sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

DA CIDADANIA À REDE: O VOTO FEMININO



Leolinda Daltro  que em  1910 fundou o Partido Republicano Feminino


No próximo dia 24, o voto feminino no Brasil celebra 81 anos. Através do Decreto nº 21.076, de 24/02/1932, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, as mulheres brasileiras asseguraram o direito de voto.
Não foi uma conquista gratuita, haja vista que a luta pelos direitos políticos femininos inicia-se ainda no século XVIII. Entre as vozes que são ouvidas no inicio da Revolução Francesa está a do Marquês de Condorcet, filósofo iluminista que nos debates da Assembleia Nacional, em 1790, diz sobre esse assunto: “Ou nenhum indivíduo da espécie humana tem verdadeiros direitos, ou todos têm os mesmos; e aquele que vota contra o direito do outro, seja qual for sua religião, cor ou sexo, desde logo abjurou os seus”. Inglaterra, França e as demais nações viram surgir ondas femininas de luta pela conquista desse estatuto que consideravam um lugar político necessário para avançar nas demandas avaliadas como recursos de inclusão social nas suas agendas de reivindicações como, por exemplo, os postos no trabalho qualificado nas várias áreas.
O caso brasileiro demonstra, como os demais, que o caminho constitucional tornou-se o principal meio de acesso das mulheres à garantia de seus direitos civis e políticos. Neste caso, identificam-se: o processo de transição política da sociedade brasileira; os papéis atribuídos; e as funções naturalizadas desempenhadas por esse gênero, que as interditavam para a cidadania política, marginalizando-a.
Na mudança de sistema de governo da monarquia à república, a resistência feminina aos não-direitos políticos não se dá, inicialmente, através de movimentos organizados como foi visto na França, na Inglaterra e nos EUA. Ao final da primeira metade do século XVIII no Brasil, Nísia Floresta Brasileira Augusta (1809-1885), natural do Rio Grande do Norte, fez a tradução livre da obra pioneira de Mary Wollstonecraft, "Vindication of the Rights of Women" publicando-a em 1833. Outro incremento para a ampliação da informação e a disseminação de ideias das brasileiras vem através da imprensa feminina que, apesar de incipiente e feita de forma artesanal, divulgava o avanço do sufragismo mundial e o modo como as mulheres letradas viam a si próprias e as políticas de seu tempo. É expressivo também o discurso inverso, ou seja, o daquelas que achavam a ousadia ou qualquer modificação na "ordem natural" uma temeridade à condição da mulher.
As discussões sobre o voto feminino no Brasil podem ser vislumbradas desde o Império quando, na Câmara dos Deputados Gerais, José Bonifácio de Andrada e Silva "advogou a causa do sufrágio de qualidade, defendendo o voto para as mulheres diplomadas por uma escola superior. A pretensão não vingou, amortecendo-se, por toda época imperial, em suas duas fases distintas"(Paiva, 1985).
Nesse percurso reivindicatório, as tensões entre as mulheres brasileiras (desde a demanda pelo direito do voto) e a legislação eleitoral (que regulamenta a participação e a não participação na polis) culminaram, no final do século XX, com a apresentação de um projeto e a implantação de um sistema de cotas partidárias para mulheres, através de lei nacional. Tratava-se de deslocar a “igualdade de oportunidades” (que eliminou as barreiras formais para a garantia do voto), para a “igualdade de resultados” (ao considerar pouco estável a “igualdade de oportunidades”) que atenderia à equidade do acesso das mulheres às cadeiras parlamentares, através de ações de discriminação positiva, devido às inúmeras barreiras detectadas em nível cultural que impediam este acesso. As parcerias dos movimentos de mulheres com os organismos internacionais (ONU, UNESCO), assinadas nas Convenções mundiais que tratavam das formas de discriminação contra a mulher, fortaleceram o reconhecimento desta metodologia como estratégia de empowerment das mulheres. A suposição do desequilíbrio no acesso ao poder, por várias razões, forneceu a oportunidade de alterar este desnível com estratégias de controle evitando a queda da representatividade feminina.
Historicamente, nestes 81 anos, entre lutas, conquistas e novas lutas contra a sub-representação feminina no poder político, as mulheres brasileiras veem-se hoje com as possibilidades de se tornarem presidente da república, a exemplo, a eleição de Dilma Rousseff.
Por outro lado, vê-se que Marina Silva, se assemelha, em outro contexto e situação, a Leolinda Daltro e outras feministas, que em 1910 fundaram, na então capital federal, o Partido Republicano Feminino, intentando a “promover a cooperação entre as mulheres na defesa de causas que fomentassem o progresso do país”. Mas o lema objetivado da luta pelo sufrágio feminino era o grande mote, haja vista que as mulheres àquela altura não podiam votar e nem ser votadas.
Outra brasileira, a sufragista gaúcha Natércia da Silveira, dissentiu da "Federação Brasileira pelo Progresso Feminino" (criado por Bertha Lutz), fundando, em 1931, a "Aliança Nacional de Mulheres", com três mil filiadas, visando a assistência jurídica à mulher. Esta associação foi fechada pelo golpe de 1937, que aboliu as liberdades democráticas, frustrando as organizações políticas e sociais do país já em pleno gozo de suas conquistas.
Mostra-se, neste texto, uma síntese ínfima de exemplos ocorridos no Brasil desde a luta sufragista, com as brasileiras em busca de novas posições políticas. Não se deve esquecer, contudo, que na amplitude de nosso país há outras “revolucionárias” anônimas para a história oficial cuja “arte de fazer” em suas práticas políticas ousam criar formas de organização mantendo-se na arena e não nos bastidores dando o seu recado.



