sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A IDADE E OS PRECONCEITOS

Sou abaetubense, nascida e criada numa sociedade que se pode chamar de tradicional, levando em conta as normas e os costumes que depositavam no relacional das situações, pessoas e coisas, a dimensão dos valores herdados, dos hábitos transferidos de geração para geração em sintomas de verdadeiras assertivas sobre a continuidade do processo da vida na cidade. Essas formas de ser social institucionalizavam-se e se tornavam impregnes nas mentes e nas vivências sociais.

Fugir das tendências desses usos era infringir os valores dos nossos ancestrais e das regras interpostas nessa permanente integração com os costumes.
Desse tempo lembro alguns aspectos repassados às crianças sobre as pessoas idosas. O respeito aos mais velhos se representava pelo “tomar-lhes a benção”, pela obediência à sua fala (ou ordens), por certos comportamentos que deveríamos ter em função dessa pessoa – abaixar a voz em sua presença, dar-lhe o lugar para sentar, tomar-lhes a mão numa caminhada mais longa etc.

Lembro, contudo, algumas coisas inusitadas. Quando queríamos lembrar algo do “antigamente” era a essa pessoa a quem recorríamos visto que por suposto detinham a memória da família, da cidade, dos grandes acontecimentos.
Havia, contudo, alguma coisa ainda mais inusitada para nós, crianças: os/as idosos/as não saiam de casa com freqüência e por isso achávamos que eles/as já eram “muito velhos” – 70 anos já criava o “gueto” do abismo entre a vida e a morte.
Tínhamos em mente que eles/as estavam fadados à morte iminente. Bengalas eram objetos próprios de velhos/as. E por ai vai.

Na verdade, cada geração faz a sua própria maneira de conviver com as instituições e os valores sociais. E muitas evidências dessa tradição se transformaram em versões preconceituosas sobre essa faixa etária.

Pela legislação brasileira (Lei n. 10.741, de 1.º de outubro de 2003), idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Vale dizer que uma boa parcela dos nossos políticos é composta de idosos (as “balzaquianas” e os idosos vão decidir as eleições de 2010, diz José Eustáquio Alves). Isto não quer dizer que a idade tenha sempre influência na capacidade intelectual. Mas se os idosos podem legislar nem sempre eles podem usufruir de benefícios legais. Nem tanto pela ausência de dispositivos que privilegiem a idade, mas pelo antigo preconceito de que “velho é trapo” (no dizer popular de antigamente).

Hoje é comum os jovens chamarem os “bem mais velhos” de “tios”. Não é por se utilizar uma expressão carinhosa, mas por colocar a idade no patamar da referência. O modismo do século iniciante acha, por exemplo, que um computador de cinco anos já é velho. E se a máquina envelhece rapidamente, o ser humano com mais de 60 anos ganha pela maior eficiência da terapêutica uma expectativa de vida mais larga e por isso mesmo torna-se mais sujeito a ser visto como “ultrapassado”.

A música jovem dista dos ouvidos calejados, da mesma forma as artes cênicas e plásticas. Tudo bem que em cada tempo uma forma de expressão domine. Mas o que passou dentro desse prisma é desprezado. Desde que não ganhe o rotulo de “clássico” e se inscreva num museu.

O preconceito com o idoso atinge os dois gêneros, embora entre as mulheres se torne ainda mais estigmatizante. Mas é interessante observar outra forma de preconceito, esta, curiosamente (e não por ironia) mais velha: a referente ao novo. Se uma produção intelectual é criticada cabe muitas vezes o titulo de “imatura”, ganhando o autor a fama de que é “muito criança”.

Subestima-se sempre o menor e hoje a ciência médica começa a despertar para a inteligência dos bebês. Enquanto se discute esse assunto, resta dissipar a idéia de que trabalhos importantes feitos por jovens deixem de ser considerados pela idade dos autores.
O tema, com base na “idade mental”, é um vasto campo de estudo em diversas áreas. Assim como se critica o que é “velho” se critica no mesmo tom, o que é “novo”, neste caso assumindo o caráter de “imaturo”.

Pode-se simplificar a análise do preconceito etário com o privilegio de uma etapa entre os pólos da vida, afirmando que a pessoa produz mais, e se sente melhor, numa faixa etária entre os 30 e 50 anos. Não seriam os “tios”, ou os “sobrinhos”, mas os filhos/irmãos ou mesmo pais de uma geração. Índice que se aperta na aparência física de cada um ou no que as pessoas dessa idade costumam produzir. Uma forma bastante estreita de medir valores, e com isso demonstrar educação e sensibilidade.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

CHEFAS DE ESTADO

A teoria política conviveu durante muito tempo com o termo genérico “cidadão” – cuja classificação morfossintática é de um “substantivo masculino singular”. Secularmente as mulheres foram excluídas dessa categoria que designava de forma neutra os habitantes da cidade, herança dos gregos, criadores do modelo de organização da polis, reconhecendo o cidadão pelo direito à igualdade e à liberdade de participação política. Do comparecimento direto do coletivo para criar as leis comuns para toda a cidade (espaço político-social) à constituição de um corpo administrativo e independente (espaço político), com representação efetiva dos cidadãos no espaço público social, nortearam-se as explicações das relações humanas possíveis em mundos diferentes em suas práticas e determinações, seja numa cidade-estado grega, seja no Estado-Moderno e seja na contemporaneidade poliárquica.

As regras de aceitação na polis grega para a ação na esfera pública eram a liberdade e a igualdade (situadas exclusivamente na esfera política), diferenciadas da esfera privada (a esfera da necessidade) e o acesso à organização da cidade como sujeito político grego.

Neste modelo, definiram-se os atores que almejavam alcançar o cume da pirâmide e aqueles outros que circulavam nos degraus subseqüentes. Os reis filósofos são vistos como os únicos que podem ambicionar o governo da polis. São homens dotados de uma inteligência que só se equivale ao nível do Bem. A esfera da necessidade, embora importante nesse arcabouço porque diz respeito à sobrevivência humana, delega afazeres aos escravos e às mulheres, sendo estas vistas em tarefas “naturais” sem as qualidades exigidas para se constituírem integrantes da cidadania, embora responsáveis pela liberdade do homem grego em transitar na esfera pública.

O salto para o século XIX, com a luta pela conquista da cidadania agora pontificando o direito do voto, não foi um mero emblema de rebeldia das mulheres, mas uma insistente e progressiva maneira de questionar esses modelos e o termo genérico que motivou sua permanência de fora dos direitos sociais, civis e políticos, ou seja, desigualmente tratadas nos protocolos e convenções dos direitos humanos.

Ranços seculares desses padrões ainda hoje seguem ao lado das mulheres que estão ambicionando cargos na política formal. Mundialmente temos chefes de estado e chefes de governo em vários países somando-se mais de 25 mulheres. Nos parlamentos, ainda sub-representadas, têm usado as cotas partidárias para alicerçar a “política de presença”, no dizer de Ann Phillips, ou contribuindo para a reforma do sistema de listas eleitorais. No Brasil, gradativamente avançaram sem que essa forma de discriminação positiva ou ação afirmativa tenha conseguido eficácia no aumento dos percentuais de parlamentares femininas (8,5% à Câmara de Deputados). A demanda por cargos no executivo estadual e municipal sinaliza para os novos tempos. E nas três últimas eleições gerais, o poder executivo nacional – mais conservador e mais tradicional do que o poder legislativo – tem convivido com a candidatura de mulheres, rompendo-se com os velhos modelos de dimensionamento da competência intelectual pela indumentária quem vestem: saia ou paletó.

