantes e 200 para os eleitores), as eleições primárias se realizavam no interior das Igrejas (eram precedidas de uma missa) e os participantes eram “homens com pelo menos 25 anos (21 anos, se casados ou oficiais militares, e independentemente da idade, se clérigo ou bacharel)”(Art. 92). Aos aptos a serem eleitos deputados exigia-se uma renda líquida de 400 mil réis (Art. 94). Não havia qualquer proibição explícita às mulheres, contudo, elas continuavam de fora do processo, ao lado dos escravos.
A ausência de cláusulas que contemplem as mulheres na vertebração da legislação que faz avançar o regime democrático configura o tratamento desigual dado a este gênero, fortalecendo as estruturas patriarcais do comportamento político do demos. O não-voto para as mulheres justificava-se por estas regras que determinavam uma “condição feminina” diferenciada da masculina, na educação, nos costumes, onde sobressaía um estereótipo comum à família patriarcal brasileira: o mando dos homens em relação à sujeição das mulheres. A moderna noção de cidadania dava ao voto o significado do “direito natural”, credenciava os princípios de igualdade e liberdade ao domínio da polis na esfera pública e se tornava ainda uma qualidade dos homens livres, estando nesta categoria os proprietários com renda própria, o que lhes garantia ir além do campo dos direitos civis mostrando-se habilitados para a atividade política. A mulher achava-se presa “naturalmente” ao domínio do privado e às atividades de reprodução da espécie e pela condição cultural desse “papel naturalizado”, estava ausente da cidadania. Embora poucos homens votassem, no Brasil, nenhuma mulher exercia esse direito, apesar da ausência de dispositivos constitucionais que as excluíssem.

Deslocando-se do período imperial para os anos republicanos brasileiros vê-se que o autoritarismo e a democracia alternaram-se, dando margem a surtos de mudanças sendo estas registradas através das regras eleitorais que passaram a qualificar o cidadão e a cidadã com novos estatutos políticos e sociais. Embora ainda hoje esteja em vigência o Código Eleitoral de 1965 concebido durante o regime militar, seus modificadores, em especial a Lei 9.504/97, trouxeram instruções normativas para as eleições intercorrentes e para o funcionamento dos partidos políticos entre outras emendas de revisão. Até hoje sofreu várias modificações diferindo consideravelmente de seu formato inicial.
As leis eleitorais no Brasil e a interpretação jurídica apoiaram-se na situação de homens e mulheres no Código Civil e nos costumes (cf. Álvares, 2004). Como a racionalidade do partido é alcançar representatividade (garantir o maior número de votos e cadeiras), o nível de acesso das mulheres ainda é incipiente, visto que estes não dispõem de políticas de inclusão que sensibilizem melhor este gênero.

(Texto originariamente publicado em "O LIberal"/PA de 05/10/2012)

Nenhum comentário:

Postar um comentário