sábado, 25 de dezembro de 2010

PRESENTE DE NATAL






Nos países que adotam o cristianismo o Natal é considerado a época do consumo. É onde mais se vende se compra e se cobra. Misto de festa afetiva e de políticas virtuosas no sentido de contemplar sentimentos e emoções sonegadas durante o ano, o Natal tem festejos e aproximações muitas vezes difíceis de acreditar ocorrerem entre certas pessoas. Assim, o “politicamente correto” nessa época é investir em alguma coisa que indique representações inversas daquelas que demonstraram afastamentos, malquerenças, decréscimo da amizade pela falta de contato mais intenso entre as pessoas, criando sinais de reativação da proximidade. O “bom-presente” seria então aquele com capacidade de favorecer o aconchego no relacionamento, reabilitando os caminhos que se supunham fechados após o distanciamento. Torna-se então um meio de manipulação de variáveis da “boa política” para o regresso eficaz ao seio da familiaridade perdida.

Há de se considerar pelo menos dois tipos de manifestação do que se convencionou chamar de “espírito natalino”: um é representado pelo microcosmo que é a reunião familiar, a demonstração de afeto entre parentes e amigos. Outro é o macrocosmo, o que se pode fazer para se “presentear” uma comunidade. E é aí que entra o ator político, seja o imediatamente festejado com um mandato, seja o que procura se manter na posição que ocupa em seu partido e, por conseqüência, no cargo que este o ajudou a ocupar.

Tanto o Natal em família como o Natal em amplo espaço refletem o consumo. O ato de se trocar presentes em data que comemora o nascimento de Jesus deriva das ofertas dos Reis Magos salientada no Novo Testamento. E no correr dos anos os festejos têm repousado nessa qualidade de presentear. O escritor inglês Charles Dickens expôs o arquétipo do anti-Natal, não necessariamente do ímpio, mas do usurário que se negava a presentear os funcionários de sua loja e/ou ao menos tratá-los bem. Em todas essas figurações passa distante a doação exemplar a ser feita ao “dono da festa”.

As manifestações que visam os/as cidadãos/ãs como beneficiários da celabração natalina repousam nas promoções de órgãos religiosos, públicos ou particulares e nas promoções avulsas de lideranças políticas. Neste último caso, o habitual é presentear com um objeto de ocasião, aquele brinde que se leva para casa como lembrança, pela oportunidade da festa. O presente maior, ou coletivo, nem sempre é exigido na época em que todos parecem vestir a imagem da “boa vontade” (aquela da frase que se lê nos quadros da Ressurreição: “Glória de Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”). Afinal seria esperar como presente um bem exigido no ato do voto.

A utopia natalina passa pela imagem de uma conscientização do trabalho honesto e profícuo. Setorizando esta proposta, reflete-se o sentido de paz no âmbito global. O mais apropriado seria ganhar do governante o que se acha imprescindível para uma vida de trabalho e união, com o devido respeito que se deve exaltar à própria vida, recebendo as benesses propostas nas campanhas eleitorais. Seria não apenas mudar, como se faz quando se troca de governo, mas conscientizar a mudança, fazendo-a não apenas para contentar o jogo político-partidário, mas para colocar pessoas capazes em lugares onde possam exprimir essa capacidade. Seria ouvir reclamos e discernir quais merecem crédito e quais merecem simplesmente conselhos. Seria usar sempre de honestidade, mesmo contrariando pretensos amigos ou correligionários e /ou arriscando perder a máscara de herói.

Scrooge, o personagem de Dickens, percebia os Natais do passado, do presente e do futuro na aferição de seu comportamento avaro. Reconhecendo os seus erros na jornada pelo tempo, muda radicalmente o seu comportamento e se transforma em benfeitor. Penso que assim um detentor de cargo eletivo deve palmilhar a sua caminhada e tentar reconhecer o que fez como construção, destruição ou simplesmente alheamento à coisa pública. Nesse caminho está o tão falado e na verdade pouco reconhecido espírito natalino. É na construção moral de uma vida que se espelha o melhor presente a Jesus Menino. Não só a mirra, o incenso ou o ouro, mas a capacidade de ser digno do que Ele iria pregar mais tarde, quando adulto.


(Texto publicado originariamente em "O Liberal", 24 e 25/12/2010)


quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

IRINY LOPES NA SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES

http://www.mulheresnopoder.com.br/
Portal "Mulheres no Poder"





Com a eleição da primeira presidente do Brasil, o país ganha também outras mulheres no poder. Dentre elas a capixaba Iriny Lopes (PT). A deputada federal reeleita foi aceitou o convite da presidente eleita, Dilma Rousseff, e será a ministra-chefe da Secretaria Especial das Mulheres.
O governador eleito, senador Renato Casagrande (PSB), foi ouvido por governistas e achou ótima a escolha da capixaba, a quem chamou de “amiga pessoal”. Ela chegou a ser sondada para assumir a secretaria de Estado de Direitos Humanos, no governo do socialista. Mas teria declinado do convite.
Aos 54 anos, ela foi reeleita em 2010 para o seu terceiro mandato na Câmara dos Deputados. Seu trabalho como parlamentar inclui a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Casa, em 2005. Iriny também já integrou o Conselho de Ética da Câmara e foi relatora do processo que culminou na cassação do ex-deputado André Luiz, do Rio de Janeiro, flagrado num diálogo em que tentava extorquir R$ 4 milhões do empresário de jogos Carlos Cachoeira.
Em 2009, foi relatora da CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas, em que pediu o indiciamento do banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity. A deputada está no PT desde 1984. Ela pertence a uma ala mais radical do partido e chegou a integrar a chamada “bancada agrária”, simpática ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
Outras mulheres. Além de Iriny Lopes, também farão parte do primeiro escalão do Governo Dilma Lúcia Falcon e Tereza Campelo. Falcon, que é secretária de Planejamento de Sergipe assumirá o Ministério do Desenvolvimento Agrário, enquanto Campelo vai para o Ministério de Desenvolvimento Social. A definição das três eleva o número de mulheres no primeiro escalão do governo federal a partir de janeiro.
Dilma também escolheu Luiza Bairros para a Secretaria de Igualdade Racial. Luiza ocupa posto similar no governo baiano. Dilma já indicou a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) para a Pesca, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) para Direitos Humanos, a jornalista Helena Chagas para Comunicação Social e Miriam Belchior para o Planejamento.
Dilma Rousseff quer ainda uma mulher no Ministério do Esporte. A mais cotada Luciana Santos, ex-prefeita de Olinda. São cotadas para postos na Cultura, na Secretaria da Juventude.
Embora vários sites confirmem a indicação de Iriny Lopes para o governo Dilma, o gabinete da parlamentar, na Câmara Federal, não confirma o convite. Alega que a deputada capixaba está em Brasília para participar de reunião da Bancada petista, que vai escolher seu candidato à presidência da Câmara.
Dilma Rousseff estará completando 63 anos nesta terça 14. Va i comemorar no Rio Grande do Sul,onde se encontra. É pouco provável que ela se encontre com Iriny em Brasília, ou qualquer das outras convidadas. Para o anúncio oficial a assessoria da presidente eleita tem utilizado a divulgação de notas oficiais, como fez a semana passada. É o que deve ocorrer essa semana.

sábado, 18 de dezembro de 2010

HELEIETH SAFFIOTI





Há certa tradição que define o ramo das Ciências Sociais em três subáreas: a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política. Embora sejam definidas as três esferas como comuns ao cientista social que se qualifica no espaço universitário, as correntes teóricas especificas definem linhas de conhecimento destacadas em cada uma a partir de um processo de definição teórico-metodológica. As Ciências Humanas abrangem outros campos das Ciências Sociais, visto tratarem de estudos dos aspectos sociais do mundo humano como a Comunicação, a Economia, Geografia, História, Psicologia, Direito, Lingüística etc. Mas, o que me toca neste texto, é o que dá base à tríade. Em sua base estão autores clássicos como Comte, Durkheim, Marx e Weber (para ficar só nestes), espraiando-se em muitos temas e com inclusão de teóricos que se tornam exemplares na definição de linhas de pesquisa e de enfoques temáticos.

