sábado, 28 de dezembro de 2013

OS AVANÇOS E AS REFORMAS




O mundo passa por muitas mudanças em um ano e, ao contabilizá-las, sofre-se um impacto ao constatar o que a ciência é capaz de fazer e/ou o que é possivel traduzir em análises quanto a notícias de alterações em determinadas situações que supomos impossíveis de ocorrer. O corre-corre diário não nos deixa tempo para avaliar quantas coisas boas aconteceram, pois, o noticiário da mídia reserva mais tempo para as situações de calamidade, sinistros que infundem medo de viver, ou acontecimentos que são dados como tragédias, algumas extraidas de fatos não tão sinistros. Certa vez cheguei ao RJ tão amedrontada que meu irmão Coriolano que mora por lá há quase 40 anos me disse que devido às noticias veiculadas sobre a violência urbana a “cara” da cidade se transforma, para o mundo, num gueto de horror onde só é possivel ver atos bárbaros. Há violência? Sim. É possivel viver na cidade? Sim. E nós, paraenses, perguntamos: o que dizem de nós por ai quando em meio a tantas situações favoráveis a mídia nacional foca apenas num episódio sinistro? Meu colega Cauby Monteiro residiu com a família quase 8 anos em São Paulo. Ao retornar a Belém, na primeira semana em que estava organizando a vida, ao trafegar na Doca, foi assaltado por cinco pessoas, entre as quais uma mulher. Essas assertivas demonstram que São Paulo e RJ são vistos com uma carga de violência maior do que aqui, mas foi nesta cidade que meu amigo foi atacado na via pública.
Vê-se então que há um noticiário ameaçador recorrente na mídia. Por outro lado, há casos aos quais não é dada tanta evidência. Este ano de 2013 foi marcado por grandes descobertas no campo da pesquisa científica em laboratório, possibilitando um futuro melhor para a humanidade. A revista "Science" (https://www.sciencemag.org/) escolheu como o maior avanço científico do ano o uso da imunoterapia contra o câncer. Tema pesquisado desde a década de 1980, entre êxitos e desacertos, os resultados atuais foram satisfatórios: cerca de mil e oitocentos pacientes com cancer de pele (melanoma), ou seja, 22% dos pacientes que usaram a droga desenvolvida por certa empresa continuavam vivos após três anos de terapia.
Para os infectados com a AIDs também foi promissor o ano de 2013. Em março, uma equipe de virologistas norte-americanos anunciou o primeiro caso de cura “funcional” da doença, quer dizer, constataram debilidade no vírus a ponto de o organismo do paciente conseguir controlá-lo sozinho. A evidência foi com uma criança nascida de mãe infectada que recebeu remédios em menos de 30 horas após o parto.
Outra doença que está na vez da cura é o mal de  Alzheimer. Segundo anúncio em outubro, cientistas britânicos realizando pesquisas em camundongos consideraram a primeira substância quimíca vir a evitar a morte do tecido cerebral nessa doença responsável pela degeneração de neurônios. Maior investigação para o desenvolvimento de uma droga capaz de ser usada por doentes ainda está em processo, contudo, há muito otimismo para a consecução da mesma. Outro fato constatado é em relação a pesquisas com possibilidade de diagnosticar essa doença de forma mais simples, “através da análise de células da retina ou de estruturas do sangue”.
A Síndrome de Down está na vez das pesquisas e neste ano de 2013, em julho, a revista "Nature” (http://www.nature.com/, uma das mais antigas revistas científicas do mundo – 1869) publicou estudo sobre o método de silenciar a cópia extra do cromossomo 21 responsável pela síndrome. Feita em laboratório com células-tronco, a pesquisa evidenciou que “um cromossomo 21 extra, além dos dois que todos nós carregamos, pode ser suprimido em células em cultura in vitro”. Embora uma notícia promissora, há certa prudencia dos cientistas alertando sobre se essa técnica poderá ser aplicada em humanos.
Aguardemos, então que a ciência traga beneficios à humanidade e se possa constatar a eficácia desses estudos.
Mas outras notícias são muito interessantes em termos de mudança de comportamento. No Brasil, o número de idosos que moram sozinhos triplicou em 20 anos, segundo o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra em Domicilio- IBGE). Os dados revelam que se em 1992, havia 1.17 milhão de idosos nessa condição, sendo 31,4% de homens em média de 70 anos e 68,6 % mulheres de 71 anos, em 2012 já são 3.70 milhão sendo 34.9% homens na mesma faixa de idade e 65% de mulheres na média de 72 anos a viverem sozinhos. Se os analistas avaliam ser esse um episódio de feminização do envelhecimento, considerando o índice maior de mulheres (30% em relação aos homens) que moram sozinhas, vê-se que entre os homens houve um aumento de 3.5%  e uma queda de 3.6% em relação ás mulheres entre 1994 e 2012. Alexandre Kalache que já dirigiu o programa de envelhecimento da Organização Mundial da Saúde e atualmente preside o Centro Internacional de Longevidade diz sobre as mulheres: "Em geral, elas já criaram os filhos, estão viúvas ou separadas e querem manter autonomia". Marília Berzins, doutora em Saúde Pública pela USP e presidente do Observatório da Longevidade, considera que essas mudanças integradas ao aumento da longevidade “têm levado as pessoas a ver com mais naturalidade a decisão de um idoso morar sozinho”.
Entre avanços da medicina e os novos comportamentos dos atores sociais, o momento reserva significativas reformas sociais para os próximos anos. Feliz 2014!


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 27/12/2013)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