Nos últimos meses, algumas lideranças partidárias de ambos os sexos ensaiaram apelos discriminatórios para brindar uma das candidatas a esse cargo, no caso, descredenciando-a pela ausência de uma carreira política (falta de exposição do nome nas urnas) versus demanda por um cargo para a presidência da república. Isto não pode ser visto como uma perspectiva de creditar ausência de competência feminina para a gestão política. A exclusão secular das mulheres desse campo trouxe-lhes outras prioridades que não incluíram essa arena, apesar da participação delas em movimentos sociais e populares em demandas por direitos individuais e coletivos transformados em programas e políticas públicas. Dessa forma, não creio que nesta campanha eleitoral que já está começando as insinuações e a “pauleira” que tendem a ser levantadas entre os/as concorrentes a esse cargo serão articulados na perspectiva de gênero, mas a partir da competição entre os partidos opositores. Descredenciar as mulheres no páreo eletivo à presidência por sua condição de gênero é expedir um atestado de ignorância, falta de sagacidade política e maturidade intelectual.

Hoje a teoria política tem percebido o protagonismo das mulheres e tem ressalvado a versão de que ao tratar deste gênero está se referindo às cidadãs e à nova classificação morfossintática: substantivo feminino plural

(Texto publicado em "O Liberal" em abril, 2010)

domingo, 22 de agosto de 2010

ENTRE BLOGUEIROS E TWITTEIROS

A moda atual de redes de relacionamentos entre os internautas fez surgir o Twitter que pode ser criado sem qualquer ajuda de um profissional da área de informática. Todo mundo tem procurado criar o seu microblog e por lá deixa a sua marca sem qualquer corte à liberdade de escrever o que bem quiser em 140 caracteres (ou toques, como se diz na imprensa). Escreve sobre o que está fazendo, o que pensa, o que espera publicizar, faz reply de um link ou frase interessante ou não, retruca a um amigo que está na mesma faixa de seguidores, bloqueia os “chatos”, segue alguns interessantes, desabafa sua raiva contra o Remo ou o Paissandu (no caso do Pará), enfim, concentra nessa faixa de caracteres tudo o que o espaço comporta. Conforme diz Gabriela Zago em seu blog (IUS Communication) trata-se de “uma ferramenta que permite atualizações rápidas e curtas e, se possível, a partir de uma multiplicidade de suportes diferentes. É possível atualizar o Twitter, por exemplo, pela web, por instant messaging (IM), ou até pelo celular - por short message service (SMS) ou internet móvel.”(publicado em 02/2010)

Criado em 2006 por Jack Dorsey da start-up Obvius Corp., o Twitter foi o precursor de outros microblogs, ( o SEESMIC, o BRIGHT KITE, que não se limitam ao texto, mas pode-se postar vídeos, fotos etc.) e tornou-se referência para milhões de pessoas. Nesse suporte, além do que você revela em microtexto, há lugar para os seguidores (followers) ou os que lêem seus tweets, e os que você segue (following). Qualquer pessoa pode ler seus posts e optar em seguir você, ou você pode autorizar uma pessoa a ser seu seguidor ou não, ou seja, você pode bloquear quem não lhe parece interessante. Se você optar pelo reply (referência abaixo de seus tweets) estará respondendo a outros posts, mas se fizer o retweet, você vai replicar o que seus seguidores postaram.

Para um/a tweeteiro/a, há uma serie de novos termos que deverá aprender caso deseje participar da nova política de “inclusão social” com abertura para uma faixa significativa de formas de presentificar-se nos atuais processos da mídia digital contemporânea. Do simples termo aos meios de uso dessa tecnologia há hoje uma significativa dicionarização de processos. Por exemplo, o direct message (mensagem direta) é a mensagem privativa que é lida somente pelo destinatário. Sua estratégia é colocar a letra D antes do login da pessoa. Hahstag é o meio de acelerar e facilitar a busca de mensagens ou de algo que interesse de forma especifica ou do que alguém está fazendo ou dizendo. Para isso o símbolo # na frente de uma palavra tende a sinalizar essa convenção ou como dizem essa etiqueta tag.

O enfoque sobre essa nova moda de exposição da pessoa de forma a ser percebida por outras, deixando o anonimato dos diários de nossos avôs/avós (muito comum em uma época) tende a demonstrar que essa tecnologia está sendo usada indiscriminadamente, desde aqueles que nada têm a comentar a não ser futilidades do dia-a-dia somente deixando a maré da presença para fins de exibicionismo, como também pelos lideres políticos (ou simplesmente candidatos a...) de um modo geral e, sem dúvida, já deixou um indicador de sucesso à popularidade, na campanha de Barack Obama à presidência dos EUA. Se o leitor se interessar em observar essa nova maneira de “fazer política” ou como é possível tratar, de um novo palanque além do eletrônico (TV) usado pelos aspirantes a um cargo de representação política num momento em que explodem as fases da eleição geral de 2010 entre os brasileiros, é bom visitar as micro-páginas desses twitteiros.

Se o futuro candidato está com mandato parlamentar (ou é aspirante) ele recorre aos mecanismos que ampliem seu espaço de informação aos eleitores. Utiliza-se da campanha “tradicional” (uso dos recursos de comunicação através de distribuição de material gráfico, comícios, reuniões abertas e fechadas com centros comunitários, operação corpo-a-corpo etc.); da campanha eletrônica (uso dos mesmos recursos do tipo anterior numa base de exposição mais ampliada – a TV, ferramenta usada pelos partidos para a campanha eleitoral gratuita, servido para apresentação de entrevistas e debates entre os candidatos); e, finalmente, da campanha em “meios digitais” ou a internet, que a Sociedade da Informação passou a usar correspondendo a novas formas de criar sedução a um eleitorado que está teclando em toda parte onde possa conseguir uma rede virtual. É o meio de levar a informação de forma ampliada, ilimitada e instantânea, com facilidade de acesso aqueles que usam a ferramenta.

Esta novidade tecnológica transformou as atitudes e o comportamento daqueles/as que lutavam ontem com os seus “santinhos” de casa em casa e hoje podem dispor de meios para chegar a mais de cinco milhões de pessoas em um segundo. O interessante é que os/as candidatos/as recebem imediatas respostas desses seus eleitores potenciais, sejam positivas, negativas ou explicitamente críticas. Trata-se de uma troca de mensagens que pode inclusive, modificar a forma de campanha daquele/a que está no processo. Uma revista nacional contratou uma empresa para monitorar durante uma semana cerca de 10 milhões de usuários do Twitter, no Brasil, objetivando descobrir o que circulava em torno da próxima campanha presidencial e dos potenciais candidatos/a. As observações levaram à montagem do perfil dos concorrentes que estão “melhor na foto”. Também se pode, dessa forma, precipitar discursos de campanha que não são permitidos de forma tradicional.

Inegável, portanto, a presença de blogueiros e twitteiros fazendo a festa democrática eleitoral de 2010.


(Texto publicado em "O Liberal", março 2010)

sábado, 21 de agosto de 2010

COMO VOTA O/A ELEITOR/A?

Os estudos sobre comportamento eleitoral evidenciam um ator importante que não pode ser deixado de lado nas considerações pragmáticas e acadêmicas: é a figura do/a eleitor/a.