No Brasil, as Ciências Sociais têm seus autores clássicos. De Gilberto Freyre a Raymundo Faoro e Florestan Fernandes, passando por Oliveira Vianna, Tavares Bastos, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Celso Furtado, Josué de Castro, Victor Nunes Leal, José Murilo de Carvalho, Maria do Carmo Campelo de Souza, Alba Zaluar, Darcy Ribeiro, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Roberto Cardoso de Oliveira, Otavio Ianni entre outros. Eles são considerados os principais autores nacionais do século XX e têm influenciado os três campos de estudos conforme o interesse e a influência do ministrante das matérias e disciplinas dessas três áreas no meio acadêmico. Nesse caso, a ênfase de uma área reproduz o interesse em fortalecer sua argumentação. Se Freyre e Fernandes tendem à Sociologia, Faoro e Nunes Leal, ao explorarem teorias sobre o patrimonialismo e o coronelismo tendem a ser priorizados pela Ciência Política; e Ribeiro, Zaluar e Cardoso de Oliveira favorecem o ramo da Antropologia.
Vê-se que os nomes registrados definem o sexo dos teóricos nominados. A menção a uma antropóloga e a uma cientista política, não quer representar a inexistência de grandes sociólogas e teóricas da causa social. Nos referenciais aos autores clássicos que povoam a internet e as bibliografias acadêmicas, as fontes só referem os “varões” cientistas, mas isso não quer dizer que seja uma realidade. Para desfazer esses equívocos, outro texto seria necessário. Contudo, minha intenção aqui é garantir uma homenagem a quem muito fez pela Sociologia brasileira, um nome que teve evidência incondicional nesses estudos: a paulista de Ibirá, Heleieth Iara Bongiovani Saffioti. Sua estatura ultrapassou os limites nacionais e adentrou o campo internacional numa área que ela inaugurou no Brasil, nos anos sessenta e a qual se manteve fiel e radical até a morte (ocorrida no último dia 13 de dezembro): suas contribuições às teorias feministas e aos estudos de gênero como novo vértice da Sociologia, tendo como base a teoria marxista e incluindo categorias como classe, sexo e etnia. Uniu a militância política à produção acadêmica, tornando-se referência no movimento feminista mundial. Tanto que, em 2005, foi indicada ao Nobel da Paz, junto a outras 49 brasileiras (entre as quais Zilda Arns e Luiza Erundina) por integrar o Projeto “Mulheres Mil–Educação, Cidadania e Desenvolvimento Sustentável”.
Seu projeto de vida sempre foi o de avaliar e criticar as representações sociais que não visibilizavam a participação das mulheres e tendiam a marginalizar a produção acadêmica feminina, evidenciando o pensamento androcêntrico com padrões sexistas de legitimidade do conhecimento científico. Dessa situação, privilegiou a teoria do patriarcado usando esse conceito para analisar o problema social da violência doméstica e sexual contra as mulheres.
Uma das características marcantes de Saffioti era a de não estar satisfeita com suas experiências teórico-sociológicas no debate analítico das questões que se propunha a pesquisar. Isto pode ser detectado desde seu livro pioneiro com base na tese de livre-docência que defendeu na UNESP, intitulada "A Mulher na Sociedade de Classes: Mito e Realidade"(1967) publicada em 1969 pela Editora Vozes.
Lendo e analisando outros teóricos para a contribuição ao conceito fundante de sua preocupação, em 2004 escreveu um estudo muito interessante sobre patriarcado, deslocando da análise weberiana para outros autores e autoras que haviam contribuído para esclarecimentos sobre esse conceito. No livro “Marcadas a Ferro (Org. Márcia Castillo-Martín e Suely de Oliveira, 2005), o texto “Gênero e Patriarcado: a necessidade da violência” revela-se um estudo exemplar nesse debate.Os/as brasileiros/as precisam melhor conhecer essa grande figura feminina que foi aguerrida na conquista dos direitos das mulheres. Da academia à militância, H.I.B Saffioti sempre se manteve fiel à Sociologia contemporânea, que passou a abrir espaço para as teorias críticas sobre as representações preconceituosas contra as mulheres



Texto publicado em "O Liberal" (Belém/PA) em 17/12/2010






quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

TRIBUTO DE SAUDADE A SAFFIOTI




Heleieth I.B. Saffioti , a grande pesquisadora, pensadora, professora, feminista faleceu no ultimo dia 13, aos 76 anos, em São Paulo/SP. O mundo intelectual brasileiro perdeu não só uma grande incentivadora dos estudos sobre a questão da mulher, mas e principalmente sobre a violência doméstica, o marxismo, a história das mulheres brasileiras, escrevendo um dos livros mais importantes para estes estudos hoje esgotado: “A Mulher na sociedade de classes- mito e realidade”)1969). Foi importante na formação de toda uma geração e esse testemunho pode ser dados por quantos leram seus livros, artigos ou presenciaram suas conferências, palestras em tantos eventos nacionais e internacionais.
Ao notificar esse infausto entre as colegas do GEPEM/UFPA, recebi inúmeros emails que passo a publicar. (Luzia Álvares)

Disse A Dra. Maria Cristina Maneschy( PPGCS/UFPA):

Heleieth I.B. Saffioti foi uma grande pesquisadora sobre a condição da mulher.
Através do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobre Mulher e
Relações de Gênero), soube hoje da morte da Professora Heleieth Safiotti, uma
das pesquisadoras que abriu ricos caminhos de investigação
sobre a condição social da mulher no Brasil. Caminhos que se abriram e não mais fecharam ou, melhor dizendo, ampliaram-se e enveredaram por vias muito profícuas, através dos estudos feministas e de gênero.

Não a conheci pessoalmente. Mas, certamente, compartilho com muitos colegas o reconhecimento de que ela foi uma referência na formação dos cientistas sociais brasileiros. Em seu grande livro “A mulher na sociedade de classes, nos anos 1970, sob uma perspectiva marxista, ela levou seus leitores a compreenderem essa "condição", ou seja, essa posição social particular da mulher, seu status diferenciado do status dos homens, na dinâmica social mais ampla. As discriminações que as mulheres sofriam, expressas com especial clareza nas principais características de sua inserção no mercado de trabalho, não eram resultado de uma disfunção, ou de uma visão atrasada, sobretudo em sociedades economicamente menos desenvolvidas. Visão que, portanto, seria superada com a modernização.

Safiotti evidenciava, por exemplo, através das estatísticas sobre trabalho feminino no Brasil, o quanto elas estavam atrás em carteira de trabalho assinada, salários e acesso ao emprego formal.
A notar que, com sua respeitável bagagem acadêmica, ela elaborou um estudo pioneiro sobre o emprego doméstico - que era então, disparado, o principal absorvedor da força de trabalho feminina no país. Eram trabalhadoras que tinham alcançado há apenas poucos anos, em 1972, uma cobertura mais convincente de direitos trabalhistas. A nova legislação deixava para trás aspectos das relações servis que as profissões domésticas haviam recebido do escravismo e que teimavam em permanecer nas relações entre patrões/patroas e empregados, sobretudo empregadas, pois eram mulheres que prevaleciam numericamente nessas profissões.
Pois bem, Heleieth Safiotti analisou com notável profundidade teórica e empírica, várias teias que ligavam as discriminações, não só de gênero, mas também étnicas, e as rodas da economia capitalista. Também no capitalismo moderno, a divisão sexual do trabalho era um elemento estrutural da ordem social. Neste caso, herdando princípios de classificação subalterna historicamente anteriores, as mulheres apresentavam-se como força de trabalho passível de um grau de exploração mais acentuada, em benefício dos empregadores. Na condição social da mulher trabalhadora conjugavam-se sistemas discriminatórios de gênero e de classe, contribuindo a sua maneira para a reprodução do modo de produção cujo móvel é a acumulação.
Ademais, as mulheres, que haviam sido alvo de pouca atenção entre os clássicos das Ciências Sociais, apareciam também desempenhando papéis de grande relevo na sustentação do sistema econômico. De um lado, concebidas e auto concebendo-se como "ajudantes", trabalhadoras secundárias, de menor importância, elas assumiamcom frequência funções que Marx havia analisado como parte do "exército industrial de reserva", do tipo que podiam ser dispensadas e reabsorvidas conforme os ciclos econômicos. E, ainda, com seu labor gratuito na manutenção cotidiana dos trabalhadores da ativa e das próximas gerações, as mulheres no lar também foram percebidas como estruturalmente ligadas com a reprodução da ordem social de classe. Elas contribuíam para rebaixar o valor da mão de obra no mercado. As ideologias de gênero amenizavam a percepção dessas forma de exploração que se davam dentro e fora dos espaços da produção econômica.
Estas linhas sobre seus estudos de fato não fazem justiça à obra da autora e ao impacto que suscitou no meio acadêmico. Faço estas reflexões no sentido de reafirmar a importância de um estudo que pioneiramente no Brasil analisou as vivências das mulheres trabalhadoras e sua importância sociológica. Suas pesquisas contribuíram para uma compreensão mais política dos trabalhos no lar, para a politização da categoria cuidado, que a pesquisa feminista impulsionou e
que o movimento feminista conseguiu muitas vezes traduzir em políticas.

A Dra. Luanna Tomaz (PPPD/UFPA) disse:

(....) expresso meu pesar pela morte desta grande mulher, que conheci quando a mesma veio em Belém, e que tanto contribui para os estudos sobre mulher e feminismo em nosso país.


A Dra. Ana Cleide Moreira (PPGP/UFPA)

Colegas,

Minha homenagem a Heleith Safioti:

Hoje, São Paulo chuvosa, assiste a
partida de uma feminista que mudou nossos rumos de mulheres brasileiras.
Ela
se vai, sabe-se lá para onde, mas aqui deixará saudades.
Sua generosidade em
analisar a si mesma, enquanto pensava em todas, foi talvez sua maior grandeza.

Outras colegas do GEPEM/UFPA estão enviando comentários sobre a nossa grande Heleieth Saffioti falecida no dia 13/12.

Disse a Dra. Maria Angelica Maués (PPGCS/UFPA)

Luzia querida e Colegas

Quero comungar com o sentimento expresso por todas de imenso pesar pelo falecimento de Heleieth Safiotti, pioneira e sempre dedicada ao estudo e participação política, nos embates nacionais e internacionais, voltados para aquilo que se pode chamar de "causa feminina".
Conheci Heleieth (a distância) como participante assídua, acho que até os anos noventa, das reuniões da ANPOCS, e tive a grata oportunidade de assistir a uma linda e merecida homenagem, sob a forma de uma mesa-redonda, onde várias de suas ex-alunas, hoje profissionais reconhecidas na área das ciências sociais falaram da professora e pesquisadora com muito carinho e a exposição pública de seus méritos como incentivadora e mentora de gerações de outras mulheres es tudiosas e dedicadas ao tema&causa que ela, corajosamente, abraçara.
Lembro de vê-la sempre cercada de muitas pessoas, muito ativa e animada nos corredores e áreas de bate-papo, do Grande Hotel Glória de Caxambú, entre as atividades acadêmicas da reunião, nas quais também tinha presença constante e destacada.
Com este pequeno registro da professora Heleieth envio a todas meu abraço.