AMIZADE & CONFRATERNIZAÇÃO



Tem-se como natural, em cada fim de ano, um olhar para trás a fim de se avaliar os acontecimentos vivenciados. Nesse olhar, é comum a aferição das parcerias afetivas e o propósito imediato de criar um evento festivo para agregar, de forma acolhedora, os/as parceiros/as de fato. Pode ser também um chamamento presencial àqueles/as que passaram o ano todo a se comunicar virtualmente. Daí somam-se os termos amizadee confraternização. Por amizade sentimos na pele quem se aproximou de nós com provas de carinho e nos tocou com afeição e simpatia, sem se tornar uma figura subserviente, mas acolhedor/a e sem cobranças. É uma pessoa cuja faculdade de conhecer o outro caminha na dimensão do respeito e da fidelidade à condição de amigo/a.
Aliás, o Dia do Amigonão se condicionou a ser comemorado no dia de Natal ou no Ano Novo em termos internacionais. Passou a ter uma data especial em 20 de julho, a propósito da chegada do homem à lua. Ideia de um argentino que foi aceita mundialmente. Mas antes disso, e por natural efetividade, comemora-se a amizade nas festas de fim de ano não à toa chamadas de confraternização. Este termo vem de frater(irmão) e quer dizer a reunião dos que se consideram irmãos. Roberto e Erasmo Carlos selaram a pulsão fraterna ao criarem a canção “Amigo”: “Você meu amigo de fé, meu irmão camarada. Sorriso e abraço festivo da minha chegada. Você que me diz as verdades com frases abertas. Amigo você é o mais certo das horas incertas”(...). Esse é um dos testemunhos mais plenos do que realmente representa esse elo entre as pessoas. Porque é sabido que nem sempre o sangue familiar aproxima os parentes numa relação de acolhimento e dedicação. As vezes o sentimento de um familiar se choca com a contradição entre o que espera de sua outra “pele” e com o que recebe dela. Trata-se de uma política humana identificar quem é quem nesse tipo de relacionamento a manter-se entre as pessoas um sentimento de lealdade e de proteção. Não que sejam exatamente iguais em gostos e vontades, mas as vezes são as ideias compartilhadas, sentimentos divididos, carências superadas.
O nascimento de Jesus, para os cristãos de todos os matizes, tem sido usado como a festa dos amigos. E os gestos de saudação que entre si são trocados pelas pessoas demonstram o reconhecimento de que alguma coisa poderá ser repartida em nome de quem teve a missão de salvar o mundo da mesquinhez de atitudes hostis. No tempo de celebração, há exemplos de superação dessas estreiteza de espírito, como visto no que escreveu Charles Dickens (1812-1870) em 1843, no clássico “Christmas Carol”, o mais festejado “conto de Natal” em que Ebenezer Scrooge, um homem avarento que abomina essa época, procura se redimir ao saber, por passe de mágica, que na sua posição de avaro, e por isso mesmo isolado de todos, estaria desperdiçando bons momentos na vida e se encaminhando para um triste fim.
Neste século persiste a comemoração na confraternização natalina com as mesmas virtudes e defeitos do passado, seja no espaço de boa vontade a lembrar o epilogo da história de Dickens seja pela amnésia crônica refletida logo que se retire a marca da folhinha.
A frase “Gloria a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade” vem do Evangelho de Lucas 2/14. Os pastores que receberam a boa nova do nascimento de Jesus viram os anjos cantarem dessa forma. Obviamente é o momento da união pelo bem, pelo amor a Deus e pelas palavras divinas do amor ao próximo.
Em plano geral, observa-se, no mundo moderno, a perene ameaça de guerras, sejam conflitos entre países, seja o medo de um embate mundial com as armas de destruição em massa. O progresso nesse ponto parece muito pouco, ressaltando-se apenas a estreita relação entre nações por conta de avanços no terreno geográfico.
É hora, portanto, de união para festejar a amizade. Em diversas categorias profissionais as pessoas marcam encontros para agradecer a chance de estar juntas em mais uma etapa de vida. Pode ser que nessa hora ninguém lembre de um momento em que a própria amizade tenha se experimentado num embate ou numa desconfiança. E o melhor da festa está justamente na capacidade de perdoar senões e aquilatar que há uma base de união, há um trabalho em comum por diversos fatores de atividade.
Sabemos de nossas viscerais diferenças com uns e outros, do mesmo modo como se expressam nossas impressões orgânicas. Mas o valor da confraternização é sobrepujar essas diferenças e rever o que de melhor se tem de cada um. Esta valorização de carater é capital no instinto que preza o abraço de Boas Festas. Que assim seja a todos nos próximos dias. Como disse Madre Teresa de Calcutá: “As palavras de amizade e conforto podem ser curtas e sucintas, mas o seu eco é infindável”.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 20/12/2013)


sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

CRITÉRIOS DE DIREITOS E CIDADANIA




Em 10 de dezembro de 1948, a ONU adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O mundo ainda se debatia nos recentes episódios da 2ª Guerra mundial e as nações se preocuparam em selar pactos que propiciassem a defesa do que se constituiam nos direitos fundamentais da pessoa humana. Estes foram traduzidos, segundo T.A. Marshall, entre os direitos civis (como o direito à vida, segurança, justiça, liberdade e igualdade), políticos (o direito à participação nas decisões políticas), econômicos (direito ao trabalho), sociais (direito à educação, saúde e bem-estar), culturais (direito à participação na vida cultural) e ambientais (direito a um meio ambiente saudável). Ou seja, no regime democrático trata-se de direitos fundamentais o viver com dignidade, respeito e proteção aos bens físicos e pessoais independente de origem social e econômica, raça, etnia, gênero, idade, credo religioso, orientação ou identidade sexual e ideologia política.
Embora a noção de direitos faça parte das condições da vida humana, ela esteve presente, dizem alguns pensadores, ao longo dos últimos três milênios civilizatórios. Foi no período axial, segundo Fábio Konder Comparato, entre 600 a 480 a.C. que se estabeleceram os grandes princípios e as diretrizes fundamentais da vida até hoje em vigor. Sua referência evidencia a coexistência, sem comunicação entre sí, dos maiores pensadores de todos os tempos entre os quais destaca Zaratrustra (Pérsia), Buda (Índia), Lao Tsé e Confúcio (China), Pitágoras (Grécia) e o dêutero Isaias, o profeta (Israel), cujas idéias se desdobraram em ensinamentos e doutrinas de apoio às diretrizes fundamentais da vida humana (cf. Comparato, F.K. A Afirmação histórica dos Direitos Humanos, Ed. Saraiva 2010). O filósofo alemão Karl Jasper (1883-1969), da escola do existencialismo e do neokantismo, refere o período axial com a raiz primária responsável pelo “mais rico desabrochar do ser humano”.
Embora um retrospecto acronológico para tratar desse tema que ainda é hoje considerado controverso, por alguns (há os que questionam o direito a tratar bem os delinquentes e presos etc.), na verdade, o mote é a avaliação do que essa situação dos direitos humanos tem fomentado para pensar os direitos de cidadania, nas sociedades democráticas.
A síntese do documento de 1948 evidencia o teor dos 30 artigos nele contidos. Veja-se: “A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.”
Essa súmula remete ao que consta, por exemplo, na Constituição brasileira de 1988, Título I - Dos Princípios Fundamentais. “Art. 3º: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
         Os elos são claros entre os dois documentos sobre como prover e o que prover quanto aos benefícios necessários ao desenvolvimento da pessoa humana. A ênfase da súmula do documento de 1948 é o atingimento dos beneficios a todos/as através do ensino e da educação que serão as ferramentas para a promoção dos direitos e liberdades e, subsequente, a adoção de ações para a garantia progressiva das mesmas. Na constituição brasileira, em que pese todos os itens serem vitais para a preeminência dos direitos fundamentais, a formulação do primeiro e do quarto item envolvem uma grande eficácia para a garantia da cidadania.
Nesse patamar aproximo os dois valores – direitos e cidadania – usando a argumentação de um dos maiores pensadores brasileiros, o historiador, cientista político e acadêmico (ABL) José Murilo de Carvalho, que em seu livro “Cidadania no Brasil. O longo Caminho” ( 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, 226 pag.), ao criar o que ele chama de “mapa da viagem” argumenta desde os primeiros passos da cidadania no Brasil e conclui com a “cidadania na encruzilhada” (quem tiver interesse no livro está numa cópia on line). Para esse historiador, a “Cidadania plena: combina liberdade, participação e igualdade para todos” e, enquanto ideal ocidental se torna um parâmetro quase inatingível, mas importante de ser perseguido. Se o individuo só possui um dos direitos (dentro daquele conjunto explorado na dimensão dos direitos civis, políticos e sociais) então é um “cidadão incompleto”. Por outro lado, se não se acha em nenhuma dessas dimensões é um “não-cidadão”.
Para José Murilo, contudo, “O exercício de certos direitos, como a liberdade de pensamento e o voto, não gera automaticamente o gozo de outros, como a segurança e o emprego. O exercício do voto não garante a existência de governos atentos aos problemas básicos da população”.  (...)
A argumentação que é feita nesse teor espera mostrar que as demandas por políticas públicas que emergem em cada tempo das preocupações dos movimentos sociais e identitários organizados têm sido uma salvaguarda para que direitos e cidadania sejam estabelecidos e distribuidos pelo estado-nação contemplando aqueles/as que ainda são cidadãos de segunda categoria ou não-cidadãos e, consequentemente, ainda estão de fora dos beneficios do sistema político-social. Afinal, o bem estar dos indivíduos deve ser a razão de ser de uma sociedade que se preocupa com os humanos direitos.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal", de 06/12/2013)

