sábado, 28 de janeiro de 2012

COMUNICADO: falecimento de Cristina Bruschini

É com pesar que a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) comunicam o falecimento da pesquisadora Maria Cristina Aranha Bruschini, 68 anos, ocorrido nesta quinta-feira, 26, em São Paulo.


Mestre em Ciências Sociais e doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), iniciou suas atividades no Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas, de São Paulo em fevereiro de 1978. Dedicou sua vida à pesquisa questão da mulher no mercado de trabalho brasileiro.

Coordenou durante muitos anos o Programa de Dotações para Pesquisa sobre Mulheres e Relações de Gênero. Teve uma forte contribuição para que a Fundação Carlos Chagas se tornasse uma referência no campo dos estudos de gênero.

O movimento de mulheres perde uma grande militante, pesquisadora incansável do cotidiano da mulher trabalhadora, cotidiano este, onde se desenrolam as mais duras lutas. O Brasil perde uma mulher guerreira que trabalhou até os últimos dias de vida lutando, por mais de 10 anos, contra um câncer que a venceu. Fica a dor e uma grande lacuna.

O LEGADO - Cristina Bruschini (como gostava de ser chamada) deixa um importante legado que entre os quais podemos destacar:

BRUSCHINI, Cristina. Sexualização das ocupações: o caso brasileiro. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, Fundação Carlos Chagas, 1979. Mulher e trabalho: uma avaliação da década da mulher. São Paulo: Nobel; CECF, 1985; Mulher, Casa e Família: Cotidiano nas Camadas Médias Paulistanas. São Paulo: Vértice; Fundação Carlos Chagas, 1990; Sexo e Juventude: como discutir a sexualidade em casa e na escola. São Paulo: Cortez., 2000. BRUSCHINI, Cristina. Gênero e Trabalho no Brasil: novas conquistas ou persistência da discriminação? (Brasil, 1985-95). In: ROCHA, Maria I. B. da. (org.) Trabalho e Gênero – Mudanças, permanências e desafios. Campinas - São Paulo/ Editora 34/ABEP/NEPO-UNICAMP/CEDEPLAR-UFMG, 2000, pp.13-18; A situação da mulher brasileira nas últimas décadas. In: VELLOSO, João P. R. (org.). Brasil 500 Anos – Futuro, presente e passado. Rio de Janeiro, José Olympio,2000, pp.423-464; Brasil: la calidad del empleo de las mujeres. Continuidades y cambios. In: VALENZUELA, Maria E. e REINECKE, Gerhard. (eds.) ¿Más y Mejores Empleos para las Mujeres? Santiago, Chile, OIT/Oficina Internacional Del Trabajo, 2000, pp.135-192; BRUSCHINI, Cristina e LOMBARDI, Maria R. A bipolaridade do trabalho feminino no Brasil contemporâneo. Cadernos de Pesquisa, nº 110, São Paulo/Campinas, Fundação Carlos Chagas/Autores Associados, julho de 2000, pp.67-104; O trabalho da mulher nos primeiros anos da década de noventa. Anais do X Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP/Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 1996, pp.483-516; Mulheres e homens no mercado de trabalho brasileiro: um retrato dos anos noventa. Versão brasileira do livro Les Nouvelles frontières de l’inégalité – Hommes et femmes sur le marche. BRUSCHINI, Cristina e LOMBARDI, Maria R. Banco de Dados sobre o Trabalho das Mulheres. Série Mulheres e Mercado Formal de Trabalho, Fundação Carlos Chagas [http://www.fcc.org.br], 1998. Tesauro para Estudos de Gênero e sobre Mulheres - Cristina Bruschini, Editora 34 ,1998. Cristina Bruschini & Celi Regina J. Pinto. Tempos e Lugares de Gênero, Editora 34, 2001.