A Dra. Maria Antonia Nascimento (PPGSS/UFPA) disse:

Heleieth Saffioti foi minha co-orientadora no doutorado e tínhamos uma relação afetiva muito boa. Toda vez que ia
à São Paulo, ligava pra ela e ela fazia questão que fosse em sua casa. Lá batíamos altos papos, pois além de ser vanguarda nos estudos feministas, estava sempre antenada no que acontecia no mundo e na produção do conhecimento. Sempre vi Saffioti como uma grande inspiração!
Forte abraço,

A Dra. Adelma Pimentel (PPGP/UFPA) comentou:

Amigas,

A morte e a vida formam uma dialética.
Não morremos apenas fisicamente.
Há varias formas existenciais de presença e de ausência. A morte em vida pode ser derivada da opressão e da violencia.
Para nosso grupo, a psicologica e a simbolica vorazes que matam a auto-estima, a coragem, a iniciativa, o senso de auto-confiança.
No VIII Encontro Internacional de Genero Saffioti falou para o publico mais de uma hora, e no lema de Nelson Gonçalves foi homenageada enquanto presença viva,
agora que segue etérea, continuará contribuindo para promover rupturas existenciais e fomentar vida que a renovação se instale em nossos atos.
Saudações e carinho ao nosso grupo

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

PRIVACIDADE & TECNOLOGIA


Em 1949, o escritor inglês Eric Arthur Blair, que se assinava George Orwell, publicou um livro em que vislumbrava um regime totalitário que praticamente invadia a privacidade dos cidadãos em nome de um esforço coletivo. Chamado de “Grande Irmão”, o ditador desse país fictício seria o vilão da história, narrada por um dos funcionários, Winston Smith, responsável pela falsificação de documentos públicos como serviço de propaganda, mas, desiludido, se rebelava contra a invasão de sua rotina de vida que modulava, até mesmo, o seu relacionamento amoroso.

À época da edição e publicação de “1984”, título do livro de Orwell, a informática engatinhava. Os computadores consultados pelos militares durante a 2ª. Guerra Mundial (1939-1945) ocupavam largos espaços e retardavam bastante a análise dos dados. Nos 4 anos subseqüentes houve um progresso, mas a imaginação do escritor inglês ia além, seguindo colegas como Herbert George Wells que via o futuro – e nem sempre de forma alvissareira.

Hoje se diz que os computadores, ligados em uma rede internacional (a internet), modulam a vida do cidadão comum. Não se trata mais de um aparelho de exclusividade da estratégia militar, mas um “bem comum”, com a tecnologia, a partir da designação de seus dados, alcançando grande parte das pessoas no mundo inteiro. Há um acúmulo de termos específicos a ponto de não se explicar em textos diversos destinados a consumo popular o que seja “e-mail”, “site”, “blog” “fotoblog”, “byte”, “download”; as fontes de informação como “Google”, “Yahoo”, “Altavista”; e redes de relacionamento como Facebook, Twitter, Myspace, MSN, QuePasa e Orkut; além de redes profissionais como o Linkedln, Friendster, entre outros.

Pelo modo como a informática penetrou na sociedade contemporânea há quem diga que “acabou com a privacidade”. Seria uma evocação do que Orwell imaginou em tom de fantasia. E a penetração de informes pelas vias cada vez mais sofisticadas está revelando segredos guardados por governos em espaços considerados sigilosos.

É o caso de dizer que o que antes fazia parte da ficção-cientifica, alimentando as aventuras de agentes secretos como o James Bond de Ian Fleming (herói predileto de John Kennedy), hoje é um meio um tanto banal de fomentar uma aventura.

Recentemente o governo norte-americano e outros governos sofreram o abalo de verem revelados documentos secretos no site WikiLeaks, criado pelo australiano Julian Assange, em 2006. O mundo soube como os EUA manipulavam situações e terrenos em diversas partes do mundo visando a sua segurança. Pelo menos denominando assim o seu propósito invasivo. As políticas internacionais sentem-se vulneráveis às revelações de documentos, seja por uma elite de “hackers” seja pela rebeldia de alguém ligado a governos com uma tendência oposicionista semelhante ao do personagem de “1984”.

Pergunta-se no momento se o cada vez mais ativo programa de informática é mesmo responsável pelo fim da privacidade e se isso representa o perigo que se alertou nas historias fictícias de tantos autores. O professor Daniel Miller, antropólogo da Universidade de Londres e autor do livro “Tales from Facebook” a ser publicado em 2011, não acha que haja um “mal” na profundidade cada vez maior da investigação pela tecnologia: “A sociedade que é mais privática também é geralmente mais individualista e mais solitária. A maioria das pessoas parece sentir que essa perda de comunidade tem tido conseqüências negativas. Pessoas que vivem em comunidades (...) são freqüentemente muito menos privadas e mais satisfeitas. Se você quer que as pessoas sejam menos individualistas e vivam mais em comunidade então elas também terão menos privacidade”. Outro professor, Eben Moglen, da Universidade de Columbia, fundador do Software Freedom Law Center, diz o seguinte: “O problema dos serviços atuais (da comunicação humana) é que esses serviços são terrivelmente mal implementados ,arruinando a nossa liberdade ao unirem comunicação e interesses econômicos”.

O debate entre cientistas reflete a realidade de que a informática é hoje a válvula de escape de idéias e/ou segredos. No âmbito político, o Caso Watergate, por exemplo, seria detectado por computadores (sem ser preciso invadir a sede do Partido Democrata norte-americano). Isto é o que dizem intelectuais que estudaram o assunto. E já se pode argüir que a pouca ou nenhuma privacidade vai levar partidos & candidatos & estratégias de coalisões & eleitos a um maior cuidado com a coisa pública e a sua própria vida privada. Em tese, a corrupção sucumbiria à invasão digital, mas ainda assim abre-se um parêntese para o caso de existir meios de corrupção na própria área tecnológica. Não é “sci-fi”, mas pode-se imaginar “hackers oficiais” ou publicação de dados falsos na rede, alimentando um cenário a gosto dos autores dessas manobras.

A complexidade da natureza humana relativiza a classificação entre o mocinho e o vilão no cenário internautico contemporâneo. Orwell era claro na sua visão maniqueísta. O que conceberia para um “2084” com toda essa tecnologia de última geração?

( Texto publicado em "O Liberal"/PA em 10/12/2010)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

UMA NOVA FACE DAS EMPRESAS


O mundo do trabalho para homens e mulheres tem sido um espaço que incide em múltiplas situações quando não se consideram as relações de gênero que estruturam as práticas laborais desses atores sociais. Embora ainda hoje se evidencie a dicotomia entre tarefa domestica e trabalho para assinalar as atividades no espaço privado e público, desqualificando as ocupações realizadas no espaço do lar há, contudo, uma nova mentalidade que ultrapassa esse simplismo e procura anotar o que é possível fazer para mudar a concepção da sociedade sobre esses modelos. Esses temas há muito tempo têm mantido agenda na discussão entre os movimentos de mulheres que sempre procuraram denunciar a desqualificação social em que incorria o gênero feminino como reprodutor de uma “ciência doméstica” visto como menos importante socialmente. Eles também apontavam para a dupla jornada que as mulheres vivenciavam por se constituírem em força de trabalho fora do lar para beneficiar o rendimento familiar. No espaço da fábrica ou das empresas ainda eram submetidas a um mundo essencialmente masculino que as obrigava a conviver nas condições subumanas e adversas e, também, recebiam (como ainda hoje) salários menores aos de seus parceiros. Utensílios de trabalho, formas de vestir, sanitários, vestiários, hierarquias de gestão administrativa além de outros emblemas do mundo laboral tinham uma única evidência referenciadas para o cidadão universal, nada constando do processo de reconhecimento das relações de gênero estabelecidas socialmente.


Se o padrão era esse, então nada a mudar para fábricas, empresas, sociedades de economia privada que seguiam um rumo menos provável de diminuir lucros se olhassem para uma divisão social do trabalho produtivo entre os sexos.


Aos poucos essas condições, às vezes subumanas da produção de bens e serviços foram sendo criticadas, primeiramente, no ambiente de trabalho para os/as trabalhadores/as. As manifestações e deliberações públicas dos movimentos sociais foram garantindo mudanças no olhar dos patrões. As mulheres, por sua vez, passaram a colocar seus problemas nas grandes Convenções mundiais apoiadas por órgãos internacionais como a ONU, a Organização Social do Trabalho – OIT que se detiveram na revisão dos protocolos e a exigir dos Estados nacionais a assinatura de Tratados que viessem a beneficiar os/as trabalhadores/as.


A “questão de polícia” como era tratada a situação do trabalhador tornou-se uma questão social e, neste aspecto, quero evidenciar uma das mais recentes e importantes políticas públicas que desde 2005 está sendo desenvolvida entre a Secretaria de Política para as Mulheres –SPM-PR, vários ministérios, sendo parceiros algumas empresas públicas e privadas brasileiras.


É o Programa Pró-Equidade de Gênero que foi fruto da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM), plano democraticamente construído, estruturando-se em torno de quatro eixos estratégicos de atuação: autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania; educação inclusiva e não sexista; saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; e, enfrentamento à violência contra as mulheres” (BRASIL - SPM, 2004).


Enquadrado na primeira área estratégica do PNPM, o Programa Pró-Eqüidade de Gênero tem o perfil de mediador ao se caracterizar como “ação governamental de incentivo à eqüidade de gênero nas empresas”.


Trata-se de uma ação afirmativa objetivando mudanças qualitativas da vida das trabalhadoras procurando “estimular a adoção de novas práticas no âmbito da gestão de pessoas e da cultura organizacional de empresas, contribuindo para a eliminação de todas as formas de discriminação no ingresso, remuneração, ascensão e permanência no emprego” (Rel.Pró-Equidade). O Programa embasa-se no entendimento de que “as assimetrias de gênero não serão enfrentadas considerando apenas a aprovação de leis, mas, sobretudo, pela adoção de em espaços onde a desigualdade de gênero encontra-se cristalizada”.


Envolvendo etapas desde a preparação, divulgação e implementação da concepção a assumir, o interesse dos responsáveis por essa política era que as próprias empresas aderissem voluntariamente ao programa, criando um plano anual de metas, parcerias e expectativas de alcance dessas metas nas áreas de gestão de pessoas e cultura organizacional para viger em um ano. Para isso seria necessária a elaboração de uma ficha perfil que desse a perspectiva de um quadro funcional com os marcadores sociais de gênero, raça, escolaridade, geração, com a proposta de um plano de ação que fosse inicialmente a sensibilização interna da empresa ampliando-se para o âmbito externo, a pactuação, monitoramento e concessão do Selo Pró-Eqüidade de Gênero.