sábado, 16 de fevereiro de 2013

A VEZ DA APOSENTADORIA





O assunto da semana na imprensa mundial foi a declaração do papa Bento XVI que renunciaria ao cargo no dia 28 do corrente, alegando a idade e a decorrente fraqueza fisica. De imediato se pensou no fato de que até um papa se aposenta. Reis e presidentes de repúblicas já declinaram de seus poderes por motivos que podem ou não ser amparados no debacle fisico. E há casos em que o pedido de aposentadoria fica sem explicação plausivel ou, se considerarmos de forma mais realista, resta na simples renúncia a um cargo, mesmo sem medir o quanto isto representará em termos financeiros ou institucionais.
O cidadão comum deixa o trabalho, na maioria das vezes, pelo tempo de vida e/ou serviço. O processo de aposentadoria é um método polêmico pois muitas vezes atinge, se compulsório (70 anos), quem ainda tem força de trabalho, ou, numa concessão que se ampara em varios motivos, um meio de sair e reentrar desde que seja possivel, ou imperioso, permamanecer num posto a considerar que este posto não tem quem o substitua.
O ato de aposentar um/a servidor/a inicia-se no final do século XIX, na Alemanha quando o governo de Otto von Bismarck estabeleceu, em 1889, um sistema que assegurava o pagamento de uma pensão a todos os trabalhadores do comércio, indústria e agricultura que tivessem 70 anos ou mais. Essa medida logo chegou a países como Áustria e Hungria, ganhando depois de 1920 outros países da Europa. A iniciativa de Bismarck tinha por objetivo político conter o crescimento das ideias socialistas que se espalhavam pelo continente.
No Brasil, a primeira lei que cuidou da aposentadoria por categorias é de 1821, destinando-se a proteger mestres e professores após 30 anos de serviço. Depois, outras leis foram sendo editadas para beneficiar as demais categorias.
A aposentadoria por idade é o benefício concedido ao segurado da Previdência Social que atingir a idade considerada risco social. É regulamentada pela Lei 8.213/91, arts. 48 a 51; e pelo Regulamento da Previdência Social, Decreto 3048/99, arts. 51 a 55.
Discute-se hoje se a aposentadoria, seja por idade seja por tempo de serviço, é útil e inadiável. Um ponto de discussão é o caminho aberto para novos trabalhadores. Outra discussão é quanto ao pagamento de aposentadorias como ônus para o governo que se multiplica na razão do crescimento da expectativa de vida. No século XIX, por exemplo, vivia-se, em média, 40 anos. Hoje, a faixa está em 73,5 no Brasil, mas se contabilizava, em 2009, 65,0 anos para os homens e 69,5 para as mulheres (CIA World Factebook). Há paises com um patamar considerado alto, como o Japão, e há outros bem abaixo como algumas nações africanas. Essa estatistica tende a mudar gradativamente, embora em alguns casos não passe de uma utopia com o advento do progresso da ciência médica e de meios de subsistência (como saneamento básico, regulamentação climática e melhor acesso a alimentos).
A grande questão é como ficará o empregado ao se aposentar quando sai do seu posto de trabalho ganhando o minimo para sua subsistência e muitas vezes de familiares dependentes. Em termos internacionais há uma defasagem entre o valor da aposentadoria e o valor do salário anterior. Os governos alegam que salários integrais inflacionam o encargo da Previdencia Social. Mas os aposentados enumeram os financiamentos supérfluos, os gastos em demasia, os desvios por varios motivos onde se engloba a corrupção.
Seria a aposentadoria compensadora um encargo capaz de gerar inflação? Quer dizer: para cobrir o caixa previdenciário o governo terá de aumentar impostos e, com isso, gerar maiores preços de produtos? O argumento diz que o aposentado ganhando mais é o que vai gastar mais e tudo fica na mesma.
A verdade é que o idoso, ou o trabalhador que deixa o seu cargo compulsóriamente é, teoricamente, o que mais precisa para gastar em dados primoridiais como tratamento médico e medicamentos. Por isso, muitos aposentados buscam empregos que se não os mesmos, em carater especial, sujeitam-se a outros nem sempre compativeis com as suas habilidades.
Será sempre importante observar que pessoas experientes muitas vezes não deixam de imediato sucessores de suas expertises. Cientistas de diversas areas, com publicações e prêmios, não vão encontrar de súbito quem tenha os mesmos curriculos. E o mais grave, alguns que estão em sua melhor fase de produção sentem-se inúteis porque as instituições às quais trabalham, se os/as aceita para continuar a jornada, lhes cerceia uma série de atividades aos quais ainda poderia estar ativo. Trato aqui da categoria de professor voluntário, um estatuto previsto para as funções de docente (e tecnico-administrativos) nas IFES. Na UFPA há a Resolução n. 679, de 17/11/2009 cujo artigo 10º é claro ao indicar ao pretendente uma tutoria assumida por um colega que assinará qualquer trabalho que seja feito pelo aposentado voluntário. No SIE (Sistema de Informação para o Ensino) como não consta o nome do “voluntário”, este recebe a turma a lecionar na designação do colega indicado como corresponsável por ele. Em outras palavras, o aposentado voluntário, com mais de 70 anos de idade, em que pese a sua energia para o trabalho, é considerado um inválido, ou, simplemente, não possui, sozinho, responsabilidade pelo seu mister.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"PA em 15/02/2013) 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