“Se eu fosse dar um retrato bem objetivo, eu diria que o mercado de trabalho feminino é feito de avanços e permanências”. (Cristina Bruschini)
 
(A imagem é a capa de um dos livros organizados por Cristina Bruschini, "Entre a Virtude e o Pecado")
Comunicação Social

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A EDUCAÇÃO BÁSICA E A CIDADANIA



Uma das políticas públicas mais importantes que deve ser tomada a sério pelos governos é a educação. Alguns problemas que tendem a enfraquecer a confiança e a esperança de uma pessoa é a de não saber ler. Então, a educação básica me parece o eixo fundante de toda a auto estima gerada no ser humano contributiva dos valores que constroem o sentimento de felicidade por se reconhecer cidadão/ã.
Lembro de dois momentos que me fizeram pensar em como a condição de analfabeto é algo que causa muita dor. Nos idos de 1950, eu estava no auge do aprendizado da leitura, e essa euforia me fazia ir a todos os lugares com um livro debaixo do braço. Certo domingo, a família (a praxe da época) foi em visita à casa de compadres de meus pais que moravam num local a beira do rio. Da festa da chegada a um episódio que àquela altura não dimensionei porque desconhecia o que representava, a situação me marcou para sempre. É que no exagero de ler um conto muito emocionante do livro didático (seleta de textos de autores nacionais, “contos pátrios”), “O “Perna de Pau”, de Coelho Neto, que era o meu preferido, dei o livro à amiga da minha mãe para que esta lesse um trecho. Houve um silêncio. Eu levantei os olhos e vi-a lagrimando. Minha mãe notou o gesto e disse “Maria, lê porque a comadre não está enxergando direito”. E eu iniciei a leitura, posto que já sabia de cor a primeira frase do conto. Ao chegar em casa minha mãe me explicou que a comadre não sabia ler, fato que para uma criança àquela altura era impossível de entender. Talvez tenha sido essa a origem da minha “vocação” para o ensino.

O outro fato se deu numa pesquisa que participei do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher - CLADEM, anos 1980, em visita a cinco cidades das microrregiões paraenses, entrevistando mulheres da zona rural sobre o entendimento delas dos termos usados na área jurídica sobre violência doméstica, como meio de conhecer a causa da baixa denúncia sobre esse problema. Numa das casas, a mulher vem alegre ao meu encontro, eu tirei os papéis da pasta e quando ia conversar com ela o marido se adiantou e disse, “dona, quem vai responder sou eu porque ela não sabe ler”. O riso triste fez com que a minha depoente abaixasse a cabeça e retornasse para dentro de casa. Contornei a situação, com medo de uma represália, chamando os dois para iniciar a conversa.
A que vêm estes relatos? Considerei oportuna esta abordagem, visto que na terça feira, ouvi o discurso do atual Ministro de Educação de privilegiar o ensino básico dando as condições para erradicar o analfabetismo. Já ouvi muito essa proposição de gestores, mas considero que sempre é possível ter esperanças porque senão perdemos a fé de erradicar também a tristeza de quem almeja ao menos participar melhor da convivência nas relações sociais, como mostram os dois fatos relatados.
Num balanço sobre a situação da taxa de analfabetismo no Brasil o IBGE apurou que entre 2000 e 2010 esta taxa caiu entre pessoas com mais de 15 anos. O ritmo menor dessa estatística está entre indivíduos de 10 a 14 anos. Nesses dados, foi detectada uma discrepância entre analfabetos homens e mulheres: se em 2009, a taxa de analfabetismo entre homens de 15 anos ou mais de idade foi de 9,8%, a das mulheres, para a mesma faixa etária, foi menor, de 9,6%, sendo que 92 6% dos analfabetos em 2009 tinham 25 anos ou mais de idade.  Em termos regionais, o Nordeste destaca-se com uma taxa na ordem de 18,7% em 2009, a maior do País. Nós, da Região Norte, estamos na segunda posição, com taxa de 10,6%, seguida do Centro-Oeste (8%), Sudeste (5,7%) e Sul (5,5%).
É possível visualizar, nos dados gerais desse instituto, que o país apresenta 14,61 milhões de analfabetos com mais de 10 anos, representando 9% da população na faixa etária. Se formos comparar essa situação a partir dos anos 1940 até 2010, verifica-se que a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais no Brasil teve um decréscimo considerável, pois naquele período era de 56% as pessoas que não sabiam ler, enquanto de 2000 a 2010 essa taxa caiu de 13.6% para 9.6%, numa redução de 29%.
Em nível mundial, diz a UNESCO que dos 796 milhões de analfabetos no mundo, dois terços são mulheres, ou seja, cerca de 530 milhões são mulheres. Por esses estudos, “os analfabetos também são os mais atingidos por problemas causados pela fome e por crises econômicas”.
Retornando às evidencias de outros problemas para esse grupo iletrado, os fatos que presenciei confirmam o sofrimento de quem se vê à margem do processo de escolarização. Esse dado, por ser visto tão subjetivamente e sem condições de cálculo estatístico demonstra ser o mais cruel de todos, pois provoca a morte moral de homens e mulheres que se vêem à margem da vida, sem esperança e, principalmente, sem consciência de possuir direitos de cidadania.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" (PA), de 27/01/2012. A imagem que ilustra o texto é do site  http://www.experimentum.org/).