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

MEDIDA PARA O ENSINO SUPERIOR



http://histblog.blog.uol.com.br/ - Mulheres & a educação no Brasil

A cada ano, desde que as filhas cresceram, o processo da educação formal se tornou para mim uma preocupação familiar, ao lado da saúde e da formação moral. O seguimento das normas que em cada período se instauravam nos colégios onde estudavam desde que a idade se configurasse nos padrões da compreensão e do aprendizado fazia parte desse procedimento que se tornava vinculado ao exigido formalmente. O acompanhamento desse processo estudantil atingia o ensino superior e então, criava-se um novo posicionamento para as áreas de conhecimento que cada uma delas elegia como sua linha de identificação com a práxis profissional. A entrada na carreira universitária exigia uma prova de qualificação para avaliar o nível de entendimento e formação para o acesso a esse novo estágio de aprendizagem. Era o vestibular. Em anos seguidos êxitos foram alcançados e as jovens se tornaram profissionais em cada eixo de conhecimento. Presentemente, a nova geração, no caso, os netos e netas passaram a ser parte dessa população que aspira alcançar um curso superior, ontem somente à escola pública, hoje proliferando o ensino superior privado.
Historicamente, esse processo seletivo foi marcado não só para abranger a ascensão universitária, mas em confirmação aos níveis interescolares de alunos/as interessados em transferir-se de escola. No meu caso particular, na década de cinquenta, saindo de uma cidade para a capital em busca de continuar os estudos (curso elementar para o ginasial ou médio, hoje) havia o célebre exame de admissão ao ginásio, que também era uma prática a que se submetiam os/as alunos e alunas concluintes da 5ª série primária e pretendiam seguir seus estudos. No meu caso e de muitos/as da minha geração, a cidade de Abaetetuba não possuía nenhuma escola que ministrasse o curso ginasial e a decisão familiar (conforme os recursos financeiros e/ou a possibilidade de moradia na capital, diga-se) era participar desse exame seletivo e classificatório para a ascensão escolar em Belém. No prosseguimento dos estudos em cursos como o pedagógico (não havia seleção ao Técnico e nem ao Científico) havia uma nova prova, agora chamada de vestibular, para a certificação de seleção na área escolhida. O exame de admissão ao ginásio e o vestibular para o Curso Pedagógico foram realizados no Colégio Santa Rosa, permanecendo por lá os sete anos de estudos preparatórios para um novo curso, no caso, o universitário, ao qual só depois de doze anos foi possível realizar. Para cursar o mestrado e o doutorado (cada momento desses em estágios de vida diferentes) outro tanto de provas de seleção e verificação de conhecimento e competência se tornaram as novas formas de ingresso no nível de pós-graduação e, também, contribuíram para a ascensão funcional na área profissional.
O que me levou a avaliar os caminhos já percorridos ao longo da vida considerando as decisões para o aprendizado além-fronteiras femininas e esforço em conhecer mais além do que me reservavam a situação de gênero e de geração, foi intencionar refletir sobre como se estabeleceram muitos indicadores que hoje se observam para a escalada universitária.
Segundo alguns historiadores foi o sistema Baccalauréat, assinado por Napoleão Bonaparte, em Decreto de 17 de março de 1808, que iniciou esse sistema com vistas ao ingresso de estudantes franceses e internacionais na educação superior, ao final do liceu (segundo grau e profissionalizante). Foi assumido, posteriormente, pelo Reino Unido, Alemanha, Portugal e demais países. No Brasil, o Decreto N. 8.659 - de 5 de abril de 1911, mais conhecido como Decreto Rivadávia (da Cunha Corrêa, o Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores do Presidente Hermes da Fonseca) aprovou a Lei Orgânica Superior e do Ensino Fundamental na Republica.
O Art. 65 desse decreto considera: “Para concessão da matricula, o candidato passará por exame que habilite a um juizo de conjuncto sobre o seu desenvolvimento intellectual e capacidade para emprehender efficazmente o estudo das materias que constituem o ensino da faculdade.” Nos parágrafos 1º e 2º constam o modo de aplicação e a indicação da comissão responsável pela elaboração e fiscalização desse exame.
Esse decreto continha 140 artigos registrando os seguintes itens: “Organização do ensino - Autonomia didactica e administrativa - Institutos de ensino superior e fundamental - O Conselho Superior do Ensino - O patrimonio, sua constituição e applicação.”
Se o esforço político aos exames de acesso ao ensino superior evidenciava a formação do alunado de um modo geral, nessa fase já estavam incluindo as mulheres que não integravam desde o início a massa escolar. Veja-se, por exemplo, datas históricas que marcam a entrada desse gênero nas reivindicações pela inclusão à educação: no século XVIII, na Inglaterra, a escritora britânica Mary Wollstonecraft lança o seu “A Vindication of the Rights of Woman” (Reivindicação dos Direitos da Mulher) onde ela defende a educação para as meninas e jovens como meio de aproveitamento de seu potencial humano. Isso prova a deficiência do número de mulheres nas escolas devido a essas regras. E no Brasil, só em 1827 vai surgir a primeira lei sobre a educação das mulheres, permitindo às brasileiras a frequência às escolas elementares visto que as instituições de ensino mais adiantado lhes eram proibidas.
Entre a permissão aos estágios escolares via exames e as leis de concessão à educação evidencia-se um formato elitista na história dessa área de conhecimentos.