Por muito tempo a ciência política conviveu com algumas teorias de áreas afins das ciências humanas, procurando explicar o fenômeno da decisão do voto do eleitorado. A sociologia, por exemplo, tratou o comportamento eleitoral explicando-o através das influências do ambiente sócio-econômico-cultural vivenciado pelos indivíduos, “gerando determinadas clivagens sociais que se expressam através de partidos específicos, com os quais setores do eleitorado se identificam” (Mônica Matta-Machado,1992). Corresponde a dizer que o/a eleitor/a é influenciado pelas interações intergrupais que realiza no ambiente social votando ou não nos candidatos que estão ao seu alcance interacional. Essa vertente analítica da perspectiva macro orientou a corrente marxista que deu ênfase aos estudos sobre as influências do eleitorado pelos fatores econômicos e a “cola” partidária ao comprometimento com as classes sociais. Também foi significativa a orientação funcionalista (ou não marxista) de estudos empíricos sobre o comportamento eleitoral que se detiveram nas variações desse comportamento.

A corrente psicosociológica propunha uma abordagem com base em variáveis que privilegiavam as atitudes dos indivíduos, com outros fatores característicos como raça, escolaridade e status socioeconômico. Explicando a maior ou menor participação eleitoral “além de fatores institucionais e legais, influências interpessoais e barreiras não psicológicas – dificuldades físicas, por exemplo –, percepções, motivações e atitudes como: a força da preferência partidária, a percepção de que o resultado da eleição será apertado, o interesse com relação à política e à campanha, a preocupação com o resultado eleitoral, os sentimentos de eficácia política e da obrigação de votar.” (idem, 1992)

A terceira vertente explicativa sobre a decisão do voto tem enfoque da teoria econômica sobre a racionalidade da escolha do eleitor ou eleitora. Os pressupostos levantados por Anthony Downs (1957), baseado no individualismo metodológico, intenta explicar as ações intencionais dos indivíduos para maximizar seus benefícios e otimizar seus ganhos no mesmo diapasão do mercado econômico.

A tese, elaborada em seus pressupostos teóricos e metodológicos, considera a analogia entre os objetivos de lucro dos partidos na política democrática, e o empresariado numa economia. “De modo a atingir seus fins privados, eles formulam as políticas que acreditam que lhes trarão mais votos, assim como os empresários produzem produtos que acreditam que lhes trarão mais lucros pela mesma razão. Com a finalidade de examinar as implicações dessa tese também presumimos que os cidadãos se comportam racionalmente em política.” (Downs, 1999, p. 313). Os dois conjuntos não são independentes visto que o comportamento racional dos cidadãos contém conclusões relativas à motivação partidária. A intenção é a descoberta do formato do comportamento racional quer para o governo quer para os cidadãos democráticos.

Considerando as bases em que esse modelo se desenvolve – a natureza do mercado, a racionalidade do voto e a decisão otimizada – o mundo de escolhas estratégicas downsiano inscreve características próprias que respondem às expectativas da relação entre teoria política e teoria econômica para explicar a competição eleitoral e o comportamento do indivíduo nessa competição. Nesse caso, este vê, no mercado político-eleitoral ( o homos politicus # do homos aeconomicus) um governo que atua como agente social singular, tendo uma função específica na divisão do trabalho. Sua natureza é democrática, prevalecendo características distintas de atuação, com traços que definem o processo de seleção ao governo, via eleitoral, com regras que apontam para o aparato institucional à escolha popular de um único partido para o gerenciamento do governo; eleições periódicas; eleitores qualificados em nível territorial; presença de partidos de situação (titulares no governo) e de partidos de oposição (perdedores nas eleições); presença de dois ou mais partidos na competição eleitoral.

Os partidos, nesse entorno democrático, constituem uma equipe de indivíduos interessados no acesso ao controle do aparato de governo, via eleitoral, e ao alcançarem esse objetivo, procuram formular e executar políticas públicas. A meta dos membros partidários é o interesse pessoal ao acesso à renda, ao prestígio e ao poder. A motivação partidária é ganhar as eleições, e para isso os lideres do governo manipulam suas ações canalizando-as para a maximização de votos, e as políticas tornam-se meios para esse fim.

Downs observa que seu modelo não determina comportamentos porque não tem postulados éticos, nem é puramente descritivo visto que ignora as condições não-racionais, mas considera como primeira relevância desse modelo a proposição de uma única hipótese explicativa de tomada de decisão política e para o comportamento partidário em geral. A outra relevância é a indicação do comportamento esperado da ação racional dos indivíduos na política, apontando para as fases em que estes surgem racionais e em quais outras se apresentam e de que forma se distanciam da racionalidade.

(Texto publicado em "O Liberal" em outubro 2009)

POLÍTICA & PODER: O GÊNERO EM QUESTÃO

Houve tempo em que a frase “mulher e política são excludentes” representava o recorrente imaginário sobre a alegação de que as mulheres não só se agregavam em espaços privados não-políticos (o lugar da casa e da família), como referiam a política como uma ação masculina que só dizia respeito aos homens. Desse “calcanhar de Aquiles” eram tiradas as várias inferências sobre o processo de participação política feminina.

A re-significação do conceito de cidadania proposto pelo movimento feminista mudou o quadro e fez diferença ao explorar a dicotomia da democracia, conceito inventado pela ciência política. A partir de outro olhar, defendeu a presença das mulheres nas diferentes formas de participação política, procurando evidenciar o lugar das relações de gênero enquanto relações hierarquizadas de poder, depurando as formas democráticas vividas no ideal e no real ao longo das fases da História, da Antiga à constituição do Estado Moderno, e passou a apresentar distinção com a sociedade civil (século XV e XVI).

Do conceito de democracia surgiram as ações práticas e históricas que mostraram, desde a antiguidade clássica, a forma de governo aplicada pelos gregos atenienses na democracia direta, ou seja, os cidadãos livres (os moradores da cidade, civitas) reunidos numa assembléia (ágora) decidiam os destinos da polis (civitas). Pergunta-se: quem eram esses cidadãos que participavam, tinham direito a voz e ao voto nessas assembléias elegendo seus governantes e podendo ser eleitos? Eram os homens que possuíam o saber, o limite da idade, a classe social e a disponibilidade de tempo para discutir semanalmente na praça principal da cidade grega por longas horas, decidindo quais leis deveriam ou não ser aplicadas aos concidadãos. A democracia ateniense definida pelas constituições excluía da participação ativa na polis as mulheres, os escravos e estrangeiros.

O governo democrático teve um eclipse por mais de 2000 anos e só reapareceu com a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789). No século XVIII dentro de uma concepção de Estado Liberal será elaborado um novo modo de pensar a democracia e exercê-la, rompendo com a ordem hierárquica medieval das corporações, dos laços hereditários e dos privilégios, estruturando-se o poder dos Estados nacionais. Surge a democracia moderna.

A concepção liberal de Estado cria a representação política que se torna o estatuto da delegação de poderes de um cidadão a outros cidadãos.

A declaração de direitos da pessoa humana é uma segunda grande diferença em relação à democracia dos antigos, surgindo com as repúblicas representativas (Estados Unidos e França). Assim, se havia a forma de governo representativo a partir de eleições, foi incluída uma relação de direitos humanos variados. Os primeiros desses direitos (século XVII e o XVIII) foram os direitos civis, associados à condição do ser cidadão que era também ser proprietário, ter o direito de ir e vir, o de manter a sua propriedade, pagar os impostos votados, assinar contratos e decidir por um governo que lhes garantisse ter todos esses direitos sem se submeter a um governo arbitrário.