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

AS FALAS DA SUCESSÃO


Mesmo quem não está tão ligado às próximas eleições (outubro 2012), mas segue informado pelos canais da mídia desde as redes sociais virtuais às noticias da imprensa escrita e falada, sente no ar as tensões já instaladas em torno de quem estará, primeiramente, na lista de candidaturas e/ ou nos boatos, em seguida, na indicação propriamente dita ao cargo dos governos municipais. Para alguns, a marchinha carnavalesca de Haroldo Lobo e Marino Pinto (1951), “Retrato do Velho”, vai ser cantada, de certa forma, como sinônimo de reeleição. Mas, o que era dito antes com ares de certeza - “bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar”- embora não fosse visto com essa “certeza” toda porque na política esse qualificativo nem sempre é possivel – hoje, o que se observa nas versões públicas é que há mais incerteza nessa presunção, porque se o jogo político intrapartidário para recrutar uma liderança para a competição exige uma ampla perspectiva de alianças com adesos ou não aos programas do partido, há outro componente que pode alterar toda a métrica ponderada das equações e dos números das pesquisas de opinião que é a posição do eleitorado ao quadro decisório. Não é mais possivel pensar na ingenuidade deste grupo tomado como o último degrau do processo seletivo de candidaturas e responsável pelo êxito de um candidato para assumir o pódio gestor de uma cidade.
No momento, as pré-candidaturas ao cargo de prefeito das cidades do Brasil, se alinham às normativas de seus estatutos partidários e/ou aos conchavos dos líderes. Mesmo que alguns céticos e também cientistas políticos neguem o seguimento dos filiados a este instrumento oficial considerado inoperante, continuo a achar que nele, enquanto conjunto de regras que disciplinam as relações internas dos/as filiados/as, se acham normas que definem juridica e políticamente a vida orgânica desses partidos. Que podem ser obscurecidas ou não na hora de aplicá-las, mas que estão lá na certeza oficial de que deverão definir a organização de seus pares para esses eventos.

No estudo que fiz sobre recrutamento de candidaturas parlamentares, analisei 27 estatutos dos partidos que competiam em 2002. Entre os pré-requisitos para um cidadão ou cidadã brasileiro/a se tornar um candidato ou candidata, ser filiado ao partido consta das normas eleitorais, tem unanimidade estatutária e constitui um atributo fundamental na competição eleitoral. Está entre os direitos do filiado“votar e ser votado para os cargos partidários e para os cargos públicos eletivos”. Os termos variam, mas o significado é o mesmo, constando do capítulo referente aos direitos do filiado em todos os estatutos pesquisados. Mas o único que aquela altura registrava uma pré-seleção de candidatos para todos os cargos era o do PT. Primeiramente, pude observar que nessas regras o pretendente a um cargo eletivo mantém-se através de um selecionador prévio que se responsabiliza pela indicação do/a filiado/a. Este/a não se apresenta individualmente, mas deve ser uma indicação coletiva de filiados qualificados para ser aceita a indicação de seu nome pela Comissão Executiva do partido.