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

NÃO VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER



O dia 25 de novembro foi denominado o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher homenageando três irmãs, ativistas políticas: Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, brutalmente assassinadas pela ditadura de Leonidas Trujillo, na República Dominicana. O fato que culminou nesse episódio trágico originou-se de um agravo sofrido por Minerva, assediada por Trujillo durante o “Baile do Descobrimento”, em 12 de outubro de 1949, para o qual fora convidada toda a família. Impulsiva, a jovem repele injuriada o ditador e, então, toda a familia foge do baile antes do final, atitude vista pelos órgãos oficiais como afronta dos Mirabal ao governo. A partir desse incidente as três mulheres e seus familiares passam a sofrer forte repressão. Perdem a casa e os recursos financeiros, contudo, num olhar pelo país percebem o abalo no sistema econômico em geral, com o governo de Trujillo levando ao caos financeiro. Elas formam, então, um grupo de oposição ao regime tornando-se conhecidas como Las Mariposas. Por diversas vezes foram presas e torturadas, mas não deixaram de lutar contra a ditadura. Decidido a eliminar essa oposição, Trujillo manda seus homens armarem uma emboscada às três mulheres, interceptando-as no caminho da prisão onde iam em visita aos maridos. Conduzidas a uma plantação de cana de açucar foram apunhaladas e estranguladas em 25 de novembro de 1960. Esse fato causou grande impacto entre os dominicanos que passaram a apoiar as idéias das jovens, reagindo às arbitrariedades do governo e, em maio de 1961, o ditador foi assassinado.
Em 1981, durante o Primeiro Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho, realizado em Bogotá, Colômbia, o episódio foi relembrado sendo a data proposta pelas participantes do encontro para se tornar o Dia Latino-Americano e Caribenho de luta contra a violência à mulher. A Assembléia Geral das Nações Unidas (em 17 de dezembro de 1999) também declarou o 25 de novembro o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, em homenagem ao sacrificio de Las Mariposas.
A tragédia que se abateu sobre as irmãs Mirabal há 51 anos se por um lado configura-se um ato de violência política, também pode ser visto como violência institucional (embora esta inclua outros aspectos infringidos às mulheres), haja vista que foi cometido por forças de um governo constituido. E a partir dele fez eclodir entre os movimentos sociais mundiais o combate às demais formas de violência que se abatiam contra esse gênero.
A violência é um termo polissêmico e o seu uso aponta para as formas diferenciadas de constrangimentos morais, coativos ou através da força física explícita, aplicada por uma pessoa contra outra, num ambiente que pode ser tanto público - no contexto social e político – como privado, no espaço familiar.
Esta percepção levou ao reconhecimento de que certos comportamentos nas relações sociais, embora fossem vistos como “naturais” tramavam contra a dignidade humana. A denúncia dos movimentos de mulheres ao tratamento que muitas mulheres recebiam nos locais de convivência, impedidas de participar de determinada atividade, e/ou em casa, quando agredidas pelo marido, pelos filhos ou pais por não fazerem as tarefas domésticas e/ ou por ciúmes, essas atitudes passaram a ser denunciadas como atos de violência recebendo o tratamento devido de entidades governamentais e ONGs ao considerarem essas condutas destrutivas da condição humana.
Conferências, convenções, acordos, cartas constitucionais e demais documentos internacionais foram abrigando discussões e fundamentos legais para a erradicação das formas de violência que acometiam as mulheres. A Conferencia Mundial de Direitos Humanos de Viena (1993) criou o slogam considerando que "os direitos da mulher também são direitos humanos". E em 9 de junho de 1994 foi assinada pela ONU a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará porque a Assembléia Geral desse órgão foi realizada nesta cidade. O documento levou em consideração “o amplo processo de consulta realizado pela Comissão Interamericana de Mulheres desde 1990 para o estudo e a elaboração de um projeto de convenção sobre a mulher e a violência”.
Os dados sobre a violência doméstica no Brasil são muito sérios. E já são bem visíveis entre a população. As evidências de que os/as brasileiros/as já reconhecem diferentes formas de agressão como sendo violência doméstica são apontadas na pesquisa do Instituto Avon-IPSOS – “Percepções Sobre A Violência Doméstica Contra A Mulher No Brasil” – realizada de 31/01 a 10/02 de 2011, em 70 municipios das 5 regiões brasileiras, entre homens e mulheres com 16 anos ou mais. Segundo o relatório: “entre os diversos tipos de violência doméstica sofridos pela mulher, 80% dos entrevistados citaram violência física, como: empurrões, tapas, socos e, em menor caso (3%), até a morte. Ou seja, a violência física é a face mais visível do problema, mas muitas outras formas foram apontadas. 62% reconhecem agressões verbais, xingamentos, humilhação, ameaças e outras formas de violência psicológica como violência doméstica, assim como a sexual e a moral”. Para a maioria, esses atos são vistos como uma questão cultural (50%), e consideram que o homem ainda se acha “dono” da mulher (41%) (cf.www.institutoavon.org.br )
A REDEH e o Instituto Magna Mater lançaram o ano passado a campanha “Quem ama abraça” objetivando a atenção da população para o seguinte quadro: “a cada duas horas, uma mulher é assassinada no Brasil; seis em cada dez brasileiros conhecem alguma mulher que foi vítima de violência doméstica; 30% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica; a cada dois minutos, cinco mulheres são violentamente agredidas no Brasil”. Isso ainda é alarmante.