Entre os séculos XVIII e XIX surgem os direitos políticos (as pessoas deixam de ser súditos de um rei e passam a ser cidadãos, ou seja, são essas pessoas que deverão decidir o que a cidade - o Estado=governo - vai realizar. Incluem-se: o direito do voto, o direito de as pessoas expressarem o seu pensamento livremente, o direito de organização política.

No século XIX emergem os direitos sociais: há liberdade de organização sindical e leis trabalhistas que garantem as melhores condições de trabalho.

Quanto às mulheres, elas viram essas mudanças serem aplicadas, mas em parte não se sentiram incluídas. Na democracia direta as gregas não tinham direito a voz nem ao voto. Na democracia representativa não estavam cidadãs. Conquistar a inclusão através do direito do voto foi uma luta árdua das sufragistas ao avaliarem que o novo estatuto de cidadania possibilitava-lhes outros direitos civis, políticos e sociais.

Eleger-se para os cargos majoritários e parlamentares foi outra luta empreendida pelas mulheres. Nos dias atuais continuam sub-representadas, mesmo sendo, no caso brasileiro, 51% dos 130 milhões de eleitores. Têm recorrido a uma série de medidas (política de cotas partidárias, reforma política como a demanda pela instituição da lista fechada, concessão de maiores recursos para o financiamento de campanha etc.) e mantém posições avançadas em outras esferas profissionais. O caso é não perder a ternura, mas manter a resistência para que não haja regressão nos avanços conseguidos.

(Texto publicado em "O Liberal" em outubro 2009)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

ATORES PARTIDÁRIOS: GÊNESE E ENGAJAMENTO

2010. Ano em que a mídia brasileira tem como grande “estrela” de seu noticiário os partidos políticos. As ações internas de arregimentação de filiados/as de seus quadros para a competição eleitoral, os critérios de indicação ou determinantes de escolha deste ou daquele nome para a composição da lista partidária aos cargos parlamentares, formação de coligações para a garantia das escolhas majoritárias, conflitos entre lideranças causando desídias e enfrentamentos, foram alguns dos assuntos que têm fornecido prognósticos supostamente eficientes para avaliar a tendência do quadro competitivo.

Mas por que centrar as expectativas nos partidos se estes são comumente vistos com baixa representatividade política e motivam a criação de um sistema fragmentado e frágil, sem consistência ideológica ou programática, não institucionalizados devido à fugacidade de algumas siglas “de aluguel”, mostrando claro personalismo?

Na verdade, os partidos têm papel fundamental na organização das demandas institucionais para o ingresso de cidadãos/as na vida política (como eleitor/a e como aspirante ao cargo eletivo) de um país. Tomo a teoria de Maurice Duverger (1970) que tratou do assunto em regimes de democracia representativa, evidenciando os enfoques da seleção diferenciada entre os tipos de partido e da relação entre pré-escrutínio (pré-seleção) e designação de candidatos, observando a variabilidade do grau de intervenção destas organizações e a sutileza usada na relação entre estes e os candidatos, na ratificação e oficialização dos nomes e nas negociações que ocorrem entre a indicação integral e a aprovação das indicações.

Para Duverger, os atores incorporados na ação político-partidária estão classificados em dois tipos: o simpatizante e o adepto. O primeiro, não é um membro propriamente dito, mas é favorável às doutrinas partidárias, não havendo uma maneira mais concreta de quantificá-lo porque ele não é inscrito no partido. Trata-se de um eleitor que contribui com o seu voto confirmando sua preferência partidária. Se este eleitor declara seu voto, entra no estágio de simpatizante, provocando fenômenos de contágio social, visto que sua manifestação se torna elemento de propaganda, se agrega a outros simpatizantes e cria os primeiros laços de identidade. Não há uma comunidade de eleitores em virtude destes não se conhecerem, mas entre os simpatizantes há um elemento de reconhecimento e a comunidade é embrionária e real.

O adepto (o filiado), intrinsecamente ligado a uma evolução histórica dos tipos de partidos classificados por Duverger (o partido de quadros e o partido de massas), tem que se submeter a critérios de adesão, como: a inscrição formal, contribuição financeira, cumprimento e obediência às normas estatutárias. Os filiados são estáveis (mantêm atividades e participação efetiva no partido) e sazonais/instáveis (surgem visando à competição eleitoral).

A conquista dos simpatizantes ao quadro de filiados se dá através do que Duverger chama de organismos anexos, grupos diversos que o partido cria e controla de fato ou de direito, com possibilidade de alargar (aglutina, no núcleo partidário, as associações-satélites de simpatizantes) e aprofundar a participação (enquadramento sociocultural, familiar etc.). Há duas categorias de organismos anexos: os que se destinam aos simpatizantes (os grupos de jovens, as associações profissionais, as associações femininas, as ligas de “donas de casa”, os sindicatos, entre muitos outros) e os que se adéquam aos adeptos (“os que partilham da opinião do partido dum ponto de vista preciso, convenientemente escolhido e isolado do restante da doutrina”...) , embora ambos possam chegar ao objetivo final que é a criação da estrutura partidária.

Os agentes simpatizantes geram políticas de ação e de contágio. E os filiados ou adeptos geram políticas de agregação, administração e recrutamento. Deste arcabouço, saem os candidatos que geram o potencial de força eleitoral do partido. As ferramentas utilizadas para a conquista desses agentes são derivadas, tanto de uma ação programática do próprio partido (organismos anexos de criação própria) quanto de atuação externa, através das ações afirmativas, por pressão de eleitores que pretendem ser incluídos em uma das posições de representação partidária.

Se a teoria sobre os partidos engendra agentes nem sempre evidentes, não quer dizer que são inexistentes e não possam ser identificados conforme o cenário em que aparecem. Na disputa eleitoral, no caso brasileiro, embora o personalismo do voto sentencie a aferição da fragilidade dessas organizações para o tempo da representatividade eficaz, são os partidos que garantem a legalidade da competição.

O eleitorado desconhece o partido e reconhece a pessoa que se investe legalmente da legenda para concorrer. A tendência personalista justifica a ineficácia do sistema partidário principalmente pelo baixo enraizamento deste na sociedade facilitando a cultura de personalidades ou elites que dominam as escolhas e o formato da campanha.

Contudo, ainda é o partido um dos instrumentos que legalizam o sistema representativo e que poderia criar a estabilidade democrática. Mas, o que pensar dessa perspectiva atual quando a composição das listas partidárias ativou conflitos, servindo hoje de mote para criticas ao fisiologismo político?

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

MULHERES DE PARTIDO: ONTEM E HOJE

Em pesquisa para minha dissertação de mestrado (NAEA, 1990) relacionando o lugar das mulheres paraenses na política, levantei dados interessantes que se somam aos que se conhece dos comportamentos conquistados por esse gênero na política partidária onde hoje se inscrevem as mulheres de partido.

Das ligas femininas agregadas às facções nascentes da Primeira República (Liga Feminina Lauro Sodré, Liga Feminina Arthur Lemos) e da Segunda República (Legião Feminina Magalhães Barata) seguiu-se um processo interessante de associativismo, com a nacionalização dos partidos políticos em 1945, instalando-se a Terceira República. Nos dois primeiros momentos, as entidades femininas circulavam entre o dever “familiar” e “cívico” compondo alianças sociais para garantir as bases de poder dos maridos, filhos e netos (além de cumprir um “dever patriótico” como diziam em seus discursos públicos), haja vista que ainda eram excluídas da experiência de votar. O processo de formalização nacional dos partidos na terceira fase republicana brasileira, entretanto, respaldado nas leis eleitorais anteriores – Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, Lei nº 48, de 4 de maio de 1935 – que instruiam o voto feminino obrigatório para as mulheres que exercessem atividade remunerada, trouxe exigências de regulamentação em todo o país, do alistamento eleitoral para as eleições do período, através do Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de maio de 1945. E como as mulheres organizadas nas ligas femininas tinham expertise de associativismo e de arregimentação popular e já se constituiam com o estatuto da cidadania política foram logo convocadas, no Pará, para o serviço partidário.