Através da minha análise, o PT apresenta, nos seus estatutos, um modelo de seleção de candidaturas que circula entre a indicação, a votação e a homologação (conforme teorias de autores anglo-americanos como Reuven Hazan, 2002) sendo que cada processo está centralizado nos membros filiados que detêm cargos do Diretório em níveis nacional (no caso de presidente da República), estadual ou municipal, para os quais foram eleitos, ou em Núcleos de Base municipal ou setorial. A avaliação aponta um processo que se evidencia na média inclusão (selecionadores 1 e 2) ao limite médio da maior exclusão (selecionador 3), em se tratando da posição centralizada do selecionador ou nível de democracia interna do partido. Se todos os filiados têm que contribuir para o partido e têm outros requisitos constantes de seus direitos e deveres estatutários, o mais democrático, ou o nível de maior inclusão seria que todos tivessem acesso à escolha dos que participam das listas e serão votados pelo eleitorado, uma vez que os eleitos passarão a fazer parte da bancada parlamentar ou cargo majoritário do partido.

Nesse processo de seleção de candidaturas um aspecto se evidencia: a presença das tendências que se agregam ao PT. Elas estão inscritas no Art. 233 do estatuto como "agrupamentos que estabelecem relações entre militantes para defender, no interior do partido, determinadas posições políticas não podendo assumir expressão pública e declarar-se de vida permanente"; devem solicitar registro como tendência interna do partido se não se constituem em organismo partidário (§ 2o); mas "o partido não reconhece o direito dos filiados de se organizarem em frações públicas ou privadas"(§ 4o). Contudo, um dirigente que foi entrevistado nesse período informou que as tendências se sobredeterminaram à unidade regional e apresentam candidatos para esse processo de pré-seleção.

Este enfoque pouco conhecido sobre os estatutos partidários dos que analisam o atual processo de discussão de prévias de candidaturas do PT deixa de levar em conta que essas atividades ocorrendo em cada municipio paraense para a indicação de um candidato ao cargo de prefeito estão no registro estatutário e seguem as normas para chegar a uma decisão eleitoral do quadro de votantes que são os filiados quites com as mensalidades (cf. Art. 135, pag. 26 do estatuto de 2007).

Sem dúvida, o que tem marcado os discursos dos pretendentes ao cargo nas plenárias em cada distrito, no caso de Belém e nos muncipios onde o partido pretende indicar candidatos ao cargo majoritário, é evidenciar a sua identidade enquanto militante do partido esclarecendo as potencialidades de sua gestão caso saia exitoso nas prévias. Essa é a coerência observada ao estudar partidos políticos em Angelo Panebianco (2005) que vê o risco das organizações não terem êxito em representar a força interna e externa de seus membros porque, como ele diz a racionalidade dessa associação de pessoas ao garantir influência diante do eleitorado, é mostrar o poder político que têm na sociedade.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" em 20/01/2012, com algumas alterações)

sábado, 14 de janeiro de 2012

ANTONIO LEMOS E A CIDADE DE BELÉM


O percurso que tenho feito para re-conhecer Belém e sua base política, tem sido longo e intenso. A partir de estudos abracei os contornos teóricos sobre comportamento eleitoral e dividi com as pesquisas sobre a cidade, a circulação nos entornos do estado, chegando a ver o Pará inteiro com suas tensões e necessidades pela melhoria de vida de seu povo, num território que faz parte da Amazônia. Da Ciência Política à História, tenho circulado pela questão das oligarquias, das mulheres paraenses inseridas em todos os processos políticos – embora os historiadores regionais silenciassem essa presença – tenho convivido com o que representa a cidade de Belém para o povo paraense. Dos colonizadores que aqui chegavam a cata de especiarias e riquezas minerais e animais, aos que hoje procuram detonar essas riquezas construindo hidrelétricas que causarão estragos inenarráveis ao nosso povo, conhecer Belém tem sido para mim uma constante e uma prioridade de vida acadêmica. Porque esse vértice que leva à pesquisa e consequente conhecimento do potencial humano-ambiental revela-se o eixo que traduz a decisão pessoal para abraçar causas com batalhas nem sempre exitosas e de fácil conquista, mas de resistência ao que se processa nas deliberações externas ao Estado e às repercussões na cidade-polo estadual.
Neste tributo aos 396 anos de fundação de Belém reservo-me a tratar de uma figura que marcou profundamente os primórdios de meus estudos – Antonio José de Lemos (1843-1913), maranhense, que chegou por aqui muito cedo, como pracinha e, aos poucos, por sua pena brilhante de jornalista foi se inserindo no cotidiano da cidade e na vida política estruturada nos primórdios da República, embora mantivesse resquícios do tempo em que o império portugues determinava as regras de gestão e estabelecia certa soberania com a representação parlamentar, evidenciando um tipo de sistema híbrido como se conhece da tradição democrática brasileira.