No terceiro ano consecutivo de vigência desse Programa, iniciando-se a 1ª edição (2006-2007) com cerca de 11 empresas, passando para 26 e neste terceiro ano com 81, serão beneficiadas com o Selo Pró-Equidade cerca de 60 empresas que demonstraram estar conscientes de que as metas a que se prepuseram não seriam apenas uma “questão feminista” mas uma mudança nas relações sociais dentro da própria empresa, onde o assédio moral e sexual é denunciado, os concursos públicos se adéquam para que mais mulheres se candidatem, onde a gestão hierarquizada perde espaço numa grande escalada para algumas mulheres que tem capacidade meritocrática e jamais ascenderam a um cargo de direção.


Parabéns a todos/as nós por essa mudança que está germinando no mundo do trabalho. E que muitos desconhecem.
(Texto publicado em "O Liberal" (PA) em 30/11/2010)

sábado, 27 de novembro de 2010

A IDADE E A MUDANÇA - Lya Luft

Ana Carolina Branco, minha neta, me enviou este texto da Lya Luft e, no email, ela expresssou um "muito legal e verdadeiro, vó".
Repasso às/aos leitoras/es para compartilhar um saber tão incisivo da poeta sobre a questão da mudança. Da idade às várias formas de transformação, o ser humano tem sua afinidade com o que mais lhe custa ao conscientizar-se de suas prioridades existenciais. Por hora estou pensando na idade, nos acúmulos acadêmicos, nos ganhos, nas perdas e no jogo que se entrecruzam na caminhada. Preciso aprender mais ... (LA)




Mês passado participei de um evento sobre o Dia da Mulher.Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades.E por falar em idade, lá pelas tantas, fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi.Foi um momento inesquecível...A platéia inteira fez um 'oooohh' de descrédito.

Aí fiquei pensando: 'pô, estou neste auditório há quase uma hora exibindo minha inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho? Onde é que nós estamos?'Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado 'juventude eterna'. Estão todos em busca da reversão do tempo.

Acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas.Há um outro truque que faz com que continuemos a ser
chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada.

A fonte da juventude chama-se "mudança".De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora.

A única maneira de ser idoso sem envelhecer é não se opor a novos comportamentos, é ter disposição para guinadas.

Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.Mudança, o que vem a ser tal coisa?

Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho.Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu.

Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos.
Rejuvenesceu.

Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um baita emprego por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela vai à praia sempre que tem sol.
Rejuvenesceu.

Toda mudança cobra um alto preço emocional.Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza.
Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna.

Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho.
Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.Olhe-se no espelho...

Lya Luft

http://estradadobem.blogspot.com/2009/10/idade-e-mudanca-texto-de-lia-luft.html

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA













De 25 de novembro até o dia 10 de dezembro, o mundo realiza a Campanha “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres” coordenado no Brasil pela AGENDE. Trata-se de um movimento internacional com a participação de 130 países, cujo objetivo é chamar atenção sobre as diversas formas de violência praticadas contra as mulheres, procurando envolver a sociedade no combate a esse crime.

Historicamente essa campanha iniciou em 1991, pela ação de 23 mulheres de diferentes países do Centro de Liderança Global de Mulheres (Center for Women’s Global Leadership - CWGL) com vistas à exposição pública ao debate e a denuncia das variadas formas de violência que acometiam as mulheres no mundo. Foi reconhecida em 1999 pelas Nações Unidas como o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres como protesto dos movimentos internacionais dos direitos humanos pelo assassinato, em novembro de 1960, das irmãs Patrícia, Minerva e Maria Teresa Mirabal, conhecidas como “Las Mariposas”, por agentes da ditadura de Rafael Trujillo, na República Dominicana.
A abrangência do período envolve datas importantes para cumprir o efeito denunciado visto que se vincula à luta pela não violência em defesa dos direitos humanos das mulheres:

- 1º de dezembro é o dia Mundial de Combate à AIDS – objetivando estimular a prevenção e diminuição do vírus , com crescimento significativo entre as mulheres, daí o lançamento do Plano de Enfrentamento da Feminização da AIDS e outras DSTs;

- 6 de dezembro: massacre de mulheres em Montreal (Canadá)- 14 estudantes da Escola Politécnica de Montreal foram assassinadas inspirando a criação da Campanha do Laço Branco com a mobilização mundial de homens pelo fim da violência contra as mulheres, no Brasil sendo legalizado pela Lei nº 11.489 de 20/06/2007;

- 10 de dezembro - Dia Internacional dos Direitos Humanos , visto que nesse dia, em 1948 foi adotada a Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU, respondendo à violência da Segunda Guerra Mundial.

No Brasil, mais uma data está incluída nessa agenda: 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra. Instituído em 1998, aponta para a inclusão do negro na sociedade brasileira e sua batalha contra a escravidão. Nesse dia, em 1695, foi assassinado Zumbi dos Palmares, ícone da luta pela liberdade e contra o escravismo. Chama-se a atenção para a situação das mulheres negras que além da violência de gênero sofrem também a racial.

A violência é um termo polissêmico e o seu uso aponta para as formas diferenciadas de constrangimentos morais, coativos ou através da força física explícita, aplicada por uma pessoa contra outra, num ambiente que pode ser tanto público - no contexto social e político – como privado, no espaço familiar. Alguns autores consideram o ato violento não apenas em situações episódicas agudas como a violência física, mas incluem também aquelas formas evidentes de distribuição desigual de recursos em todos os seus matizes. Outro aspecto explicativo desse ato é o da violência estrutural do Estado e o das instituições, cujos vetores criam um sistema coordenado de medidas que geram e reproduzem a desigualdade.

Esta percepção levou ao reconhecimento de que certos comportamentos nas relações sociais, embora fossem vistos como “naturais” tramavam contra a dignidade humana. A denúncia dos movimentos de mulheres ao tratamento que suas congêneres recebiam nos locais onde mantinham convivência, ao serem impedidas de participar de determinada atividade, por exemplo, em casa, quando eram agredidas pelo marido, pelos filhos ou pais ao deixarem de fazer determinadas tarefas domésticas, essas atitudes passaram a ser percebidas pela sociedade como atos de violência e, atualmente, recebem o tratamento devido de entidades governamentais e não governamentais que consideram essas condutas destrutivas da condição humana.

Segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia (Holanda), em pesquisa junto a 138 mil mulheres de 54 países, o Brasil é o que mais sofre com a violência doméstica,

Dados do Ligue 180 (janeiro a maio 2010), do Observatório de Gênero da Secretaria de Política para as Mulheres, apontam o quadro de violência doméstica entre as brasileiras: o tipo de crime com maior incidência é a ameaça à vida (51,3%), do companheiro/cônjuge (53%), num tempo da relação de 10 anos ou mais (38%), ocorrendo a violência desde o início da relação (39,8%), com risco de espancamento (48,4%) e morte (48,8%). Há dependência financeira com o agressor (40,2%), embora ocorra também sem ela ( 59.8%). Os filhos presenciam a violência contra a mãe (68%), sendo que são as próprias vítimas (86.9%). que ligam ao 180 para denunciar a violência física sofrida (57%).





(Texto publicado em "O Liberal", em 26/11/2010)





sábado, 20 de novembro de 2010

A REPÚBLICA NO PARÁ

Quando se comemora mais um aniversário do governo republicano no país é interessante observar como ele se instalou no Pará e/ou como foi recebido pelas classes sociais, evidenciando-se por imposição histórica o papel de algumas famílias ligadas aos meios de produção, identificando-se os que estavam ou se assentaram no poder social e político local.

A vastidão e complexidade do assunto é alvo de muitos trabalhos de historiadores, mas penso no que me deu base para uma dissertação de mestrado apresentada ao NAEA em 1990 e com publicação prevista para o próximo ano conservando o titulo “Saias, Laços e Ligas: Construindo imagens e lutas” (a sair pela Paka-Tatu).

A implantação do regime republicano no Pará, reponta num momento em que o Estado vivia a "belle epoque". É a fase do esplendor da borracha, refletindo-se na rápida urbanização, em que o social e o comercial evidenciam o fortalecimento do poder político de uma classe que já dispunha de mecanismos de dominação, no regime anterior, os proprietários de terras. Esta classe, que se manteve dominante até aproximadamente meados do século XX, era descendente de militares, funcionários e colonos que haviam sido contemplados com sesmarias, no período colonial. Uma crise interna havia fraturado a hegemonia desse bloco no período cabano.

Entre as formas de reprodução social que a classe privilegiada procurou desenvolver para reaver certas perdas advindas com a abolição, estão as alianças matrimoniais realizadas entre familias abastadas, representando um dos papéis mais importantes na retomada do poder.

Com o desenvolvimento do comércio e integração maior à economia mercantil, as alianças matrimoniais do século XIX vão depender menos da propriedade fundiária, como acontecia no Brasil Colônia, entretanto, vão ter papel de grande peso na formação da classe socialmente dominante no período seguinte.

O fortalecimento do setor agro-exportador gomífero a partir da segunda metade do século XIX, fez emergir uma classe com funções específicas dessa economia, com os donos de seringais, os "aviadores", os varejistas, os exportadores, os importadores (na sua maioria, de nacionalidade estrangeira), além dos empresários do tráfego fluvial, ou seja, os armadores. Neste período, a posse da terra passou a ser conflituosa entre os seringalistas latifundiários. Os proprietários de terras permaneceram no domínio da estrutura econômica, que dividem, agora, com os novos agentes sociais, os "aviadores" de prestígio incorporado devido à importância do seu papel no setor terciário, num período (1899 a 1910) em que as cotações da borracha apresentavam-se, na fase de aceleração com o rápido crescimento dos preços do produto, embora sujeitos a fortes flutuações, "as mais pronunciadas de toda a série".

A elite paraense, nesse período mantém as bases na estrutura fundiária, diversificada entre os latifundiários seringalistas e os fazendeiros. A fração de classe que emerge com a economia gomífera é representada pelo comércio, quer dos citados "aviadores" quer dos varejistas. Há ainda outros elementos que se associam aos interesses dessa classe, a burocracia local, ou seja, os funcionários alfandegários - uma categoria que realçou principalmente no período de aceleração da produção gomífera. Há ainda os armadores e os altos representantes dos bancos e de casas seguradoras.