(Texto já publicado em O Liberal-2012 e neste blog, em 2012) 

domingo, 24 de novembro de 2013

TEORIAS SOBRE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA




Os estudos sobre a questão de gênero têm me levado a examinar inúmeros temas sobre a situação da mulher, embora a minha “seara” seja a política formal ou, mais específicamente, o comportamento político feminino – base da minha pós-gradução. Desses temas que tenho adentrado por força da militância, o enfoque sobre as mulheres em situação de violência, tem favorecido algumas reflexões gerais e pontuais. As descobertas desse campo de estudos implicam na imersão em várias áreas de conhecimento não só o das Ciências Humanas, mas das Ciências da Saúde e de todas aquelas que favorecem o reconhecimento da importância de tratar do principio norteador dos direitos humanos.
Na recente intervenção sobre o tema da violência de gênero, minha preparação se baseou em dois textos recentes da literatura brasileira sobre o assunto e alguns pontos levantados pelas autoras me proporcionaram a ampliação de meus conhecimentos no campo do que uma delas chamou de “paradigma da violência contra a mulher”. Tratar do assunto hoje se justifica porque no próximo dia 25 celebra-se o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher devido o ato cometido contra as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa, “Las Mariposas” que na República Dominicana foram perseguidas, presas e brutalmente assassinadas a mando do ditador Rafael LeónidasTrujilo a quem faziam oposição.
O fato que culminou nesse episódio trágico originou-se de um agravo sofrido por Minerva, assediada por Trujillo durante o “Baile do Descobrimento”, em 12 de outubro de 1949, para o qual fora convidada toda a família. Impulsiva, a jovem repele injuriada o ditador e, então, todos fogem do baile antes do final, atitude vista pelos órgãos oficiais como afronta dos Mirabal ao governo. A partir desse incidente as três mulheres e seus familiares passam a sofrer forte repressão. Perdem a casa e os recursos financeiros, contudo, num olhar pelo país percebem o abalo no sistema econômico em geral, com o governo de Trujillo levando ao caos financeiro. Elas formam, então, um grupo de oposição ao regime tornando-se conhecidas como Las Mariposas. A data foi proposta por organizações de mulheres de todo o mundo, reunidas em Bogotá, Colômbia, em 1981 e proclamada em 1999, pela Assembleia Geral da ONU.
A área temática dos estudos sobre violência contra as mulheres expandiu a literatura mundial sobre o assunto e desde o início dos anos 80, no Brasil, tornou-se expressivo o combate a esses fatos com o objetivo de dar visibilidade à situação de violência. Nos estudos e pesquisas iniciados nesse período são evidenciadas as denúncias de violência contra as mulheres através do levantamento de dados nos distritos policiais e, principalmente, na primeira delegacia da mulher do Brasil (e do mundo) criada na cidade de São Paulo, em agosto de 1985. A tarefa primordial dessas pesquisas era conhecer quais eram os crimes mais denunciados, quem eram as mulheres que sofriam a violência e quem eram seus agressores. Entre as acadêmicas responsáveis por esses estudos as teorias para basear as análises revelavam-se importantes. Assim, Cecília MacDowell Santos e Wânia Pasinato Izumino (2005), identificam três correntes teóricas que foram usadas na análise dos dados coletados: 1) corrente da dominação masculina; 2) corrente dominação patriarcal; 3) corrente relacional.
A dominação masculina é a primeira corrente teórica observada de um artigo de Marilena Chauí - "Participando do Debate sobre Mulher e Violência” focando a violência contra as mulheres com a evidência resultante “na anulação da autonomia feminina que passa a ser concebida tanto como "vítima" quanto como "cúmplice" da dominação masculina”. Para a autora, a “concepção da violência contra as mulheres é resultado de uma ideologia que define a condição "feminina" como inferior à condição "masculina“.
A corrente dominação patriarcal foi introduzida no Brasil pela socióloga Heleieth Saffioti (1934-2010) sustentando uma perspectiva feminista e marxista do patriarcado. Dizem Izumino & Costa que a autora vincula a dominação masculina aos sistemas capitalista e racista apontando que "o patriarcado não se resume a um sistema de dominação, modelado pela ideologia machista. Mais do que isso, ele é também um sistema de exploração. (...)” Para Saffioti: “as mulheres se submetem à violência não porque "consintam“, mas  são forçadas a "ceder" porque não têm poder suficiente para consentir”.
Quanto à corrente relacional relativiza a perspectiva dominação-vitimização sendo exemplificada no trabalho de Maria Filomena Gregori, do início dos anos 90 – “Cenas e Queixas: Um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista” (1993). Como observadora e participante do SOS-Mulher de São Paulo, entre fevereiro de 1982 e julho de 1983, a autora “analisa as contradições entre as práticas e os discursos feministas na área de violência conjugal e as práticas das mulheres que sofrem violência com base em sua experiência” e constata que as mulheres atendidas “não buscam necessariamente a separação de seus parceiros”. A partir de entrevistas com as mesmas, a autora argumenta que elas “não são simplesmente "dominadas" pelos homens ou meras "vítimas" da violência conjugal”. Ou seja: “ao denunciar a violência conjugal, elas tanto resistem quanto perpetuam os papéis sociais que às vezes a colocam em posição de vítima”.
Este resumo não dá conta de toda a exposição de Izumino & Costa, mas demonstra que a violência contra a mulher se processa em análises acadêmicas contributivas que têm rompido com alguns paradigmas conceituais.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal", no dia 22/11/2013)

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

AS CRISES POLITICAS E A IMPRENSA PARAENSE


Magalhães Barata e a criação de "O Liberal".