A proclamação da República encontra Antonio Lemos investido do cargo de vereador mais votado da Câmara Municipal de Belém, o equivalente a Intendente, e como tal, dá posse à Junta Governativa Republicana presidida por Justo Chermont. Contudo, dez dias depois foi destituido do cargo e perseguido pelo presidente da junta. Lemos não desistiu da política e pouco depois se elegia senador à Constituinte Estadual pelo PRP, ao  qual  aderira com a dissolução dos partidos monárquicos.
Dos quadros do PRP ele chegou à secretaria da comissão executiva do partido, em 1891, no momento em que Justo Chermont era presidente, chamado pouco depois a assumir o cargo de Ministro das Relações Exteriores. Lauro Sodré encontrava-se à frente do governo estadual, de forma que as ausências dos dois republicanos da sede partidária abriram caminho para que outras lideranças paroquiais se constituissem. Aos poucos, Antonio Lemos emerge como lider do PRP, mantendo-se por cerca de 15 anos, sem que nenhuma vez tenha subido ao governo estadual. A partir da função que exercia de secretário do partido, Lemos realiza um paciente controle das situações que caem em suas mãos.

O fortalecimento da política de urbanização era a preocupação maior do Intendente no governo municipal desde 1897. Seus relatórios ao Conselho Municipal demonstram a facilidade com que gastava elevadas somas, na aquisição de tudo o que constituisse embelezamento da cidade e/ou na implementação de técnicas modernas do seu modelo de progresso, surgidas nos grandes centros da Europa. Além de todas as concessões e privilégios às empresas que se encarregassem da melhoria dos serviços públicos, arborização, ajardinamento etc, Lemos ainda incentivava os munícipes a investirem na construção ou reforma de suas casas, de acordo com modelos que ele próprio escolhia. Tomava como tal as casas de grandes proprietários. Por outro lado, essa política de urbanização, desapropriava prédios ou terrenos necessários à construção de avenidas ou de outros melhoramentos exigidos.
Sobre as novas técnicas, os registros evidenciam os contratos com a Pará Eletric para o serviço de viação por tração elétrica, ficando essa companhia inglesa responsável também pelo financiamento dos tipos de bondes a serem utilizados em Belém. Com a mesma companhia, faz acordo para a implantação da iluminação elétrica. Para o serviço de telecomunicações, o contrato é feito, inicialmente, com a firma responsável pela patente do aparelho "telautógrafo", do inglês Richard Henry Mardock & Cia, concedendo favores para a instalação e exploração do referido serviço em todo o município.

A política de embelezamento da cidade prevê, ainda, a questão do lixo às portas das casas e mercearias. Um contrato é formulado com o farmacêutico Álvaro Fenício de Mello para a adoção de caixas sanitárias de invenção deste profissional, servindo como depósitos de lixo das habitações, comércios e edifícios públicos.

Outra forma asséptica do urbanismo lemista é aplicada contra os pregoeiros que vendiam vísceras, frutas, carnes, etc, pelas ruas da cidade, obrigados a utilizar os carrinhos de mão e tabuleiros construídos pela Empresa Americana de Veículos, pagando, inclusive, uma taxa sobre a utilização desses objetos.
Os custos desta política de urbanização exigiam recursos excessivamente altos. As justificativas se baseavam na necessidade e nos “favores” que os empresários faziam à Intendência. Em 1903 é realizado o primeiro empréstimo externo do Município de Belém, contraído contra o London and Brasilian Bank Limited, na quantia de 1.000.000 (um milhão de libras).