Nesse período, os partidos criam seus estatutos e os membros do PSD paraense redigem um Regimento (registrados pelo Acórdão nº 2.114, do T.R.E. em 14 de maio de 1945) citando em seu art. 3º :“São órgãos do partido: a) a Comissão Executiva; b) os Diretórios Municipais; c) os Diretórios Distritais; d) a Convenção Estadual; e) os órgãos auxiliares criados.” O texto refere-se à composição de cada um desses órgãos.

As competências dos Diretórios Municipais vislumbram a inclusão da Legião Feminina Magalhães Barata, do Posto Eleitoral Magalhães Barata e do Departamento Feminino de Alistamento Eleitoral, qualificados como órgãos auxiliares. Essas forças que até aquele momento haviam ajudado nas atividades de alistamento, propaganda eleitoral e outras tarefas específicas tiveram então amparo legal nos termos do Regimento Interno do PSD. Como órgão auxiliar, a Legião Feminina foi legalmente oficializada a partir de março de 1949, inscrevendo suas atividades à frente das campanhas eleitorais, submetida à hierarquia do chefe e patrono da agremiação (Magalhães Barata) que se tornou avalizador da presença delas no partido.

Este olhar para uma caminhada hierarquizada pela liderança masculina quando os partidos brasileiros ainda se organizavam, quer avaliar o momento atual em que estes supostamente já se despojaram do ranço autoritário nas relações de gênero e renovam suas atitudes na igualdade de posições entre funções estatutárias estabelecidas.

Na 6ª. República, os partidos mantêm em seus estatutos referências a secretarias de mulheres, por exemplo, e dispõem de uma nova força política nas “mulheres de partido”. O serviço partidário restrito ao alistamento do passado foi substituído pela presença feminina em todas as funções estatutárias. As mulheres filiadas passaram a criar seus próprios fóruns de debate sobre as questões intrínsecas dos partidos, mas incluíram suas normas de sobrevivência institucional e garantia de diálogo com os movimentos sociais e de mulheres fortalecendo as discussões atuais sobre as políticas públicas para o seu gênero. Usando as ferramentas da mídia digital, mantém sites de parceria com os do partido onde estão filiadas e desse lugar divulgam seus programas e regulamentos específicos, organizam encontros e conferências, participam de reuniões locais, regionais e nacionais com entidades que promovem debates sobre temas envolvendo problemas das mulheres de um modo geral.

Articulam-se no interior de seu partido e promovem suas candidaturas para cargos proporcionais ou executivos e mantém um embate acirrado quando deixam de ser ouvidas. Se hoje não se inscrevem nos grupos de alistamento eleitoral, promovem, entretanto, campanhas nacionais convocatórias como “Mulheres sem medo do Poder”, “Mais mulheres no poder” ou a campanha nacional de filiação “Mulher: tome partido” que uma dessas associações está promovendo.

Fortalecidas institucionalmente pelo compromisso da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres em debater questões pertinentes entre as quais o acesso desse gênero aos espaços de decisão política, elas sentem que é possível mudar o cenário do qual estavam sempre excluídas.

(Texto publicado em "O Liberal, em março 2010)

A POLÍTICA DA REPRESENTAÇÃO

O pesquisador, doutor em Demografia e professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE, José Eustáquio Diniz Alves, meu colega de estudos sobre gênero e política registrou em um texto recente: “O ano de 2010 vai entrar para a história da luta das mulheres pela conquista de mais espaços de poder na política, com as eleições de maior participação feminina no eleitorado e nas candidaturas”(ago. 2010).

Na verdade, nunca se viu ou ouviu tanto sobre a posição política das mulheres brasileiras na midia. Além de ser maioria entre o eleitorado no país, num crescendo desde 2000, o numero de candidaturas femininas e de eleitas vem avançando em cada eleição, principalmente no ambito municipal. E hoje duas mulheres são candidatas à presidencia da república – Dilma Rousseff e Marina Silva – com ampla representatividade nacional.

Independentemente, mas significativo desse novo tempo, vê-se, em cada debate público dentre expertises & jornalistas políticos, emergir o assunto sobre as várias faces dessa presença nas pesquisas de opinião. Ora sobre a repercussão no indice de decisão mais demorada do voto feminino, ora sobre a tendência dessa decisão seguir a candidatura masculina do que para a das mulheres, ou a mudança de opção do voto desse eleitorado quando novas pesquisas entram em cena. O velho dito de que “mulher não vota em mulher” está nas discussões mais recentes demonstrando que o voto da mulher importa. A cientista política Celi Jardim Pinto (UFRGS) em um artigo escrito para o Jornal Zero Hora (RS) considerou que “Após 30 anos de feminismo e de importantes vitórias das mulheres, feministas ou não, tanto no campo dos direitos quanto no campo de comportamento, chega às raias do incompreensível o fato de as mulheres que se propõem a prefeitas, governadoras e presidente não falarem para as mulheres e para os homens como mulheres”. Avalia que a luta dos movimentos de mulheres pelo direito à cidadania de qualidade tem sido demonstrado nesse novo formato de importancia da representação feminina na sociedade. E conclui: “Quando as candidatas tiverem consciência de que chegaram até onde chegaram não só pelos méritos individuais, que todas, evidentemente, têm, mas como resultado de luta de mais de 30 anos do movimento das mulheres pelo direito de existir plenamente como cidadã, certamente se apresentarão como candidatas mulheres. Neste momento, as mulheres começarão a votar nas mulheres”.

A pergunta que fica no ar é a seguinte: o que significa “apresentar-se como mulher no campo político”? O que seria “falar “para homens e para mulheres como mulheres” numa sociedade que foi contaminada pelas representações sociais dicotômicas sobre os “papéis” femininos e masculinos? A meu ver, é trazer à baila, na perspectiva de genero, a “política da representação” que circulou e tem circulado secularmente como maneira de garantir o poder de uns sobre os outros. Se hoje as mulheres estão na vanguarda de um processo notabilizado como necessario à constituição do sistema democrático pleno e, para isso, procuram mostrar que o “fazer política” no sentido de serem incluidas no estatuto de cidadania (direito do voto) era uma condição que levaria á melhorar sua vida na educação, no trabalho, na respeitabilidade de ser uma pessoa humana, deve-se às reformas que instituiram no reconhecimento da sua representação social qualificada. Quebraram tabus profissionais, remexeram nas falas e nos conceitos que as definiam como incapazes e assim foram deixando um rastro de conquistas para a melhoria de sua vida e dos seus parceiros. Assim, acho que “falar de política como mulher” é tratar, também, dos programas partidários, do denvolvimento social, da situação de segurança pública como meio propedêutico e não repressivo, e não somente ser aceita no pódio ascendente dos cargos como “cuidadora”, como “mãe”, a representação que as desqualificou sempre para outras áreas públicas, glorificando-a para o espaço privado.