 Em 12 de novembro de 1930, Joaquim de Magalhães Cardoso Barata se tornava o interventor do Pará, recebendo o governo das mãos da Junta Governativa que assumira em 28 de outubro desse ano, após a deposição dos “carcomidos”, defenestrados pela Revolução. A preocupação do interventor – para ele uma “missão” - era seguir a filosofia dos revolucionários desmontando a máquina administrativa do período precedente. Então, todas as medidas que tomou a partir daí visavam criar uma nova estrutura de poder articulada com os elementos do ideário político liberal. O atrelamento das massas populares ao Estado era uma delas, franqueando a entrada ao Palácio a qualquer pessoa, ouvindo as queixas do povo, desde problemas domésticos até as denúncias mais graves, procurando interferir e apresentando soluções. Mas houve também atos político-partidários adotados, como o de confiscar o edifício onde estava situada a sede do Partido Republicano Federal (PRF) e o órgão de imprensa desse partido, o "Correio do Pará". A luta anti-oligárquica das propostas do ideário das classes comprometidas com a revolução de trinta tinha por convicção, entre outras coisas, quebrar com a desordem política e eleitoral atribuída às agremiações partidárias existentes na República Velha, chefiadas pelas oligarquias regionais. E o PRF integrava-se a essa classe decaida. Destarte, o interventor estava convencido de que o regime ditatorial de governo era a melhor forma de eliminar para sempre os desmandos das administrações passadas. Daí porque somente em 06 de dezembro de 1931 é criado o Partido Liberal, sob coação dos constitucionalistas liberais que pressionavam por eleições diretas e pela criação de partidos políticos.
Essa postura autoritária e centralizadora do Interventor Magalhães Barata tende a criar, desde os primeiros momentos da vitória do movimento de trinta, algumas fraturas no bloco dos revolucionários no poder. Em junho de 1931 há dissidências internas nesse bloco, motivando graves indisposições entre os próprios companheiros de lutas e, a cada situação, as hostes dos revolucionários deixavam de apresentar a coesão dos primeiros momentos.
Nesse clima se inscrevem as tensões entre o governo da interventoria e a imprensa local, mais enfaticamente o Jornal “Folha do Norte”(1896-1974), fundado por Eneas Martins, Cypriano Santos e outros, tendo na direção o jornalista Paulo Maranhão, anteriormente um antagonista ferrenho de Eneas (governador do Pará eleito com mandato de 02/1913 a 02/1917). Este jornal passou a ser o veículo opositor do governo de Magalhães Barata, deixando de noticiar os feitos deste à frente do Estado, ao tempo em que publicava editoriais violentíssimos contra o interventor. O recurso aplicado foi utilizar o Diário Oficial do Estado como instrumento veiculador das políticas implantadas pelo governo e/ou publicar as medidas punitivas contra os/as que dissentiam de suas ordens.
Há inúmeros casos que remetem a essa situação, usados pela “Folha do Norte”, demonstrando o autoritarismo de Barata. Nesse jornal, na coluna "Ecos e Notícias", do dia 21 de dezembro de 1934 há o seguinte registro: "Com a nota 'por conveniência do ensino' foram exoneradas as seguintes professoras: Maria de Lourdes Santos, da Escola Mista da Colônia Inglês de Souza; (...) transferidas as normalistas Gervásia Alves Ferreira, professora do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, desta capital, para servir no Grupo Escolar de Marabá, e Angeolina Barroso Pereira, para o Grupo de Vizeu". Este dispositivo representava as justificativas incluídas nos decretos das exonerações e/ou transferências ou nomeações de professoras feita pela Interventoria. O governo poderia requisitar uma professora de Belém para Marabá, transferindo-a "por conveniência do ensino", mas, nesses termos, estaria incurso uma medida coercitiva, no caso de a referida professora ter se insurgido contra determinações do Interventor e o meio de afastá-la obedecia à "conveniência do ensino". Este detalhe coercitivo constatei em entrevistas (e cartas à “Folha do Norte”) de várias mestras punidas com esses atos, como Naide Vasconcelos, Maria Helena Coelho, Anunciada Chaves e Helena Sousa.
Magalhães Barata deixou a interventoria na crise política deflagrada em abril de 1935, quando os deputados de seu partido se aliaram aos opositores não o indicando ao governo do estado. Ele ficaria de fora da política ostensiva até 1943 quando retornou ao Pará numa segunda interventoria. Procurou estabelecer as regras eleitorais sob as bases de sua conduta de líder, mantendo a organização partidária com uma postura autoritária. O multipartidarismo implantado em 1945 conduziu Magalhães Barata ao PSD, articulando o processo que garantiu o domínio desse partido durante todo o período em que esteve na liderança. É nesse período que novas articulações se acham em jogo para calar a voz de seu opositor, Paulo Maranhão, na “Folha do Norte”, considerando-se que a redemocratização do Brasil se tornara uma exigência internacional a Getúlio Vargas.
A ideia dos líderes baratistas agregados ao novo partido era criar um jornal que se tornasse o seu porta-voz, uma tribuna pública e partidária reagindo à ofensiva da “Folha”. É nesse momento que surge “O Liberal” para defender seu líder. Magalhães Barata convoca seus correligionários mais fiéis para a criação do jornal que circula em Belém e maior parte do Pará desde novembro de 1946, tornando-se o veículo político desse grupo. Depois da morte de Barata, em 1959, e destituido de suas caracteristicas inciais, “O Liberal” passou a integrar, em 1966, a Delta Publicidade, de Rômulo Maiorana.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal", em 15/11/2013)