O modelo de cidade importado aos grandes centros europeus criava um ambiente aprazível para uma fração da população belemense, aquela que representava a elite, pois era quem se utilizava desses serviços, exigindo a  desodorização dos espaços por onde circulava.
A impopularidade de Lemos baseada nessa proposta de urbanização, instigada pelas forças políticas dos “históricos republicanos” culmina em agosto de 1912. Este ano comemora-se o centenário da queda do “velho Lemos” do poder. Sua odisséia ainda está marcada nas mangueiras que mandou plantar nas ruas, e que sobrevivem, carcaterizando a cidade que tanto amou.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal",Pará, em 13/01/2012)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A POLÍTICA LOCAL, DE ONTEM E DE HOJE


No passado, uma política local (trato aqui desde a escolha de candidaturas, das campanhas, do agrupamento familiar na idologia partidária apaixonada, e sequências fatuais) ao meu olhar de criança (lembro do filme “A culpa é do Fidel”), na época, revelava-se bastante simples, sem o aparato que hoje encerra. Definido o partido ao qual se integravam os chefes da familia e amigos próximos, a turma toda saia para fazer campanha, geralmente na operação face-to-face, ou seja, no corpo-a-corpo nas ruas, canoas percorrendo rios e igarapés, comícios, reunião de grupos de mulheres (setor municipal da Legião Feminina Magalhães Barata etc que se instruiam para o que elas chamavam de “fazer eleitores”). Lembro de uma eleição clássica, a de prefeito em Abaetetuba, em 1950, concorrendo pela reeleição Pedro Pinheiro Paes (PSD) e o aspirante novato, Joaquim Mendes Contente (Coligação Democrática Paraense-CDP. A foto é uma homenagem ao mestre do saber médico para uma população carente). Como a tensão política entre os Miranda e o chefe político Magalhães Barata (devido a uma violência cometida pelos próceres do PSD local contra minha avó, a matriarca da família Miranda Reis, expulsando-a de sua casa por desapropriação injusta) havia minado as bases, seus parentes se deslocaram para a CDP. Assim, até as criancinhas de colo acompanhavam as mulheres em montarias singrando os rios para falar com as pessoas sobre as tendências de governo de “seu” Contente, caso fosse eleito. O fato é que o nosso candidato era conhecido na cidade inteira - zona urbana e rural - haja vista ser o farmacêutico/médico de toda a população. Íntegro, formando uma família exemplar, ganhava mais votos e credibilidade por sua solidariedade com os mais pobres, fora da época eleitoral, devido ser, também, um membro da Ordem Vicentina (São Vicente de Paula) e incorporar o programa da entidade, ou seja, espírito de caridade que esse santo emanava. Quem não tinha recursos levava o remédio de sua farmácia e/ou pagava com o que pudesse contribuir no processo de troca (farinha, galinhas, frutas etc). E por essa maneira de ser do nosso candidato ele foi eleito com uma margem significativa de votos.
Se a “maneira simples” do olhar da criança potencializou a lembrança desse “tempo-foi” (no escrever de Lindanor Celina) hoje, com as teorias da política e uma argumentação mais aguçada de avaliar o processo tende-se a enxergar em outro viés esse fato. Por suposto, a conveniência da candidatura de Mendes Contente teria sido avaliada (sem as pesquisas contumazes de hoje, mas dentro da racionalidade local e o volume de capital social que o mesmo angariara até então) pelas lideranças, na convicção de lançá-lo candidato para enfrentar um partido forte em todo o Estado do Pará, o PSD. Contudo, a percepção pragmática evidenciava os nervos dessa candidatura se caso um só partido o apresentasse. Assim, a criação da frente ampla intitulada Coligação Democrática Paraense integrava os líderes e filiados das demais agremiações oficializadas entre seis partidos menores (UDN, PSP, PTB, PST, PL e PRP) para o fortelecimento da escolha. Obviamente que essas articulações não eram aleatórias, mas regidas pelas normas do código Eleitoral de 1950, Lei nº 1.164, de 24/07/1950, aprovado e editado já sob vigor da Constituição de 1946. Houve especulação para a escolha do nome do candidato. João Reis (PST) candidato a vereador, argumentava da indicação do nome de João Miranda(meu pai) para esse cargo. Foi vencido pelo tom sentimental de minha mãe e, obviamente, pela avaliação do capital político de maior peso de Mendes Contente. Que jamais foi um lider político nos moldes dos que lançaram seu nome. Foi vitorioso nessa eleição.