TUDO É CARNAVAL





Há um dito popular que diz: tudo no Brasil, especialmente na área política, acaba dando em samba. Esse aforismo procede na criação de marchinhas e sambas cantados na época dos carnavais desde o tempo do Império. Da minha época, lembro “O Cordão dos Puxa-Saco”(1945) de Roberto Martins, e/ou de elogios, como  “Retrato do Velho” (1951),  de Haroldo Lobo, uma apologia à volta de Getulio Vargas ao governo, em 1950 e que se transformou em um jingle da campanha. Hoje certamente os blocos carnavalescos, que em tempos passados dividiam-se entre as chamadas “grandes sociedades” e os “sujos” (blocos de rua, com moradores de bairros que podiam dançar o carnaval sem medo de assaltos) restringem-se ao primeiro grupo, com poucos números para o segundo. É de supor que atendam a assuntos que a mídia explorou recentemente, do “mensalão” à eterna critica aos mandatários e líderes políticos de diversos níveis hoje com a Lei de Ficha Limpa. Há mesmo quem se inspire em fatos trágicos exalando mau gosto. Mas a forma de diluir o drama em fiapos de alegria é própria da herança latina e especificamente dos nossos colonizadores. Uma identidade que tem mostrado o diferencial de nosso povo com os demais, mesmo latinoamericanos.
O carnaval deriva de “carna vale”(adeus à carne) e veio da Grécia em 600 a 550 a.C., passando a ser reconhecido pelo cristianismo em torno de 1590. O carnaval moderno, com evidências às fantasias e bailes específicos, surgiu no século XIX, na Europa. Ainda hoje há desfiles carnavalescos em alguns lugares do “velho mundo” e em cidades da America como Nova Orleans (mais conhecido como Mardi-Gras). Mas o carnaval brasileiro tomou espaço internacional no século passado. Hoje é uma atração turística. E o sentimento de folia espalha-se a partir da índole do povo. Ao que consta, a receita estipulada no riso (“rir é o melhor remédio”) tem muitos adeptos entre nós. E as críticas políticas na época carnavalesca rimam com as que se faz no chamado sábado santo (antes conhecido como “da Aleluia”) quando Judas é malhado, lendo-se, antes, um testamento que satiriza várias personalidades do governo ou pretendente a isso.
Muitos compositores brasileiros inspiraram-se em fatos administrativos, ou de pretensão a esses cargos, abrangendo as figuras mais evidentes nos meios jornalísticos, para construir suas músicas carnavalescas. Há o caso de “Trabalhar, eu não”, samba de 1946, criado por Aníbal Alves (Almeidinha) para um bloco; o citado“Cordão dos Puxa-Saco” (1946), de Roberto Martins e Eratóstenes Frazão, satirizando os eternos áulicos ou bajuladores compondo a comitiva dos políticos que estão “de cima” e quando estes caem do poder, desaparecem. Há ainda ”Pedreiro Valdemar”(1949), de Roberto Martins e Wilson Batista, de 1949, cuja crítica social assistia à diferenciação de classe em que o construtor do edifício, quando este passava a ser