sábado, 9 de novembro de 2013

A LEI DA FICHA LIMPA E O ELEITORADO





As caminhadas diárias de taxi no percurso casa-UFPA-casa oportunizam meu contato (extraído de conversas que travamos nesse caminho) com uma categoria que de alguma forma conta com muitas informações e posições: a dos taxistas. Alguns já foram candidatos a algum cargo de representação política e/ou sindical, outros se acham céticos diante da política enquanto fator de mudanças exemplificado pelo desmando de gestão, outros apontam a categoria de “políticos” como a que deveria trabalhar sem receber salários considerando-os profissionais liberais com uma ocupação e/ou uma empresa. Há outro grupo que está preocupado com as evidências de leis que não estão sendo aplicadas para banir, do espaço político, as figuras corruptas que ainda permanecem nos cargos eletivos, sendo apontadas como responsáveis por desvio de recursos. Quando me perguntam qual a área em que me vinculo na universidade e informo que é a ciência política, as questões demandadas são sempre sobre o que penso de tal ou qual assunto nessa linha da corrupção, eleições e impunidade. E citam a Lei da Ficha Limpa como uma provável força legal para debelar essas presenças abomináveis e/ou presenças criminosas (como referem) da representação parlamentar e/ou executiva. Ouvi de um desses “acompanhantes de percurso” a seguinte declaração: “mesmo com essa lei, há previsão de retorno desse pessoal corrupto porque eles se tornam inelegíveis por um tempo podendo voltar quando cumprirem essa exclusão de direitos políticos. Então eles vêm mais fortes, visto já terem aprendido outros truques” (mais ou menos nessa ordem de ideias).
O que é questionado por esses interlocutores é essa perspectiva da não aplicabilidade da Lei, em alguns casos, ou do julgamento favorável a outros casos e/ou do tempo de exclusão da cidadania política com a supressão dos direitos políticos por poucos anos. Para eles, estes corruptos deveriam ser banidos da política porque através de sua ação de improbidade administrativa se tornam responsáveis por vários crimes como a do desvio de recursos de setores como a Educação, a Saúde, a Segurança Pública (e outros ainda) e, consequentemente, da morte de tantas pessoas necessitadas e/ou submetidas a uma vida miserável. Recursos para a construção de um hospital, por exemplo, necessário para uma determinada comunidade sem nenhuma agencia de saúde nem médicos para cuidar dos doentes, são extraviados para contas particulares desses supostos representantes do povo.
Na verdade, a exclusão definitiva de qualquer brasileiro de seus direitos enquanto cidadão não é regido pelo sistema democrático em que vivemos. Dizem meus argumentadores que o fato de aos políticos corruptos ser aplicada uma sentença condenatória tão baixa (8 anos) a medida não estará subtraindo ou extirpando essas figuras do cenário político, pois elas tendem a retornar. E qual medida seria útil num caso desses?
Creio que o passo foi dado na identificação da malversação dos recursos públicos em processos de punição contra os que antes se mantinham idôneos e serem denunciados pela sociedade. Sabe-se que a origem da Lei da Ficha Limpa começa com a mobilização de diferentes setores da sociedade civil brasileira nos anos de 1996 e 1997, através da campanha “Combatendo a corrupção eleitoral”, pela Comissão Brasileira Justiça e Paz da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil/CNBB, uma continuidade à Campanha da Fraternidade (1966) da prórpia CNBB (“Fraternidade e Politica”). Objetivava a punição de políticos que se aplicaram na má administração da gestão pública, no aumento da idoneidade dos candidatos e no combate à corrupção no país. Em abril de 2008, essa empreitada ganhou força com a chamada “Campanha Ficha Limpa”, liderada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE, sendo criado o Projeto de Lei de Iniciativa Popular n.º 519/09 (de autoria do juiz Marlon Reis) reunindo-se cerca de 1,3 milhão de assinaturas. Neste caso, estabeleciam-se critérios de impedimento aos candidatos que esperavam o retorno a algum cargo público – Lei das Inelegibilidades, ou seja, a Lei Complementar n.º 64, de 18 de maio de 1990, que estabelecia “de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação” determinando “outras providências”. Sancionado pelo Presidente da Republica foi transformado em Lei Complementar nº 135, de 04/06/2010. Esta lei proíbe que políticos condenados em decisões colegiadas de segunda instância possam se candidatar a cargos eletivos, torna inelegível por oito anos um candidato que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação. O STF considerou a lei constitucional no ano passado.
Um dos maiores defensores da Lei da Ficha Limpa, o Ministro Ricardo Lewandowski destacou: “Ao aprovar a Lei da Ficha Limpa, o legislador buscou proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato e a normalidade e legitimidade das eleições. (...)”  
Desse modo, aos meus argumentadores tenho dito que somente uma lei não reverte de imediato uma cultura quase centenária de barganhas fraudulentas, mas ajuda na consciência política do eleitorado em não votar neste ou naquele candidato/a reconhecido/a por façanhas antiéticas. A força do expurgo é nossa, nossa decisão em eliminar os mafiosos no poder.



sexta-feira, 25 de outubro de 2013

MULHERES E O COMBATE À EXPLORAÇÃO




É voz corrente que o dia 8 de março é o dia internacional da mulher, cujas comemorações, em cada ano, são sempre pontuais para celebrar as conquistas deste gênero, mas também para refletir e avaliar até que ponto as lutas pela eliminação de todas as formas de violência, preconceito e discriminação já foram abolidas do cotidiano feminino. Sabe-se que a Organização das Nações Unidas – ONU – desde 1975, entrou na luta pela publicização das campanhas em prol de ações e socialização das formas de combate à exploração da mulher, formulando em uma convenção específica, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (que entrou em vigor em 1981), a criação de várias datas dedicadas à reflexão sobre a condição feminina. É assim que durante o ano todo, a sociedade mundial tem observado que os movimentos de mulheres e feministas fazem constar em suas agendas, as pautas de reivindicações para evidenciar as demandas sobre os direitos humanos que ainda não aconteceram regularmente na vida das mulheres e/ou estão em pendências de politicas públicas para o saneamento da desigualdade. A saúde, a educação, o trabalho, a violência doméstica e sexual, os direitos humanos de um modo geral têm se tornado pontos focais de dias específicos marcados pelos reclamos de que ainda há arestas a serem aparadas nas relações sociais com base nas relações de gênero traduzidas em relações de poder. Em que pese tantas conquistas, as datas comemorativas são tomadas como instantes de utilizar os meios positivos de informação e reflexão sobre o que ainda se traduz como abuso de tratamento a esse gênero. Assim, o dia 25 de outubro recebeu da ONU mais um mérito de valorização e disseminação de reflexão se constituindo como o Dia Internacional Contra a Exploração da Mulher.
Entre os vários panfletos e documentos que fazem parte da avaliação crítica em torno desse processo de exploração feminina há aqueles que históricamente refletem um passado de reforço ao tratamento hierarquizado nas relações de gênero denotando o que se traduz para a recorrência a esta visão de ações “naturalizadas” sobre as mulheres. Esta posição é seguida, também, por algumas téoricas que estudam a questão das mulheres. Por exemplo, ao serem vistas ao sabor das diferenças físicas a partir da biologia – sexo masculino e sexo feminino –, na tradição do pensamento patriarcal, consideram que os papéis que elas e eles representam se mantém numa ordem normativa sem questionamento à naturalização dos mesmos. E dessa perspectiva são mantidas as facilidades para o processo de exploração das mulheres. É o caso de se entender certas análises de teóricas como Carol Gilligan (“Uma Voz Diferente”, 1982) que ao explicar os diferentes modos de desenvolvimento moral dos meninos e das meninas, em termos de diferenças de “experiências” (de realidade vivida) constrói sua argumentação ao afirmar: “a experiência das mulheres levam-nas a fazer escolhas morais que dependem dos contextos e das relações”, chegando a evidenciar: “as mulheres pensam e escolhem esse caminho porque elas são mulheres”. Trata-se de uma noção a-histórica e essencialista sobre esse gênero. Como Gilligan, outros/as extrapolam sua própria descrição, com base em amostras pontuais de certas sociedades, no caso dela, de alunos norte- americanos do fim do século XX, para todas as mulheres. A historiadora Joan Scott enfatiza criticamente: “Essa extrapolação é evidente, particularmente, mas não exclusivamente, nas discussões da “cultura feminina”, levadas por certos(as) historiadores(as) que coletando seus dados desde as santas da Idade Média até as militantes sindicalistas modernas, os utilizam como prova da hipótese de Gilligan que diz que a preferência feminina pelo relacional é universal.”
Em outras palavras, a representação da sociedade reproduz um status quo feminino ancestral “porque somos mulheres”. Trata-se de uma inconguência haja vista que essa “cultura feminina” foi imposta desde tempos pretéritos sobre os costumes e as normas de que nós mulheres deveriamos seguir sendo assim e não “assado” porque estava escrito no nosso corpo (no caso, a diferença de sexo). E quando as lutas pelos direitos se implantam, as mulheres que reivindicam são sumariamente avaliadas em uma representação negativa de seu gênero = revoltadas, mal-amadas etc.
No caso de pensar a luta contra a exploração da mulher, celebrado hoje, a ampla dimensão das desigualdades ainda se impõe. Por exemplo, a organização do lar, forma clássica para apresentar os dois sexos e que ainda hoje se encontra instituída num contexto de dominação: o lar e a maternidade (o espaço privado como o situs da mulher e a rua e a política, espaço público, o lugar do homem), reproduziu o confinamento da mulher e reforçou condições especificas para a esfera do privado. Nesse espaço a mulher reduziu-se a instrumento de reprodução da sociedade (por via biológica), sendo o trabalho caseiro, na ordem da hierarquia social e econômica considerado a menos importante das atividades. Esses são atributos ainda presentes em nosso meio e que tendem a configurar o processo de exploração da mulher.