Com esses setores tendo interesses específicos e particulares, pode-se deduzir daí o que representou, nesse período, a criação de partidos políticos que afinassem organicamente com cada grupo. O federalismo possibilitava a autonomia do Estado e o quadro partidário que se organizasse teria base local. Com a dominação econômica nas mãos dos proprietários de terras e dos comerciantes, a hegemonia política do novo sistema seria realizada por estes grupos que se intitulavam "classe conservadora".

Há outro grupo que se alinha aos demais, nesta primeira fase republicana: os militares, responsabilizados pela fratura da hegemonia do bloco monárquico. É de supor que os ligados às Forças Armadas são representantes de uma classe média intelectualizada, alguns bacharéis (Lauro Sodré, Inocêncio Serzedelo Corrêa, Virgílio Henrique Muller). Os militares da Armada (Arthur Índio do Brasil) e da Guarda Nacional seriam originários da elite, alguns exercendo atividades no comércio local no ramo das profissões liberais ou como proprietários de terras.

Como ilustração da importância de uma classe social na mudança de regime (do monárquico ao republicano) cito a família Chermont. O seu poder político é notado desde o império, evidenciando-se as alianças matrimoniais de seus membros desde o século XVIII quando o jovem Theodosio Constantino de Chermont casou-se com a filha de um abastado proprietário, o Capitão Mor das Ordenanças de Belém e depois Mestre de Campo de um dos Terços de Infantaria de S. José de Macapá, José Miguel Ayres, premiado por S. Majestade , em 1741, com a concessão de uma sesmaria na Região do Rio Capim, parte setentrional do Pará. Esse tipo de união, com variações ou adaptações às condições socioeconômicas subseqüentes repetiu-se por três gerações.

A exemplificação da família Chermont demonstra a influência que grupos econômicos exerceram na formação político-partidária do alvorecer republicano, deixando em pendência a trajetória de outros eminentes do período.


(Texto publicado em "O Liberal" em 19/11/2010)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

EXPECTATIVAS & FRUSTRAÇÕES

Depois das eleições chega-se à “hora da verdade”. O/a eleitor/a que avaliou as promessas de campanha dos diversos candidatos/as (aos cargos majoritários e proporcionais) passa a ser o cobrador dessas benesses prometidas. E chega o tempo em que os próprios candidatos/as, hoje vitoriosos, devem considerar o que foi cogitado, muitas vezes a conselho de marqueteiros que vislumbraram formas de incentivo à campanha para vencer o pleito.

É comum imbuir na pretensão ao cargo eletivo resolução rápida de problemas que dificilmente seriam solucionados com brevidade ou explorar a construção de uma Utopia a desafiar, até por corrigir alguns preconceitos emitidos na idéia histórica, na sociedade concebida por Sir Thomas More.

Hoje, o triângulo das promessas, ou o que mais se evidencia na expectativa popular, é composto de saúde, segurança e educação. As três vertentes estão ligadas, no sistema político em que vivemos, à economia. Mas como na história das mil e uma noites, o eleitorado não pensa em gastos financeiros. Pensa, sim, no ganho de seu salário, acomodando este fator aos itens sugeridos. Então seria como pedir ao Gênio da Lâmpada que o livre dos assaltos nas ruas, que lhe dê socorro médico a tempo e a hora e que lhe facilite a educação de filhos/as (e a si próprio).

As pessoas dificilmente mostram-se satisfeitas com o que conseguiram ganhar ou com a continuidade de um bem. Geralmente querem a melhoria do que alcançaram e esperam obter outros serviços aos quais não tiveram acesso. E não se diga que a ambição de tempos melhores é uma forma de evitar o conformismo. É simplesmente a idéia de que outras benfeitorias podem trazer a satisfação de suas necessidades básicas.

Na democracia, a síntese de governo como “do povo para o povo” requer uma responsabilidade que manipula variáveis muitas vezes conflitantes. Nem sempre o que é bom para uns é bom para outros. No caso, espera-se que se contente a maioria. E para isso é cobrado dos poderes constituídos uma resolução abrangente. Mas é difícil para os membros desse poderes conseguirem casar as suas idéias com as possibilidades reais do Estado. Entra em cena o fator econômico que muitas vezes é escamoteado do eleitorado como um “ponto” do teatro. Surge, então, outro item importante na troca de governo: a continuação ou não do que foi ou do que está sendo feito. Por exemplo: se o país conseguiu driblar uma grande crise econômica de caráter internacional pela habilidade com que foi trabalhada a economia nacional, pergunta-se: uma nova orientação é extremamente necessária apenas por ser nova? Ou é importante a adequação de algumas arestas dessas políticas para enfrentar as supostas “bolhas” que estão sendo denunciadas por alguns jornalistas políticos e economistas? Se um Ministério ou uma Secretária de Estado está cumprindo com eficiência a sua missão este órgão deve ser mexido para que assuma uma assinatura diferente?

Há de se considerar que os caminhos da utopia precisam ser palmilhados mesmo que não se encontre um fim. Os pólos do citado triângulo (saúde, segurança, educação) sempre estão precisando de formas (nem se diga “reformas”, mas simplesmente métodos mais objetivos). Como são ângulos extremamente heterogêneos, a dificuldade de se tratar de tudo e de todos em um período de governo é mesmo um processo fantasioso a voltar aos contos árabes. De qualquer forma, há meios de demonstrar como serão tratados os problemas. Por exemplo: mais postos de atendimento para saúde, mais hospitais (e, principalmente, mais médicos); mais efetivos políciais nas ruas e meios de rápido atendimento à população; e mais escolas com professores. Tudo isso requer mais financiamento porque é necesssário o provimento digno de salários a esses profissionais. E não se pede uma solução “mágica” como o retorno do CPMF, uma válvula que se fecha por um lado e abre por outro (sabe-se do quanto o mercado sofre com um imposto a mais – e, no caso, inclemente). Precisa-se, isto sim, de um bom planejamento. E nada se faz do dia para a noite desde que não se jogue um problema para frente - ou, como diz o povo, “empurrar com a barriga”.

Os/as eleitos/as comemoram a aprovação nas urnas, mas devem saber que sua carreira política requer estratégias que desafiam capacidades. E o tempo, no caso, sempre é um inimigo, posto que as pessoas que os elegeram não esperam na hora da cobrança.
O desejo do cidadão e da cidadã é que uma consciência política atue entre os/as eleitos/as acima de suas ambições particulares ou partidárias.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A “INVENÇÃO” DA MULHER NA POLÍTICA


O Brasil está ainda impactado com a eleição de Dilma Rousseff, a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente da República. Não é para menos. Se há 78 anos o olhar espantado era para as “eleitoras”, ou seja, para as mulheres que haviam conquistado o direito de votar nos seus representantes políticos, havendo clara alusão de intelectuais e da mídia da época às “mulheres públicas”, combinando com a menção às prostitutas, o que dizer hoje da que ousou aceitar sua candidatura, lutou pela vitória e foi eleita para o mais alto cargo político do país?

Fundamentado num sistema vertebrado pelo patriarcalismo cuja retórica assume regras determinantes de condutas no relacionamento entre os gêneros, ao definir a constituição da esfera pública para a participação de “cidadãos” na “política”, diferentemente da esfera privada porque “naturalmente” assumida pelas mulheres, o sistema político estabeleceu regras diferenciadas de inclusão e de exclusão dos membros do demos na polis moderna. Mas se essas regras mantinham apoios institucionais (Constituições, Códigos Eleitorais) estes não menos se expressavam em “leis sociais” forjando e reproduzindo idéias de uma imagem feminina ética, fragil, instável e sem força para garantir as permanentes batalhas políticas que se interpunham nos conflitos partidários e eleitorias desde tempos pretéritos. E às que ousavam quebrar os ritos estabelecidos, sem dúvida recaía a censura da sociedade.

Há 25 anos tenho me debruçado nos estudos e pesquisas sobre a questão da desigualdade nas relações de gênero com ênfase na política. Uma ampla literatura nacional e internacional tem sido minha companheira em avaliar os porquês de as mulheres inventarem fórmulas para pressionar a sociedade e os governos por suas demandas próprias e, dessa forma, conquistar recursos vitais para a sua sobrevivência. Salários iguais, condições de trabalho, participação política, rompimento com a violência doméstica e sexual, foram problemas debatidos e se transformaram em políticas públicas que têm sido aprovadas e implementadas. Nada têm “caindo do ceu” para contemplá-las nessa longa caminhada de questionamentos sobre como manter a dimensão democrática equilibrada no ponto-chave desses princípios. É desse acúmulo de abordagens que tenho presenciado a grande revolução construída pelas mulheres ao mostrarem não só o seu protagonismo, mas a responsabilidade na transformação social.

Quem acompanhou os embates nestes meses de campanha entre os candidatos à presidência da república observou que a midia, as redes sociais e o próprio candidato opositor, além de outras lideranças partidárias, ensaiaram inúmeros apelos discriminatórios contra Dilma Rousseff. Um dos primeiros foi o descredenciá-la pela ausência de uma carreira política (falta de exposição do nome nas urnas) versus demanda por um cargo para a presidência da república. A expectativa era creditar a incompetência feminina para a gestão política. Seguiram-se a de “tutelada” de Lula, a “terrorista”, a “abortista”, a “sem Fé religiosa” e tantos outros epítetos que foram somados aos discursos que procuraram desqualificá-la para o cargo. Sem querer entrar no enfoque sobre as ações massivas objetivando a disseminação da “falsa informação”, e de prognósticos de decepção e dúvida sobre seu governo, no caso de uma possível vitória da candidata – argumentos que julgo mais no âmbito da luta político-partidária do que de discriminações das relações de gênero – o que pode ser configurado com o discurso sexista nessa campanha foi considerá-la tutelada e, portanto, não possuir nenhuma base de conhecimento de políticas de governo para o país. Por que ela era a “sombra”, o “arremedo”, a caricatura e, assim, quem governaria seria Lula e não ela.

