Apesar de o Brasil ser um
estado laico, ou secular, os feriados religiosos são obedecidos atendendo a uma
tradição advinda de época remota. Afinal as tradições se impõem com o tempo,
com o comportamento que passa por gerações. Em se tratando da Páscoa, poucos
sabem que o preceito católico usa o nome de Pessach hebraico que marca a fuga/libertação
dos judeus do jugo egípcio. Os hebreus liderados por Moisés saíram do domínio
do faraó depois do que o Torá cita como “as sete pragas” que Deus jogou sobre
os egípcios escravocratas. A pior das pragas, a morte dos primogênitos, atingiu
a família do governante que relaxou a prisão do povo judeu (historicamente foi
este povo quem construiu pedra a pedra as grandes pirâmides). Esta passagem é
mais conhecida como Êxodo. Na cristandade, Páscoa passou a ser a data da
ressurreição de Jesus. Os evangelhos citam que na época em que este foi preso o
romano Pilatos chegou a propor uma escolha para liberar um detento na festa
pascoal, forma de manter uma certa simpatia para com os dominados pelo seu
império (o romano). Foi escolhido Barrabás, um criminoso notório.
A tradição (transmissão de
valores de geração em geração) justifica não só os feriados como detalhes das
festas religiosas que dão margem a eles – ou derivam deles. Poucos sabem de
como se colocou o ovo como um objeto de consumo no período pascal. Isto foi
introduzido pela celebração à deusa da primavera, Ostera, simbolizada por uma
mulher que segurava um ovo em sua mão e observava um coelho, representante da
fertilidade, pulando alegremente ao redor de seus pés. Vai daí a alusão ao
coelho, outro detalhe da festa religiosa (e no caso, o coelho simboliza a
procriação posto que um animal que se reproduz facilmente).
Não é só o Brasil, como país
laico, que abre espaço para feriados religiosos. A Inglaterra, por exemplo,
diz-se secular, mas como a rainha é a chefa da igreja anglicana, o seu
aniversário é feriado no país.
O que é tradição dificilmente
pode ser quebrado por lei. Em 11 de abril de 2012, o
Ministro do STF Marco Aurélio Mello reiterou em sessão do STF: "Os dogmas
de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais”. Mas é impossivel
mudar sentimentos populares. No governo Sarney, muito apegado à religião
católica, passou a idéia de se festejar uma data que caisse no meio da semana
em um fim de semana. Não foi a solução para manter ativa a classe trabalhadora
– ou a população em geral. Ninguém aceitou passar o dia de Corpus Christi, no
calendário católico a data que marca a instituição da eucaristia, de uma
quinta-feira, habitualmente respeitada, para uma próxima segunda. No Pará temos
um feriado religioso dedicado a N.S. da Conceição(8 de dezembro). Ninguém
aceitou comemorar essa efeméride em outra data para convergir para um fim de
semana. O que acontece normalmente é um “dia enforcado” ou seja, se um feriado incidir
numa quinta-feira, o poder público decreta ponto facultativo na sexta.
A questão do Estado Laico esbarra na maioria católica do país. E mesmo
algumas falanges protestantes assumem certas datas. Esta postura popular foi
evocada quando em março de 1964 induziu-se a idéia de que o governo Goulart
estava caminhando para “o comunismo ateu”. Neste caso, é bom observar a
diferença entre Estado Laico e Estado Ateu. No primeiro preza-se a liberdade
religiosa de cada um. No segundo proibe-se. Pois a propaganda, guiada pelos
norte-americanos que tinham receio de uma nova Cuba no continente, apelavam
para a religiosidade do povo colocando os discursos do presidente como formas
de simpatia ao governo então vigente em Moscou. A campanha começou a “dar
certo” como é exemplo a “Marcha da Familia com Deus e pela Liberdade”,
acontecida dias antes do golpe de 31 de março.
Um leque de preceitos tradicionais abre-se à uma população que foi
educada pelo colonizador português. Não à toa que uma das primeiras
manifestações nacionais depois da chegada de Cabral às terras “de Santa Cruz”
foi uma missa. E isso é lembrado nas escolas ao lado de qualquer pesquisa em
torno dos descobrimentos ou da interrogação sobre o acaso da descoberta, fato
que se discute nas academias em tempos contemporâneos.
Qualquer candidato a cargo eletivo tende a manter uma postura condizente
com essa tradição religiosa do povo. Sair da linha é perder voto, dizem eles. E
até os ditadores que andaram pelas nossas bandas disseram-se cristãos. Mesmo
assim, mesmo mantendo o que é reproduzido de pai para filho/a, comportamentos
nada condizentes com a religiosidade crescem na violencia que se observa em
toda parte. Certo que hoje a midia divulga o que antes era oculto e às vezes
silenciado na pecha do “pecado”. Mas a deseducação pela má absorção de outras
culturas ou pela dificuldade de vida gera o que um autor chamou de “ovo da
serpente”. Por isso, as festas de cunho religioso são festas. E se antes eram
ligadas em outras terras às estações do ano com reflexo na colheita agora são
fatos independentes, válidos por eles próprios, de uma cultura a uma suposta fé que
se interliga entre as diversas classes sociais.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 29/03/2013)