A “divinização” da maternidade sempre foi o fio da navalha para abortar as pretensões femininas em voos mais altos que as dispuzessem em lugares que eram definidos como “proprios dos homens”. À conta dessa titulação, entretanto, os homens têm sido excluidos de processos afetivos (são frios, calculistas, dizem deles) sem as qualidades femininas para cuidar de filhos/as. Sua vinculação familiar tem provocado outro nivel de atitude tendente à agressividade. Ao demonstrarem fraqueza são chamados pejorativamente de “mulherzinha”. E esse termo é desviado para referenciar representações ainda mais preconceituosas que “depoem contra os homens”. E, ainda, são responsaveis pelo assassinato crescente de mulheres no ambito doméstico.

“Mulher não sabe de política” e “homem não sabe cuidar de filho/as” – são as duas frases que no momento em que se discutem as dimensões da diversidade humana devem ser banidas do vocabulário codificado das representações sociais marcadas pela discriminação e o preconceito.

Assim, o que Celi Pinto quis tratar sobre o“falar para homens e para mulheres como mulheres” foi dessa emblemática configuração que remete sempre às relações de poder com prejuizos, principalmente, para as mulheres.

(Publicao em "O Liberal" em 19/08/2010)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

OS OSSOS DO OFÍCIO

Desde ontem comecei este novo espaço para tratar de um tema que me é caro, a política. Em outubro/2009 o editor-chefe de "O Liberal", Walmir Botelho, pediu-me uma contribuição semanal sobre qualquer assunto que referisse política, sociedade, economia etc. Pensando em tanto material já escrito sobre essas áreas e considerando outros eventos cotidianos que não se inserissem no específico da minha expertise há 38 anos, no jornal - o cinema - aceitei o desafio e comecei a publicar textos, às quintas feiras, que tratavam de minha outra formação - a ciência política.
Para compartilhar com os/as integrantes de uma comunidade muito extensa como a dos internautas resolvi abrir um novo blog que me desse a oportunidade de não misturar as coisas, apesar de o cinema ser uma área que de vez em quando está mexendo com política. Auxiliada e incentivada pelo meu neto Olavo de Souza Rocha Neto,empresário que mantém a Exodus estou nestas bandas. Espero manter com regularidade este novo espaço, no mesmo ritmo da produção semanal ou deixando por aqui uma noticia de fatos que estão evidentes neste tempo eleitoral.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

DIMENSÕES DO PODER

Certa vez participei de uma mesa redonda cujo tema principal era o poder e a baixa representação política feminina. Dividiam comigo a cena duas parlamentares e representantes do movimento de mulheres. Na intervenção inicial uma das parlamentares argumentou que não tinha poder e explorou as condições de subalternidade que subjugam as mulheres. Na minha vez, solicitei que todas as pessoas presentes se levantassem e estas o fizeram. Pouco depois pedi que sentassem.

E estas obedeceram. Demonstrei com este gesto o nível de poder de cada pessoa bastando estar em uma determinada posição.

O sentido especificamente social do poder, no relacionamento com a vida humana em sociedade, torna-o mais preciso, e o lugar de sua conceituação tende a determinar-se desde a mais geral capacidade de ação humana até a alteração do comportamento de outra pessoa.

As mulheres em suas experiências de vida desde tempos pretéritos descobriram que os que exerceram/exercem o poder danificaram as relações humanas criando a submissão, a exploração, o autoritarismo e violando os direitos humanos. Têm sido elas as maiores vítimas do autoritarismo, fenômeno político que as exclui sumariamente do poder substantivo.

O sentido político do poder incide na conceituação do que seja política, garantida pela força, com fundamentos nas leis do direito na “segurança externa e na concórdia interna de uma unidade política particular” (Lebrun, 1981:11). A noção de força tende a garantir a engrenagem do poder. Por exemplo: ao partido mais votado numa eleição democrática diz-se que este tem força política para a mobilização de seus eleitores. Isto não significa necessariamente o uso de meios violentos para a garantia do comportamento do eleitorado (embora em alguns casos isso ocorra, quando há ameaça de rupturas). A força é exercida como “atitude de sedução” numa relação amorosa quando está em jogo o processo de decisão sobre algo. À vista, a atitude recente de um ex-marido gaúcho sobre a mulher da qual se separara.

Max Weber (1994:33) explica o poder como “toda a probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. Assim, existe poder quando certa força se efetiva através de uma ordem que supostamente deve ser cumprida. Duas teses dele: a) a coerção é essencial para a obediência política exercida ou pelo temor ou pela perspectiva de uma possível coação. Há exemplo diário: o dia de pagar as contas de luz, água, ou outro imposto qualquer. Embora não haja pressão alguma para que minhas contas, sejam pagas, caso haja “esquecimento” de fazê-lo no dia marcado, isso vai incidir em multa. E se eu não pagar mesmo, a minha água ou luz ou telefone será cortado; b) a posse do poder só se dá à custa do não-poder de outra pessoa. A sociologia norte-americana explica isso pela teoria do poder soma-zero. Um exemplo pode ser tomado da relação entre um professor e seus alunos. Embora altamente democrático, ao aplicar-lhes notas, o professor demonstra um tipo de domínio que resulta em evidenciar o não-poder destes. Intersubjetivamente as relações de poder serão percebidas caso haja identificação da posição inferior/superior numa dada situação.

Para Nicos Poulantzas (1977) o poder é uma das capacidades das classes sociais conquistarem seus interesses específicos, com domínio delimitado pelo lugar que outras classes ocupam, não sendo uma qualidade ligada a uma classe em si, dependendo das relações que cada agente ocupe nos lugares materiais. O Estado não seria nem o objeto depositário da essência instrumental de posse da classe dominante nem o sujeito responsável pela tomada de poder das classes, num confronto entre eles. É o lugar onde a classe dominante organiza suas estratégias de luta em relação às classes dominadas. É um espaço onde se realiza o exercício de poder, visto que o Estado não possui poder próprio.

Michel Foucault (1979) desmonta o enfoque da Ciência Política. Trata do poder molecular e periférico mostrando que há poderes que não se localizam em nenhum ponto particular do sistema social, funcionando como uma rede de mecanismos que a todos atinge. Não é propriedade de ninguém e, a rigor, não existe. Há práticas ou relações de poder, algo que se exerce, que se realiza. É uma maquinaria sem lugar exclusivo difundido por todo o sistema social e o seu exercício leva às lutas particulares contra suas práticas que podem ser canalizadas de fora, visto que não há isenção de poder. “Qualquer luta é sempre resistência dentro da própria rede de poder, teia que se alastra por toda a sociedade e a que ninguém pode escapar: ele está sempre presente e se exerce como uma multiplicidade de relações de força. E como onde há poder, há resistência, não existe propriamente o lugar de resistências, mas pontos móveis e transitórios que também distribuem por toda a estrutura social”.

O enfoque de Foucault está mais no vetor da política atual em que os sistemas de poder evidenciados nos bastidores partidários através das assertivas dos micro-blogueiros se assentam na base da competição eleitoral dimensionando os arranjos e alianças entre a elite política.

(Publicado em "O Liberal", em abril 2010)

domingo, 15 de agosto de 2010

A CIÊNCIA POLÍTICA E SEUS CÂNONES

Tradicionalmente a Ciência Política desenvolve, em sentido amplo, estudos no campo dos fenômenos e das estruturas políticas, utilizando análises baseadas em rigoroso exame dos fatos, afastando-se das linhas da opinião. Em sentido estrito, esta área se acha delimitada sobre estudos especializados e institucionalizados, com aplicação da análise ao fenômeno político, utilizando a metodologia das ciências empíricas. Tem se destacado da filosofia política, embora desta tenha aproveitado as noções clássicas das projeções utópicas ou idealizações (caracterizadas através das obras dos clássicos do pensamento político moderno), para tecer sua própria aplicabilidade destas noções.