habitado, era excluido da entrada principal; ”Daqui não Saio” ( 1950) de Romeu Gentil e Paquito, criticando tanto o entreguismo brasileiro da época como a elite beneficiada pelas regalias de cargos públicos e não queria mais deixar o lugar; ”Maria Candelária” (1952 ) de Klecius Caldas e Armando Cavalcanti, visto como sátira aos funcionários “alpinistas” e com QI (Quem Indica) que faziam carreira no serviço público sem trabalhar, chegando ao ápice do cargo; ”Não vou para Brasilia” (1957), samba de Billy Blanco, criticando o deslocamento da capital do país do RJ para o Planalto dizendo num refrão: “mesmo que seja para ficar cheio de grana”, censurada pelo diretor da Rádio Nacional, Moacyr Arêas. Há muito mais nessa linha, mas fico só nestas.
O termo “dá em samba” é sinônimo de “dar em pizza”. É o esquecimento oferecido a temas de interesse popular que muitas vezes alcança a midia e/ou deixa de ser abordado por quem de direito. O ato de “esquecer” um assunto que foi divulgado e cobrado por muitos num determinado tempo pode se dar por perder espaço a outros mais cotados ou por interesse de quem pode ganhar com isso. Há casos “crônicos” que exemplificam acomodação social como se vê nas músicas, a exemplo de “Maria Candelaria”, onde se critica a pouca importância dada ao emprego publico, ou a clássica distinção de classe com a humilhação em evidência (como “Pedreiro Valdemar”). Também não é nova a bajulação, ou o “cordão de puxa-saco”.
Mas não é só no samba ou nas marchinhas que se encontra um carnaval que se pode parafrasear como “nada vale”. Também nas fantasias usadas pelos foliões. As máscaras que lembram os presidentes do país é uma constante. Também de políticos punidos ou não por desmazelos, assim como os que se tornaram populares de alguma forma. Quanto mais característico o semblante, mais alvo de caricaturas, mais modelos para os mascarados que saem às ruas ou frequentam as festas de diversas classes sociais.
Julgando-se pelo carnaval o país, ou os países, “vão bem obrigado”. Quando em ditaduras, a verve cômica do povo é cerceada e no Brasil houve um exemplo no hiato 1964-85. O que se ouviu nas festas carnavalescas foram composições do passado, ou loas patrióticas a lembrar do “cordão” de antes. “Pra Frente Brasil” (1970) é um exemplo. Não foi marcha de carnaval mas esteve nos bailes do período. E o filme homônimo que se fez a partir do titulo chegou a ser alvo dos censores por mostrar atos de tortura. Foi liberado com o rótulo de que se tratava de “uma obra de ficção”. Assim é que se mede a satisfação ou a insatisfação popular nos fevereiros, a hora do desabafo, do cantar os reclamos que em prosa escrita não ganharia repercussão.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 08/02/2013)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

SEGURANÇA ANTES DE TUDO



Imagem dos rescaldos do incêndio na Boate Kiss em Santa Maria (RS)