Por outro lado, o fato de ser considerada adepta de políticas favoráveis ao aborto e de não possuir nenhum credo religioso, se pensado somente no ângulo partidário, destoa do aspecto discutido sobre a discriminação de gênero. Porque são “temas de mulher” relacionados à “missão materna” desfavorecida pelo ato considerado criminoso que se relaciona com a devoção religiosa muito marcada pela presença feminina.

Hoje as manifestações discriminatórias são outras. Aceita incontinente a condição de eleita, a nova presidente do Brasil está sendo suspeita de não conseguir desenvolver os programas de governo, duvidando-se sobre a sua capacidade de articulação política, de enfrentamento de questões que precisam ser combatidas desde o primeiro momento de sua posse. Como disse a Profa. Cristina Maneschy: “O problema é que já se constrói uma representação de dúvida e de incerteza, como que preparando os corações para uma tragédia anunciada”.

Na frase de Dilma, vê-se a esperança de que as mulheres brasileiras “inventem” o futuro democrático: “A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um principio essencial da democracia. Gostaria muito que os pais e mães de meninas olhassem hoje nos olhos delas, e lhes dissessem: SIM, a mulher pode!”


(Texto publicado em "O Liberal"(PA) em 04/11/2010)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

PRONUNCIAMENTO DA PRESIDENTA ELEITA DILMA




Minhas amigas e meus amigos de todo o Brasil,

É imensa a minha alegria de estar aqui. Recebi hoje de milhões de brasileiras e brasileiros a missão mais importante de minha vida. Este fato, para além de minha pessoa, é uma demonstração do avanço democrático do nosso país: pela primeira vez uma mulher presidirá o Brasil. Já registro, portanto aqui meu primeiro compromisso após a eleição: honrar as mulheres brasileiras, para que este fato, até hoje inédito, se transforme num evento natural. E que ele possa se repetir e se ampliar nas empresas, nas instituições civis, nas entidades representativas de toda nossa sociedade.

A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um principio essencial da democracia. Gostaria muito que os pais e mães de meninas olhassem hoje nos olhos delas, e lhes dissessem: SIM, a mulher pode!

Minha alegria é ainda maior pelo fato de que a presença de uma mulher na presidência da República se dá pelo caminho sagrado do voto, da decisão democrática do eleitor, do exercício mais elevado da cidadania. Por isso, registro aqui outro compromisso com meu país:

• Valorizar a democracia em toda sua dimensão, desde o direito de opinião e expressão até os direitos essenciais da alimentação, do emprego e da renda, da moradia digna e da paz social.
• Zelarei pela mais ampla e irrestrita liberdade de imprensa.
• Zelarei pela mais ampla liberdade religiosa e de culto.
• Zelarei pela observação criteriosa e permanente dos direitos humanos tão claramente consagrados em nossa constituição.
• Zelarei, enfim, pela nossa Constituição, dever maior da presidência da República.

Nesta longa jornada que me trouxe aqui pude falar e visitar todas as nossas regiões.
O que mais me deu esperanças foi a capacidade imensa do nosso povo, de agarrar uma oportunidade, por mais singela que seja, e com ela construir um mundo melhor para sua família. É simplesmente incrível a capacidade de criar e empreender do nosso povo. Por isso, reforço aqui meu compromisso fundamental: a erradicação da miséria e a criação de oportunidades para todos os brasileiros e brasileiras.
Ressalto, entretanto, que esta ambiciosa meta não será realizada pela vontade do governo. Ela é um chamado à nação, aos empresários, às igrejas, às entidades civis, às universidades, à imprensa, aos governadores, aos prefeitos e a todas as pessoas de bem.

Não podemos descansar enquanto houver brasileiros com fome, enquanto houver famílias morando nas ruas, enquanto crianças pobres estiverem abandonadas à própria sorte. A erradicação da miséria nos próximos anos é, assim, uma meta que assumo, mas para a qual peço humildemente o apoio de todos que possam ajudar o país no trabalho de superar esse abismo que ainda nos separa de ser uma nação desenvolvida.

O Brasil é uma terra generosa e sempre devolverá em dobro cada semente que for plantada com mão amorosa e olhar para o futuro. Minha convicção de assumir a meta de erradicar a miséria vem, não de uma certeza teórica, mas da experiência viva do nosso governo, no qual uma imensa mobilidade social se realizou, tornando hoje possível um sonho que sempre pareceu impossível.

Reconheço que teremos um duro trabalho para qualificar o nosso desenvolvimento econômico. Essa nova era de prosperidade criada pela genialidade do presidente Lula e pela força do povo e de nossos empreendedores encontra seu momento de maior potencial numa época em que a economia das grandes nações se encontra abalada.

No curto prazo, não contaremos com a pujança das economias desenvolvidas para impulsionar nosso crescimento. Por isso, se tornam ainda mais importantes nossas próprias políticas, nosso próprio mercado, nossa própria poupança e nossas próprias decisões econômicas.

Longe de dizer, com isso, que pretendamos fechar o país ao mundo. Muito ao contrário, continuaremos propugnando pela ampla abertura das relações comerciais e pelo fim do protecionismo dos países ricos, que impede as nações pobres de realizar plenamente suas vocações.

Mas é preciso reconhecer que teremos grandes responsabilidades num mundo que enfrenta ainda os efeitos de uma crise financeira de grandes proporções e que se socorre de mecanismos nem sempre adequados, nem sempre equilibrados, para a retomada do crescimento.

É preciso, no plano multilateral, estabelecer regras mais claras e mais cuidadosas para a retomada dos mercados de financiamento, limitando a alavancagem e a especulação desmedida, que aumentam a volatilidade dos capitais e das moedas.

Atuaremos firmemente nos fóruns internacionais com este objetivo.

Cuidaremos de nossa economia com toda responsabilidade. O povo brasileiro não aceita mais a inflação como solução irresponsável para eventuais desequilíbrios. O povo brasileiro não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável.

Por isso, faremos todos os esforços pela melhoria da qualidade do gasto público, pela simplificação e atenuação da tributação e pela qualificação dos serviços públicos. Mas recusamos as visões de ajustes que recaem sobre os programas sociais, os serviços essenciais à população e os necessários investimentos.

Sim, buscaremos o desenvolvimento de longo prazo, a taxas elevadas, social e ambientalmente sustentáveis. Para isso zelaremos pela poupança pública.

Zelaremos pela meritocracia no funcionalismo e pela excelência do serviço público.

Zelarei pelo aperfeiçoamento de todos os mecanismos que liberem a capacidade empreendedora de nosso empresariado e de nosso povo. Valorizarei o Micro Empreendedor Individual, para formalizar milhões de negócios individuais ou familiares, ampliarei os limites do Supersimples e construirei modernos mecanismos de aperfeiçoamento econômico, como fez nosso governo na construção civil, no setor elétrico, na lei de recuperação de empresas, entre outros.

As agências reguladoras terão todo respaldo para atuar com determinação e autonomia, voltadas para a promoção da inovação, da saudável concorrência e da efetividade dos setores regulados.

Apresentaremos sempre com clareza nossos planos de ação governamental. Levaremos ao debate público as grandes questões nacionais. Trataremos sempre com transparência nossas metas, nossos resultados, nossas dificuldades.

Mas acima de tudo quero reafirmar nosso compromisso com a estabilidade da economia e das regras econômicas, dos contratos firmados e das conquistas estabelecidas.
Trataremos os recursos provenientes de nossas riquezas sempre com pensamento de longo prazo. Por isso trabalharei no Congresso pela aprovação do Fundo Social do Pré-Sal. Por meio dele queremos realizar muitos de nossos objetivos sociais.
Recusaremos o gasto efêmero que deixa para as futuras gerações apenas as dívidas e a desesperança.

O Fundo Social é mecanismo de poupança de longo prazo, para apoiar as atuais e futuras gerações. Ele é o mais importante fruto do novo modelo que propusemos para a exploração do pré-sal, que reserva à Nação e ao povo a parcela mais importante dessas riquezas.

Definitivamente, não alienaremos nossas riquezas para deixar ao povo só migalhas. Me comprometi nesta campanha com a qualificação da Educação e dos Serviços de Saúde. Me comprometi também com a melhoria da segurança pública. Com o combate às drogas que infelicitam nossas famílias.

Reafirmo aqui estes compromissos. Nomearei ministros e equipes de primeira qualidade para realizar esses objetivos. Mas acompanharei pessoalmente estas áreas capitais para o desenvolvimento de nosso povo.

A visão moderna do desenvolvimento econômico é aquela que valoriza o trabalhador e sua família, o cidadão e sua comunidade, oferecendo acesso a educação e saúde de qualidade. É aquela que convive com o meio ambiente sem agredí-lo e sem criar passivos maiores que as conquistas do próprio desenvolvimento.

Não pretendo me estender aqui, neste primeiro pronunciamento ao país, mas quero registrar que todos os compromissos que assumi, perseguirei de forma dedicada e carinhosa. Disse na campanha que os mais necessitados, as crianças, os jovens, as pessoas com deficiência, o trabalhador desempregado, o idoso teriam toda minha atenção. Reafirmo aqui este compromisso.

Fui eleita com uma coligação de dez partidos e com apoio de lideranças de vários outros partidos. Vou com eles construir um governo onde a capacidade profissional, a liderança e a disposição de servir ao país será o critério fundamental.
Vou valorizar os quadros profissionais da administração pública, independente de filiação partidária.

Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles. De minha parte não haverá discriminação, privilégios ou compadrio.

A partir de minha posse serei presidenta de todos os brasileiros e brasileiras, respeitando as diferenças de opinião, de crença e de orientação política.

Nosso país precisa ainda melhorar a conduta e a qualidade da política. Quero empenhar-me, junto com todos os partidos, numa reforma política que eleve os valores republicanos, avançando em nossa jovem democracia.