Contemporaneamente, acumula características próprias ao campo dos fenômenos políticos com fundamentos históricos e, como as demais Ciências Sociais, apóia-se na análise dos fatos e no uso de certas técnicas de pesquisa. Tem se diferenciado comparativamente dos estudos políticos do passado, pela disponibilidade de dados, além da mudança do approach e da introdução de novas técnicas de invenção, indutoras da distinção entre as várias disciplinas afins desses estudos. Tem sido fortalecida pelos estudos comparados de sistemas políticos com análises não só convergentes para a distinção entre os vários sistemas e subsistemas mundiais como ao nível intra-sistêmico, classificando-os, formulando generalizações e, consequentemente, formando conceitos gerais a partir de leis de tendência (de regularidade ou uniformidade), propondo teorias. Com isto, a Ciência Política afastou-se do aspecto descritivo do objeto de seu interesse, criando um status explicativo (finalidade teórica) aos fenômenos políticos, o que a aproxima da finalidade prática, através de hipóteses e axiomas, haja vista que ao tratar com os comportamentos humanos, onde se acham as reações emotivas e racionais, se torna muito difícil pensar em previsão dos fatos.

Considerando as espécies dos dados desenvolvidos pelos cientistas políticos nos últimos anos, Karl Deutsch enumerou nove tipos: "elites, opinião de massa, comportamento de voto dos eleitores e dos membros do Parlamento, os chamados dados agregados colhidos nas estatísticas e relevantes para o estudo dos fenômenos políticos, dados históricos, dados fornecidos por outras ciências sociais sobre os efeitos da comunicação, dados secundários, derivados de novos processos analíticos, matemáticos e estatísticos e de programa de computer ".

O campo da Ciência Política atual tem propiciado definir especialidades e aplicar recursos de pesquisa para identificar o nível de desenvolvimento, os tipos e os graus de diferenciação das várias instituições que operam no campo político e que tendem a intervir no comportamento humano, estando entre estas agências os sistemas de governo, os regimes políticos, os partidos e as normas e os processos decorrentes dos mesmos.

Mas nesse campo é indiscutível referenciar a questão da democracia contemporânea, avaliando as várias linhas conceituais que obedeceram a estudos exaustivos de teóricos da CP ao tratarem comparativamente os níveis de estabilidade democráticos em países europeus e latino-americanos, explorando a análise do desempenho delas, procurando extrair um novo padrão ao desenhar um novo mapa conceitual desse sistema de governo, respondendo aos problemas contemporâneos evidenciados há décadas pela crise da democracia representativa nos moldes da doutrina liberal.

Entre as linhas interpretativas das várias correntes derivadas de fundamentos teóricos modernos há aqueles que alegam a importância empírica descritiva e explicativa do funcionamento das democracias, adeptos da democracia representativa liberal que consideram o "melhor arranjo institucional possível" enquanto outros a criticam. No centro da discussão está a "democracia como meio e como fim, nas atribuições e responsabilidades do Estado, na natureza do Estado e da própria sociedade e nas relações entre Estado e sociedade", no dizer de Olavo Brasil. As discussões criam polarização: a) os que vêem a democracia apenas como método para fazer governos "mais adequados à sociedade contemporânea e superior a qualquer outro ( ) a finalidade da democracia é permitir a reprodução e a mudança com base nas forças sociais: é o primado do mercado”. No outro lado, há os que reconhecem o mérito superior desse sistema diante de outras formas de dominação na perspectiva do que Mill, Rousseau e Marx evidenciaram, reconhecendo a “transformação do próprio Estado e da sociedade, a partir da e com a democracia real".

As formulações normativas recentes sobre o modelo democrático requerem aprofundamento para chegar às indagações da realidade contemporânea sobre democracia de massas cujo pressuposto, em essência, é o sufrágio universal.

Assim, é importante também comparar o exame profundo destas questões com as pesquisas sobre a mudança política global no século XX feitas pela Freedom House que apontam o crescimento do número de governos democráticos eleitos por sufrágio universal proporcionado pela ação democrática num período de 1900 a 2000, constituindo-se, por isso, o chamado "século da democracia".

Neste cenário, onde convivem diferentes padrões, este sistema político deve ser observado comparativamente, através dos critérios desenvolvidos em torno de eixos responsáveis pela democratização da sociedade, pois refinam a participação política do demos e criam formas de inclusão na polis.

(Texto publicado em "O Liberal" em março 2010)

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

REDES SOCIAIS E AS INFORMAÇÕES

O eleitorado brasileiro que tem acesso à mídia digital pode se considerar, de certa forma, privilegiado em termos de recepção de informações sobre quem são os atores políticos (candidatos, lideranças, partidos), as normas formais disponíveis para regulamentar os padrões competitivos e, acima de tudo, a possibilidade de contato interativo com todo o manancial de assuntos e temas que formam os enredos pré-eleitorais. Embora o conceito de redes sociais seja muito mais amplo e objetivo do que procuro utilizar aqui, inscrevo neste grupo os blogs, micro-blogs, orkuts, sites que estão sendo criados a cada instante na internet por pessoas do mais variado matiz e tendem a facilitar a “ordem geral” do processo de levar a informação para milhões de cidadãs/aos com acesso ao computador pessoal, ou de seus locais de trabalho ou das lan-houses.
Um eleitor ou eleitora que se disponha a circular nessas redes e procure ler e avaliar o que está sendo dito por políticos, jornalistas, cidadãos anônimos ou experientes analistas políticos em torno de candidaturas, “ficha limpa”, moral de aspirantes a cargos majoritários e representativos, lideranças, “jardins secretos”, “cozinha dos partidos”, etc., terá uma medida do que está ocorrendo no meio eleitoral. Pessoas de várias nuanças ideológicas se posicionam, contradizem certas afirmações de opositores, oferecem perspectivas sobre temas que esperam ser do gosto dos twitteiros/blogueiros/orkuteiros que os seguem, replicam noticiário que os/as interessou extraído de páginas da internet e ou que foi repassado (reply/retweet) de outras pessoas, enfim, alargam o mundo informativo sempre com posições definidas. Algumas vezes, dentro do que no jornalismo é chamado de “reportar fatos”, outras vezes tentando descaracterizar projeções de um/a candidato/a em torno de seu programa de metas se eleito/a e, ainda, explorando, em tom de “fofoca” uma conversa de “pé do ouvido” de uma pessoa “digna de respeito”.
O mundo público abriu-se nessa nova configuração. O que era privado passou a ser “tuitado” e esse novo tom da fábula política tende a convergir para uma visão significante de que a democracia se faz dessa maneira, sem peias nem veias mais enérgicas para demarcar competências. É de supor que todos têm a verdade, que o que é digitado/dito, portanto, deixa de ser uma posição particular e ao ser compartilhado atingindo milhares de outras pessoas se torna pública.
Faço comparações com as formas de transferir informações quando somente a imprensa e o rádio ainda eram os meios eficazes desse repasse. No estudo que fiz sobre as “legionárias” de Magalhães Barata, no Pará, há certas marcas de um processo partidário em voga que se traduzia no corpo-a-corpo dessas mulheres do então PSD e que ainda hoje é capaz de alterar intenções de voto. Tratava-se das “redes sociais” de então. A preocupação das legionárias em criar postos e sucursais, nos bairros, evidenciava a responsabilidade com que cada uma delas realizava as tarefas que lhes cabiam no processo de distribuir informações sobre o partido e os candidatos, empenhando-se na maior arregimentação de eleitores. Isto pode ser deduzido do depoimento da legionária, Francisca do Céu Ribeiro (Santinha) Souza (professora primária, já falecida, 93 anos à época da entrevista):“... Aí eu me embrenhei por ali, perto da Escola de Agronomia, estava caindo o dia, eu olhei e disse: ali é baratista, vamos lá (...), não era. Aí eu disse para a Catarina eu não saio deste bairro derrotada; não vou sair se não fizer ao menos um posto, eu não saio.(...)”. A ousadia de ficar na rua até tarde, para uma jovem professora, respondia por sua aguerrida convicção de que estava ajudando ao chefe Barata a ser reconhecido e ganhar votos.
A criação de um posto eleitoral, em uma determinada área de Belém, facilitava o maior enquadramento dos/as eleitores/as do partido, e servia de base, nos períodos eleitorais, para um tratamento mais personalizado desse eleitorado, uma tarefa clientelística que sempre se salientou na ideologia baratista.
Do outro lado, ou entre os opositores do PSD, havia também redes sociais criadas por mulheres, por jovens e, comerciantes que se dispunham a circular informações para estabelecer o contato indireto e conseqüente mediação com os “políticos”.
O que se vê, hoje, é a presença de candidatos/as criando as suas redes de relacionamento sem intermediários, considerando que os seguidores indiretos também acessarão os seus blogs se uma noticia interessante for blogada de outro local para o seu território pessoal. Essa possibilidade de “toque” não deixa de ser, também, um meio de o “político blogueiro” medir o alcance de sua representatividade ao receber um retorno do leitor/a ao assunto tratado. E/ou verificar que os seus “seguidores” e visitantes estão crescendo.
De tudo isso, pergunta-se: o/a eleitor/a estará satisfeito com as informações a que tem acesso neste tempo eleitoral a ponto de fazer suas escolhas na racionalidade da lógica pessoal criada para esse tempo? Os dados expostos patrocinam a resposta de cada um.