No Brasil, um dos principais desafios, considerando-se, inclusive, como um problema fundamental, é a questão da segurança pública. Está nos temas debatidos por experts acadêmicos como, também, tem sido assunto do cotidiano da população de um modo geral. É voz recorrente que a sensação que se tem ao sair de casa – seja de moradores das cidades do extremo norte às do extremo sul – é de insegurança, entendo-se esta pela disseminação dos registros estatísticos de assaltos, homicídios, sequestros-relâmpago e por ai seguem os números de crimes que tendem a levar a incerteza quanto às medidas de prevenção que deveriam estar sendo aplicadas para coibir tais delitos pelo poder público ou pelos gestores das cidades comprometidos com o bem-estar da população.
Ao que consta, pelo menos desde o ultimo final de semana, com a tragédia de Santa Maria (RS), houve o deslocamento desse painel de incidências delituosas sobre as quais se acumulam as questões relativas à criminalidade, para incluir outro foco da segurança pública até então pouco tratado – o ambiente das casas noturnas, boates e assemelhados.
Este assunto só vem á tona quando há um fato que instigue a comoção social e embora haja ocorrências de incêndios em espaços dessa natureza, no Brasil e no mundo, é bem mais percebido quando se dá em edifícios e outras áreas desse porte.
Não é fato desconhecido de brasileiros e brasileiras que a segurança pública investiu de forma exacerbada na avaliação de produtos culturais como filmes e peças de teatro, além de composições musicais, no período da ditadura iniciada com o golpe de 1964. Prisões e exílio se tornaram atos comuns pelo setor de segurança especializado. Também eram investigados os locais de shows que levavam uma multidão de espectadores, não com a intenção de avaliar a estrutura do local, mas o ambiente cultural e as sintonias entre o que cantavam ou proseavam os artistas e o entusiasmo do público. Uma dessas situações culminou no atentado do Riocentro, em 30 de abril de 1981, quando era comemorado o Dia do Trabalhador.
Mas hoje é outro momento e uma nova situação. A comoção  nacional sobre as condições geradoras do incêndio seguido do desespero para fugir das chamas e da fumaça tóxica de mais de mil pessoas na boate Kiss, em Santa Maria (RS), levando à morte mais de duzentos jovens, alertou a segurança pública e os/as brasileiros/as em geral de que há uma arma silenciosa e pouco percebida preste a detonar nos ambientes de lazer e diversão, e que não tem sido tratada como problema de alta periculosidade por esse setor e por outros tantos atores sociais envolvidos nas normas de segurança que devem se tornar eficientes e preventivas nesses episódios.
Para se ter uma ideia do modo como às vezes é tratada a supervisão nas casas noturnas nas cidades, o blog de um delegado de polícia de um estado vizinho, expõe o caso de uma liminar contra o horário de funcionamento de uma boate em que o prejudicado solicita a imposição da Lei Cinderela. O blogueiro/delegado evoca o decreto estadual que autoriza a realização de festas e funcionamento de bares, boites e assemelhados indicando a competência no caso da capital (“Secção de Costumes e Diversões Públicas, sob a supervisão do Departamento de Segurança Pública”) e nas cidades do interior (“às Delegacias de Polícia, que também obedecerão ao controle do Departamento de Segurança Pública”). E a ocorrência foi de que ao ser emitida a ordem, de acordo com o que se propunha o julgado, “um fiscal teria amassado a autorização para o funcionamento da mesma, porque fora expedida pela Polícia Civil”.
Este episódio demonstra a situação das competências na emissão de determinada ordem e que também é motivo de questionamentos no caso atual de Santa Maria, envolvendo ocorrências mais graves do que a da Lei Cinderela, mas a expedição de alvarás de funcionamento dessas casas noturnas sem a mínima condição de receber um tipo especial de show e um grande número de pessoas devido a arquitetura do local fora dos parâmetros estabelecidos para o fim proposto.
No caso especifico, o processo não se constitui numa só dimensão de avaliação do espaço específico para determinado fim e emissão do documento, mas segundo a necessidade, na correção de irregularidades detectadas na comparação com o projeto de edificação apresentado e submetido aos órgãos competentes para a emissão do alvará e o “habite-se” emitido pela vigilância sanitária e de saúde das prefeituras. Segundo o que tem sido divulgado pelas mídias e nas entrevistas de experts, não é possível expedir documentação desse teor sem a comprovação de um laudo de vistoria técnica lavrado pelo Corpo de Bombeiros.
O que tem circulado no noticiário sobre as causas que teriam contribuído para a explosão da tragédia em Santa Maria leva a observar que a esfera de poder na emissão de alvarás não tem apenas um órgão responsável, mas vários. Trata-se de um campo que deveria ter, também, as normas atualizadas, além de mecanismos modernizados para aplicar nas vistorias.
Mas não só a estrutura física desses espaços deve ser um problema para envolver uma vistoria. O material humano que se habilita tanto para a avaliação das normas do projeto arquitetônico quanto e principalmente o que será contratado para os serviços internos da casa noturna também deverá ser especializado, receber um treinamento para as situações de risco.
Quem circula nesses espaços deve estar atento para os ambientes frequentados. É a lição tirada da tragédia.

(texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, de 01/02/20013)