Ao mesmo tempo, afirmo com clareza que valorizarei a transparência na administração pública. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. Serei rígida na defesa do interesse público em todos os níveis de meu governo. Os órgãos de controle e de fiscalização trabalharão com meu respaldo, sem jamais perseguir adversários ou proteger amigos.

Deixei para o final os meus agradecimentos, pois quero destacá-los. Primeiro, ao povo que me dedicou seu apoio. Serei eternamente grata pela oportunidade única de servir ao meu país no seu mais alto posto. Prometo devolver em dobro todo o carinho recebido, em todos os lugares que passei.

Mas agradeço respeitosamente também aqueles que votaram no primeiro e no segundo turno em outros candidatos ou candidatas. Eles também fizeram valer a festa da democracia.

Agradeço as lideranças partidárias que me apoiaram e comandaram esta jornada, meus assessores, minhas equipes de trabalho e todos os que dedicaram meses inteiros a esse árduo trabalho. Agradeço a imprensa brasileira e estrangeira que aqui atua e cada um de seus profissionais pela cobertura do processo eleitoral.

Não nego a vocês que, por vezes, algumas das coisas difundidas me deixaram triste. Mas quem, como eu, lutou pela democracia e pelo direito de livre opinião arriscando a vida; quem, como eu e tantos outros que não estão mais entre nós, dedicamos toda nossa juventude ao direito de expressão, nós somos naturalmente amantes da liberdade. Por isso, não carregarei nenhum ressentimento.

Disse e repito que prefiro o barulho da imprensa livre ao silencio das ditaduras. As criticas do jornalismo livre ajudam ao pais e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório.

Agradeço muito especialmente ao presidente Lula. Ter a honra de seu apoio, ter o privilégio de sua convivência, ter aprendido com sua imensa sabedoria, são coisas que se guarda para a vida toda. Conviver durante todos estes anos com ele me deu a exata dimensão do governante justo e do líder apaixonado por seu pais e por sua gente. A alegria que sinto pela minha vitória se mistura com a emoção da sua despedida.

Sei que um líder como Lula nunca estará longe de seu povo e de cada um de nós. Baterei muito a sua porta e, tenho certeza, que a encontrarei sempre aberta. Sei que a distância de um cargo nada significa para um homem de tamanha grandeza e generosidade. A tarefa de sucedê-lo é difícil e desafiadora. Mas saberei honrar seu legado. Saberei consolidar e avançar sua obra.

Aprendi com ele que quando se governa pensando no interesse público e nos mais necessitados uma imensa força brota do nosso povo. Uma força que leva o país para frente e ajuda a vencer os maiores desafios.

Passada a eleição agora é hora de trabalho. Passado o debate de projetos agora é hora de união. União pela educação, união pelo desenvolvimento, união pelo país.

Junto comigo foram eleitos novos governadores, deputados, senadores. Ao parabenizá-los, convido a todos, independente de cor partidária, para uma ação determinada pelo futuro de nosso país.

Sempre com a convicção de que a Nação Brasileira será exatamente do tamanho daquilo que, juntos, fizermos por ela.
Muito obrigada.

(Em 31.10.2010 às 22h, em Brasília)

domingo, 31 de outubro de 2010

O DESAFIO DA INFORMAÇÃO

Medir a capacidade de o eleitorado estar atento a todas as informações possiveis para decidir seu voto sobre qual candidato/a sufragar neste domingo tem sido revelado, de alguma forma, através dos números das pesquisas de opinião. Os institutos têm apresentado inúmeras variáveis condicionando o processo de decisão dos informantes em cada recorte temporal, fundamentadas em denúncias a fatos, atitudes, personalidade dos candidatos, políticas de governo e/ou ausência destas etc., fatores que têm demonstrado queda ou avanço das intenções de voto.

Há pelo menos três correntes explicativas com argumentação providencial para a decisão do voto. Anthony Downs (1957) baseia-se nas vertentes do individualismo metodológico que explica as intenções das ações dos indivíduos para maximizar seus benefícios e otimizar seus ganhos no mercado político-eleitoral onde há um governo que atua como agente social singular.

A natureza deste governo é democrática, com traços que definem o processo de escolha via eleitoral, regras gerenciando as eleições periódicas; eleitores qualificados em nível territorial; presença de partidos da situação e da oposição, além de outros, no processo competitivo.

Os partidos, no governo democrático, se constituem numa equipe de indivíduos interessados no acesso ao controle do aparato de governar, via eleitoral, e quando é alcançado esse objetivo, procuram formular e executar políticas públicas. A meta dos membros partidários é o interesse pessoal ao acesso à renda, ao prestígio e ao poder. A motivação partidária é ganhar as eleições, e para isso, o governo desloca suas ações canalizando-as para a maximização de votos, e as políticas tornam-se meios para esse fim.

Downs observa que seu modelo não determina comportamentos porque não tem postulados éticos, nem é puramente descritivo visto que ignora as condições não-racionais, mas considera, como primeira relevância desse modelo, a proposição de uma única hipótese explicativa de tomada de decisão política e para o comportamento partidário em geral.

O axioma desse modelo considera que os cidadãos agem racionalmente em política e votam no partido que eles julgam que pode lhes render maiores benefícios. Teríamos, então, uma renda de utilidade num sentido amplo que inclui não só os benefícios que o cidadão recebe não sendo percebidos por ele, desconhecendo a fonte exata de onde vem, mas aqueles os quais ele não percebe que está recebendo. Contudo, os governos estrategicamente propagam suas ações para que os beneficiários reconheçam o que recebem e isso é um meio de influir na decisão do voto, pois os eleitores só se darão conta de seus ganhos se tiverem consciência dos benefícios recebidos.

O olhar comparativo do cidadão racional num mundo onde este recebe informações completas e sem custos incide no diferencial entre o fluxo de renda de utilidade que provém da ação presente do governo e os fluxos que supõe teriam recebido dos partidos opositores se estivessem no governo. Nesses diferenciais partidários atuais, o eleitor vai estabelecer suas preferências intrapartidárias.

Assim como a tendência da escolha do eleitor se processa numa lógica racional de maximizar benefícios, a tomada de decisão do governo se dá para maximizar votos e dessa forma este vai considerar o aumento de gastos para a maior aquisição de votos dos partidos que estão fora do governo ou dos partidos de oposição. O partido no governo elabora um plano de ação com vistas no ganho marginal de votos até que estes custos (do financiamento) sejam igualados à perda marginal de votos, gerando as rendas de utilidade dos eleitores de um modo geral e das estratégias da oposição.

O nível de racionalidade de um tomador de decisão na arena política passa, necessariamente, pela quantidade de informação que este recebe e os custos para obtê-la num mundo de incerteza.

Como o eleitor precisa estar bem informado dos recursos existentes na cena política e partidária e os níveis de incerteza limitam a capacidade dele, a ideologia torna-se um atalho de informações reduzindo os custos, tanto para os eleitores quanto para os partidos políticos.

Se para a maximização do voto um partido adequar sua ideologia com as demandas dos grupos, torna-se vulnerável à perda de integridade e da responsabilidade. Isso é visto como irracionalidade política, embora o conflito se instale quando forjarem-se duas expectativas: ideologia como finalidade e o cargo como instrumento.

O modelo de Downs espera ajustar a hipótese da racionalidade (desejo ao cargo), às estratégias finais (ideologia como maximização de voto por redução de custos de informação). Considera que haja conflitos entre a manutenção do purismo ideológico e a expectativa de vitória nas eleições. O primeiro aspecto tende a preceder ocasionalmente o segundo, mas a validez do formato se dá pela pugna permanente entre os partidos: a vitória eleitoral.


(Texto publicado em "O Liberal", Belém-PA, em 28/10/2010)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

DILMA, A PRIMEIRA PRESIDENTA DO BRASIL?

A Revista Carta Maior (on line) publicou como matéria da Editoria Política de 29/10/2010,o texto abaixo assinado por duas universitárias da UFF e da UFRJ. A argumentação que elas evidenciam se coaduna as mesmas que tenho tratado em artigos e palestras sobre a difícil relação mulher & política como relações sociais de poder em que as mulheres procusamos mostrar nossa força acima do possivel para sermos aceitas socialmente devido às dicotomias recorrentes das discriminações sobre este gênero. Tenho uma correção ao texto: as cláusulas seletivas ao voto feminino foram afastadas definitivamente, através do Código Eleitoral de 1965. Em 1988 outras conquistas políticas e sociais foram incorporadas, sem dúvida.(LMA)



Por Katarina Pitasse Fragoso e Nathália Sanglard


A construção das relações sociais é configurada por uma dialética entre opostos – alter e ego, senhor e escravo, homem e mulher – que, no entanto, não implica na supremacia de um lado sobre o outro, já que a definição é dada pela composição das forças a partir de diálogos.
Todavia, historicamente, o homem se (im)pôs como senhor, edificando o projeto de reinar sobre o instante e construir o futuro. Nesse cenário, a mulher estava submetida à restrição dada pelos padrões opressores consagrados pela cultura patriarcal.

Durante séculos, a mulher suportou seu destino social de se ater ao zelo da esfera doméstica. O preparo desse locus inicia-se já na infância, pois até mesmo os brinquedos dedicados às meninas fazem alusão ao papel que a sociedade relegava a elas, que não variavam entre panelas e bonecas.

Contudo, a mulher identificou o mal-estar de que algo estava errado e lançou-se para adquirir sua liberdade, seu direito de ir e vir. Esta consciência de transcender as tarefas domésticas ganha força, no século XIX e início do XX, com a reivindicação dos movimentos feministas que visavam, sobretudo, a igualdade de tratamento entre os gêneros. Esse era o início de um embate entre as mulheres e os valores construídos pela sociedade dominada pelos homens.

Ao longo dos últimos anos, a mulher foi, gradativamente, ocupando espaços sociais. Um passo histórico para o reconhecimento dos direitos das mulheres, bem como das demais supostas “minorias”, foi conquistado com o surgimento da ONU, em 1945. Tal cenário possibilitou um novo ponto de vista: o respeito das diferenças.