Nos dias atuais, a política de recrutamento de candidaturas aos cargos majoritários, nos vários partidos, no ano de eleições municipais, apresenta-se muito mais sofisticada e com uma engrenagem que facilita explorar o capital político e social de filiados/as que mantém certa liderança em sua base partidária e regional. As interrelações entre possibilidades de escolhas de candidatos/as da área urbana e rural necessitam de uma análise mais segura (se isso é possível) com projeção para as eleições gerais de 2014. Pesos, contrapesos e emblemáticas observações sobre o que causará acréscimos nas eleições majoritárias (presidencial e governos estaduais) se tornam variáveis importantes para especulações. Algumas conjecturas jogam no vazio certas assertivas e os que as conjugam deveriam ficar atentos ao que dizem, haja vista ser suposições e não projeção confirmada com base em multiplas variáveis, às vezes até momentâneas ou não conjugadas no presente.
O Pará certamente saiu do plebiscito recente sobre a divisão do Estado com um outro mapa de recrutamento de candidaturas. As alianças partidárias de 2010, se por um lado desapontaram certos candidatos derrotados, por outro devem agregar novas legendas se a infidelidade regionalista despontou na hora da urna eletrônica para o desequilibrio da balança entre partidos. Alguns que majoritariamente se posicionaram pelo Sim, sentem-se hoje descompromissados com a aliança feita nas eleições passadas com um de seus aliados, embora possam contornar a situação pelo bem de seu próprio nome se avaliarem êxito irreversivel de um de seus líderes no distrito onde mantém suas bases. Por outro lado, o eleitorado que se apresentou com mais de um milhão de votos não aceitando a divisão está consciente de quem se constituiu em trânsfuga na hora do posicionamento plebiscitário.

Outros reflexos nas escolhas convergem para a negociação entre os gestores no poder e os que pretendem indicar para o cargo, avaliando sua base de sustentação na administração realizada. Certas análises apontam ainda para a decadência de alguns líderes supondo que o partido destes esteja decaído, portanto, sem estratégias de negociação. Não creio nisso. Como diz o meu mestre Jairo Nicolau, a ciência política não vaticina, obriga a examinar variáveis.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 05/01/2012)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