Publicado em "O Liberal" em 12/08/2010

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

MULHERES E ELEIÇÕES

Em recente programa de um canal fechado de televisão assisti a exposição sobre os números de uma pesquisa de opinião e o enfoque dos diferenciais metodológicos que os institutos utilizam para a aferição das questões respondidas pelos eleitores contatados. Um dos temas aflorados referiu-se ao percentual de mulheres indecisas na escolha de seu/sua candidato/a presidencial. O assunto sobre as mulheres demorarem mais a definir seu voto, explorado pelos debatedores, entre os quais duas pesquisadoras, levantou o quadro de possibilidades para essa ocorrência, centrando-se na explicação sobre a melhor reflexão que este gênero possa utilizar em torno das políticas públicas que interferem nas condições de vida de seu dia-a-dia familiar e que se tornam uma medida de avaliação do voto a dar aos que se adequarem às suas demandas.
Pesquisando desde 1986 a situação da sub-representação feminina nos cargos parlamentares e ausência de mulheres candidatas aos cargos majoritários, percebo, com o olhar distanciado no tempo histórico, devido às leituras sobre os discursos dos repúblicos brasileiros que negaram, em 1891, o direito do voto feminino no Brasil, a nova mentalidade que circula com maior desenvoltura no meio social. As mulheres hoje decidem em quem votar e sabem que seu voto tem um peso considerável sobre essa decisão. Mas elas sempre tiveram clareza da importância desse estatuto da cidadania para a sua vida cotidiana.
O estatuto da nova ordem que formalizou os direitos naturais e incrementou mudanças institucionais foi a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão"(1789), ao distribuir benefícios e recursos políticos para o universo dos seres humanos. Mas as mulheres não se sentiram contempladas, porque os direitos naturais que elas reconheciam eram ambíguos, faziam parte de uma “ordem natural”. Como só conheciam a função naturalizada da submissão, na relação entre os gêneros, não distinguiam os fundamentos da revolução enquanto tomada de poder através de um pacto em que os direitos proclamados eram os do homem universal. Na “ordem natural”, está implícito o preceito bíblico do direito de submissão ao homem. Ao apelar para a Declaração como instrumento de inclusão, define a relação jurídica como prioritária para desestabilizar essa “ordem” e estabelecer a oposição com o direito natural enquanto direito político ou cidadania. Quando elas percebemque podem mudar o estatuto naturalizado, exigem a equidade.
Os níveis de informação que acumulavam no trabalho coletivo, nas fábricas, ou no cotidiano do lar, revelavam-lhe a desigualdade existente entre si e os parceiros, daí considerarem que a mudança do status quosó podia ocorrer através das instituições. Isto leva-as a criarem ações propositivas embutindo recursos legais para mudá-lo, instaurando uma ação coletiva através da organização de grupos de pressão (feministas), com a finalidade de desautorizar as normas permeadas de ideologias exclusivistas e inventar outras para desestabilizar a ordem vigente.
Criam os mecanismos de barganha, às vezes operando com suas próprias regras, propiciando a partilha dos benefícios. Para elas, o sufragismo passou a representar o eixo decisivo do processo de inclusão dos sujeitos nas suas demandas cívicas, sociais e políticas.
As políticas distributivas externalizadas através da concessão do direito do voto, se por um lado alcançaram beneficiários diretos de um ou mais grupos; de outro, geraram certo conflito devido à específica distribuição das partes. Se a extensão do direito do sufrágio não contemplava uma grande parte de cidadãos do sexo masculino, por estarem aquela altura de fora do sistema de voto censitário, deixava de reconhecer, entretanto, todas as mulheres por serem estas consideradas na condição "natural" de mães de família, além de desapossadas de renda, e sem méritos de instrução.
Há dois eixos de questões no sufragismo: a) um de ordem sociocultural; b) outro, de ordem política. No primeiro, as mulheres pleiteantes do direito do voto eram acusadas de infringirem a ordem natural de mães da família, de serem pervertedoras morais dos costumes e de quererem se transformar em "mulheres públicas". Assim sendo, que benefícios elas estariam extraindo dos outros grupos? Ao deixarem de ocupar as funções privadas e de domesticidade para adquirirem o estatuto do direito político, revertem os eixos da virilidade oponente e esvaziam a moralidade privada do homem público.
A ordem política cria nas mulheres votantes aspirações na inversão da ordem dicotômica da natureza. Sendo a ordem social resultado da diferenciação entre os gêneros, a exclusão das mulheres do plano político, relegando-as a esfera familiar, traça uma nova vertente. O espaço do lar será intermediado pelo espaço político, uma vez que elas, ao penetrarem no exercício da política, tendem a reivindicar a visibilidade nessa arena, pressupondo as condições de uma representação devida a si próprias enquanto indivíduos. Propor novas demandas e anular a humilhante condição de submetidas a um status quonaturalizado, em razão de uma suposta "ordem natural", são alguns dos novos indícios de "deveres políticos" que as lançam em outra arena marcada pelas ideologias "protetivas" e "salvadoras" de um evento ameaçador.
Outro eixo é do incremento a um sistema normativo que funcionassem com um padrão de equidade, cujas regras desestabilizassem os recursos do sistema e resolvessem os problemas de segregação social e político que as excluía dos “deveres cívicos”.