No Brasil, a referida conjuntura também foi experimentada. Tivemos momentos os quais foram importantes para o avanço das lutas das mulheres brasileiras, como a realização da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, que buscou, especialmente, incentivar o progresso no campo cultural a partir de mudanças dos costumes sociais. Dentro desse quadro, a Semana atribuiu grande projeção a figuras femininas da época, como Tarsila do Amaral e Anita Malfatti.

Uma demanda que sempre esteve na pauta das mulheres foi adquirir direitos políticos plenos, ou seja, votar e ser votada. O esforço das mulheres para atingir o sufrágio significava, sobretudo, a independência ideológica, o ingresso nas participações públicas para decidir, assim como os homens, sobre as questões sociais relevantes (1).

O direito ao voto das brasileiras foi assegurado em 1932, mas ele ainda continha diversas reservas, pois apenas as mulheres casadas com autorização dos maridos e algumas solteiras e viúvas com posses detinham tal direito. Em 1934, o modelo anterior foi eliminado e o voto feminino passou a ser obrigatório para as mulheres que ocupassem cargos públicos. Só com a Constituição de 1946 o voto feminino ganhou amplitude (2).

Entretanto, mesmo com o direito ao voto, a mulher só ganha plenamente seu direito político em 1988, ano em que mulheres foram eleitas para legislar na Câmara dos Deputados. Em 1990, tivemos a primeira senadora e, em 1994, a primeira governadora (3).

Em 2010, temos uma eleição importantíssima, já que, pela primeira vez, presenciamos uma candidata no segundo turno com chance de ocupar o cargo da presidência brasileira. Mas, para que isto aconteça, o homem deve encarar a mulher como seu semelhante, como igual. Pois, em sendo a mulher vista como sujeito, como parte, então é possível a reciprocidade, em virtude de a relação ser pautada por sujeitos iguais (4). As mulheres devem, portanto, identificar essa potencialidade e se unir para conquistar mais esse espaço que tradicionalmente não possuem.

A práxis é de negar papeis de mando às mulheres, mas Dilma ocupou esses cargos, tipicamente exercidos por homens. Ela é uma representante preparada, em virtude de haver construído sua história com esforços contínuos diante dos embates diários, não apenas humanos, mas, sobretudo, femininos.

A dedicação apaixonada a uma causa é o que distingue a pessoa que tem vocação daquela que possui um emprego, vive da política, como os políticos profissionais. Dilma não é uma política profissional, militou desde a ditadura por vocação, imprimindo um significado pessoal (5) para sua vida: acabar com as formas de discriminação e desigualdades que muitas vezes, por interesses velados, a sociedade não quer equacionar.

Hoje, apesar das diversas contribuições sociais, a verificação de dificuldades urgentes exige transformações institucionais e esforços da comunidade. É necessária a dialética entre o alter e o ego, entre o homem e a mulher, entre a sociedade e o cidadão. Mulheres e homens brasileiros, devemos nos unir para conquistar mais um marco histórico: Dilma presidenta.



NOTAS

(1) Uma causa legitimamente feminista.

(2) CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

(3) Idem.

(4) BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

(5) Para Weber somente tem vocação aquele que serve a uma causa e torna sua a causa a que serve, que lhe dá significado pessoal e dedica-se apaixonadamente a ela. (WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cutrix, 2004)

(*) Katarina Pitasse Fragoso é graduanda do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense e do curso de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: katepitasse@hotmail.com

(**) Nathália Sanglard é graduanda do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense e do curso de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: nathaliasanglard@gmail.com

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O SIGNIFICADO DOS VOTOS NULOS

Jairo Nicolau

Os estudiosos das eleições têm por hábito somar os votos nulos e em brancos. Afinal, eles não tem serventia para eleições proporcionais (eles são excluídos para o cálculo do quociente eleitoral) e das majoritárias (elas são desconsideradas para saber se haverá ou não o segundo turno).

Pelo menos na disputa para presidente deste ano, os votos nulos e brancos mostraram padrões muito diferenciados.

O gráfico abaixo separa o percentual de brancos e nulos por região e população dos municípios (quatro faixas) para presidente em 2010.

A taxa de votos em branco é em média de 3% e praticamente não varia quando observamos as regiões e o tamanho dos municípios.
Os votos nulos também quase não variam em quatro das cinco regiões do país. O que chama a atenção é a alta taxa de votos nulos nas pequenas cidades do Nordeste (até 100 mil habitantes).

Uma hipótese é que os eleitores de baixa renda e escolaridade teriam mais dificuldade de votar na urna eletrônica. Assim, o voto nulo seria fruto do erro na hora de votar e não da ação deliberada do eleitor (nulo por protesto).
É bom lembrar que os eleitores de baixa escolaridade estão concentrados justamente nas pequenas cidades do Nordeste.





O cientista político Vitor Peixoto me enviou um gráfico que reforça a hipótese de associação entre situação social do município e votos nulos. O gráfico correlaciona o percentual de votos nulos com a taxa de analfabetismo de pessoas com mais de 15 anos (2006). A associação é forte, aliás ela apresenta valores que não são facilmente encontrados nas pesquisas de ciências sociais. Observe abaixo:

























Publicado em 24/10/2010

http://eleicoesemdados.blogspot.com/

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A HORA DAS URNAS

A dez dias para o segundo turno das eleições majoritárias, o eleitorado brasileiro está perplexo diante da forma que o “fazer política” partidária se entrecruza com o aviltamento do voto de cidadãos/ãs. De acusações a partir de fatos que nem sempre se inserem no contexto, a boatos infundados sobre atitudes e/ ou frases soltas e deslocadas da situação que ao serem pronunciadas pelos candidatos se transformam em libelo usado contra eles, o processo de capitalizar votos nessa dimensão tem feito mais estragos do que tem ajudado a definir a opção do/a eleitor/a pela competência de governar sob a orientação de um programa em discussão nesse momento. Se a liberdade de expressão de uma sociedade democrática se define pelo direito de os cidadãos e cidadãs manifestarem de forma livre suas opiniões e idéias sobre qualquer assunto, não é verdade que esse direito deva resvalar para a maledicência e o vilipêndio à honra das pessoas que estão no jogo eleitoral.

A garantia da liberdade de expressão no Brasil foi preservada desde a constituição do Império até a de 1937. No Estado Novo, o governo de Getulio Vargas imprimiu uma forma própria de censura com impedimento à formação de associações e a publicação ou reprodução de certas informações desfavoráveis ao governo. Com o ordenamento jurídico inscrito na Constituição de 1946 ficou restabelecida a livre manifestação das idéias.

Entre aberturas e fechamentos do direito de livre expressão dos cidadãos e cidadãs, tanto legais e públicas quanto privadas e ideológicas, o sistema político brasileiro transitou em uma grande maré de efeitos a cada época levando alguns/as a se tornarem vítimas de confrontos de idéias deixando entre nós as marcas insepultas de suas convicções pelo que disseram e cantaram.

O que se observa nesta época eleitoral tem extrapolado essa maneira de livre expressão. Não me convence o fato de instituições trazerem ao cenário de discussão, apelos discriminatórios contra as mulheres que há séculos estão intentando demonstrar que não são apenas útero, mas têm inteligência e discernimento sobre assuntos diversos que povoam sua existência. Basta terem acesso a eles. Se não, vejamos: por que, no período imperial, as familias internavam as mocinhas nos conventos religiosos e por lá estas permaneciam até a idade do casamento para aceitarem o “par perfeito” escolhido pelo pai, para constituir familia? Esta atitude refletia o medo de estas jovens fugirem com seus namorados e/ou namorarem rapazes de fora do status social, no caso das familias abastadas, um sintoma de que a censura interna grassava sobre o sentimento e as opiniões dessas meninas. E as mágoas secretas dessa repressão eram repassadas aos seus diários, hoje um documento importante de estudos sobre a vida privada feminina.

Por que os costumes decidiram que “mulher e política se excluem” deixando-as por séculos sem o direito do voto, sem a educação, sem acesso às profissões ditas masculinas? E às que ousavam avançar nessas áreas restritas havia sempre formas repressoras para “ensinar” às demais congêneres, de que elas sofreriam sansões caso seguissem os “maus exemplos”. Interesante um artigo escrito por Vilhena Alves, em 1887, para um jornal da Vigia, “A Borboleta” (depois reproduzido em 1993, em “A República”, jornal belemense) no qual ele questiona o saber das “mulheres doutoras” se para esse gênero outras áreas a dignificavam. Mas o professor se redime com a Ciência : “Não simpatizamos nada com as mulheres doutoras apesar de sermos idólatras da ciência”. Em outro parágrafo o autor continua, agora tratando da questão de classe: “De que serve, com efeito, a uma moça pobre, o estudo das ciências e das belas artes, se desconhece os princípios rudimentares da economia doméstica?” É uma época? Hoje as mulheres são doutoras, mas ainda se acham presas as imagens dessa “economia”.

Como se vê, as afinidades entre o pensar discriminador que detona qualquer livre expressão de ser outra pessoa fora do modelo feminino, para as mulheres, no final do século XIX, ainda resistem às bases das insinuações atuais do modelo de representação social a que este gênero deve seguir. Lembro Eneida de Moraes que em 1930, ao deixar marido e dois filhos em Belém para seguir suas convicções ao partido comunista que se organizava no Brasil, foi por muito tempo execrada pelas familias paraenses que assistiam aos seus “vicios” de fumar, beber publicamente, conviver em roda de homens intelectuais e nem sequer avaliavam a potencialidade intelectual da mulher que tinha o direito de seguir livremente suas idéias.

Nesses modelos que catapultam as mulheres que aspiram trajetorias supostamente acima do que devem ser, vige o que Margareth Rago (UNICAMP) trata como o “útero nômade” que constroi os estereótipos femininos e contrai-lhes o desejo para um só indicador social responsavel pelo vilipendio e a maledicencia da honra das mulheres que ousam sair da velha tradição.



Bertha Lutz, a sufragista brasileira histórica


(Publicado em "O Liberal" em 21/10/2010)