sábado, 19 de outubro de 2013

PROFESSORES/AS E SEU DIA




Datas comemorativas há para tudo hoje em dia. O “Dia do Médico”, por exemplo, comemora-se hoje, 18/10. O Dia do Professor/a ocorreu no último dia 15. Ouve-se de louvores a impropérios para estes profissionais. Mas uma coisa é certa, conforme já li em uma frase em rede social: “Professor: o único profissional que forma todos os profissionais”. Mais visceral ainda encontra-se na célebre frase da goiana, poeta e contista Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas ou Cora Coralina “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. Saber, ensinar e aprender são ações mantidas pelos três verbos e intimamente relacionados no seu reverso. Porque para ela estão ligados a um qualificativo fundante do processo educacional ao tempo em que relaciona a prática formal e a informal dessa ação: “O saber se aprende com os mestres. A sabedoria, só com o corriqueiro da vida”.
Outro explicativo sobre o que é professor/a extraí do dicionário Houaiss. Entre sete referências objetivas e/ou com significados achei a que tem o indicativo que se conhece usualmente: professor: “aquele que transmite algum ensinamento a outra pessoa”. Logo abaixo, para o feminino desse substantivo, encontrei apenas duas indicações: professora – 1. mulher que ensina ou exerce o professorado (cargo no magistério). E, no regionalismo do Nordeste do Brasil, o uso informal do termo: 2.“prostituta com quem adolescentes se iniciam na vida sexual”. Veja-se que nesse significado já se observa a conotação sexista circulando em um compêndio coletor de vocábulos e conceitos composto de um “conjunto de unidades lexicais identificadas, organizadas e codificadas”, algumas (unidades), inclusive, criadas pela própria população.
Por que 15 de outubro a comemoração do Dia do Professor? É que nesse dia, em 1827, D. Pedro I assinou o decreto que criou o Ensino Elementar no Brasil. Pelo decreto "todas as cidades, vilas e lugarejos deveriam ter escolas de primeiras letras". E abrangia a descentralização do ensino, o salário dos professores, as matérias básicas que todos os alunos deveriam aprender, além de mencionar a forma de contratos. O problema é que nada foi cumprido. Somente em 1947 o Dia do Professor passou a ser comemorado com todos os direitos mencionados 120 anos antes. Esse festejo foi iniciado em São Paulo, na cidade de Piracicaba, sugerido pelo Prof. Salomão Becker, cuja frase ficou célebre: “Professor é profissão. Educador é missão”.
Presentemente, por coincidencia, os mestres do país reclamam por novos contratos de trabalho. Exigem aumento de salário e disposições que regulem a atividade. Há greve geral e o sindicato da categoria luta para que a classe seja ouvida. Devido a essa nova postura dos mestres de intentarem re-conquistar sua posição social e profissional são tachados de mercantilizar o ofício de educar, herança do clássico tratamento do magistério como “missionarismo”.
Quem assumiu a profissão e quem foi aluno/a noutra época pode revelar/tratar as/das varias faces da carreira onde se vislumbra quem ensinava sem diploma (as/os mestres leigas/os), quem se limitava ao alunado infantil no interior e na capital (ou grande município), quem trabalhava porque gostava de ensinar, tinha satisfação em ver um aluno vencer em carreira profissional.
Creio que o/a bom/boa professor/a encontra a felicidade no êxito do aluno/a. Ha satisfação em saber que o ensinado responde corretamente o que aprendeu e, mais ainda, o que partiu desse aprendizado para as suas próprias conquistas, ganhando um patamar intelectual que foi apenas sonhado por quem o iniciou no processo educacional.
Hoje a ciência e o mercado de trabalho exigem de quem ensina um grau de aprimoramento, ou atualização, que requer um permanente estudo. E o/a próprio/a aluno/a é bombardeado por diversas mídias com informações que muitas vezes conflitam com os primeiros ensinamentos, mormente em pequenas comunidades. Mas a sabedoria está na aferição de valores capaz de discernir o básico do que se acumulou culturalmente daí em diante. O saber, portanto, parte de uma constante permuta de informações legadas pelo tempo, embora a base dessa permuta esteja na velha cartilha que faz escrever o que se aprende formalmente, e também, no “corriqueiro da vida” (a base informal) como disse Cora Coralina.
Para o/a professor/a, portanto, as homenagens a que faz jus. A valorização de seu trabalho parte, primeiramente, do/a aluno/a. É, portanto, um processo relacional. O amor pelo ensino produz os frutos de uma profissão que se evidencia na felicidade de se deixar ver. Parabéns, portanto, aos mestres e mestras entre os/as quais me incluo há 35 anos.

(Texto originariamente publicado em O Liberal/PA em 18/10/2013)