FELIZ ANO NOVO


Uma revista nacional, este mês, publica o resultado de uma pesquisa efetuada no University College de Londres que revela o fato de o cérebro das pessoas otimistas rejeitar pensamentos negativos. Parece o óbvio, mas, no mundo de hoje “ser otimista” confunde-se com “ser ingênuo”, carregando com isso a incapacidade de prever desastres “subestimando riscos”.
No plano político, o otimismo ganhou lugar na história em situações como a adoção do New Deal (a política do Novo Ideal), método francamente otimista, mas com base em mudanças na economia, preconizado pelo presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt diante da crise econômica iniciada em 1929. No Brasil cabem muito mais histórias contrárias. Fernando Collor, que assumiu o governo da república brasileira com a grande força da propaganda de “caça aos marajás”, culpou a inflação dos últimos anos da década de 80 pelos que usufruíram de benesses no período. Estariam os ricos mais ricos e os pobres mais pobres. Esta visão simplista do quadro econômico derrotou o adversário que vinha das classes populares (Lula). Deu em que deu. Antes disso, Janio Quadros (eleito pela coligação PTN-PDC-UDN-PR-PL) vestiu a camisa de “varredor de bandalheiras”(sic, como dizia a música publicitária), apoiando-se na inflação deixada pelas emissões sucessivas de moeda feita por Juscelino Kubitschek para poder construir Brasília. Uma expressiva maioria apoiou Jânio como o homem capaz de impor um tipo de moral num governo que se espalhava como perdulário, embora todos aplaudissem (num paradoxo que se amparou na pessoa do ex-presidente JK, sempre sorrindo e fazendo o que se dizia e até se predizia se ele voltasse: “50 anos em 5”). Certamente a “vassourada” de Jânio ganhou força porque Juscelino não pôde se manter no poder. Se quisesse o faria. Mas a verdade é que nem sequer apoiou devidamente o sucessor indicado por seu partido (PSD): Henrique Teixeira Lott. O que se viu a seguir foi o presidente eleito renunciar ao cargo no mesmo ano de sua posse (1961) uma vez que assumiu o executivo nacional em janeiro desse ano. Disse o historiador Helio Silva: “Analisada, a renúncia não tem explicação. Ou melhor, nenhuma das explicações que lhe foram dadas satisfaz”. Diziam que a vontade do “estranho”(na figura física) chefe do executivo era a de imitar Getulio Vargas dando um golpe de estado e se transformando num ditador. Lições existiam mundo afora e hoje se tenta entender por aí a condecoração (a maior da nação) dada a Ernesto “Che”Guevara (na época ainda fazendo parte do governo cubano).
O otimismo foi sempre procurado e alimentado pelos seres de boa fé. Os cientistas dizem que não são só os humanos. Animais treinados em laboratório acostumados a ganhar alimento em um labirinto dentro de uma jaula, prosseguem percorrendo este labirinto mesmo depois de serem introduzidos neles determinados obstáculos cruentos (cf. as experiências de Pavlov sobre reflexos condicionados). Só depois de sofrerem dores com os obstáculos introduzidos é que eles mudam de caminho. Mas se o cérebro fosse sempre comandado por atitudes racionais, ou “realistas”, não se poderia afirmar se haveria alguma liderança de classe e conseqüentemente se esta classe fosse beneficiada por mudanças salutares. A formação de lideres passa por etapas que objetivam a conquista de maiorias. Racionalizar essa formação parece não caber na extrema desconfiança (ou na total ausência de otimismo).
Hoje presenciamos situações que desafiam as esperanças. Por isso é que se diz, agora, “melhores esperanças”. O superlativo é necessário, mas se encaixa numa perspectiva irônica. Nem sempre o que de melhor se espera é o que vem a acontecer(veja-se Belo Monte e o significado desastroso para a nossa região).
No Brasil de hoje há uma carência de fé em valores apregoados. Em especial à política. E alguns consubstanciados. Em nome de uma desconfiança muitas vezes plasmada por analistas entrevistados – ou entrevistadores - paira a descrença como o pêndulo de um relógio. Um ministro, por exemplo, passa de bom a ruim num piscar de olhos (para a opinião pública que geralmente segue a midia). Os poderes legislativo e judiciário são os mais visados. Ser otimista diante de tanto alarde contra figuras públicas pode parecer, de fato, ingenuidade. Mas ainda assim, nesta semana, todos desejarão a todos um“feliz ano novo”. É a mais usada “frase feita” do período. Como se Pinóquio pedisse perdão à fada ainda na gaiola do circo. No caso, aloja-se o otimismo. Ninguém quer entrar o ano falando mal de alguém. Obviamente desde que a ferida não seja dolorida ou o obstáculo não faça mudar a rota da cobaia. Mas a época é de verbalizar o bem. “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade”. Um momento para nenhuma Polyanna criar defeitos. Embora otimismo mesmo seja esperar que no tempo a seguir todos se entendam, se conscientizem de suas faltas, peçam perdão e perdoem, e, enfim, que o mundo seja regido pelo lobo frontal dos cérebros, a fonte “da capacidade de planejamento e estimativas”. Espera-se que a Lei da Ficha Limpa passe a marcar uma nova moral prenunciada como o meio eficaz de eliminar os corruptos que pleiteiam cargos. Espera-se que estes creiam que serão punidos por um eleitorado consciente de seu poder de veto nas urnas. E esse, sem dúvida, será o caminho da esperança para os brasileiros e brasileiras que aspiram reconhecer na política uma área que pode mudar o mundo. Como está, ainda é desacreditada embora faça parte do cotidiano das pessoas.
Um bom 2012 para todos/as.