terça-feira, 12 de janeiro de 2016

BELÉM, NOS 400 ANOS




A linha do tempo da história de Belém na minha vida tem um início bem definido: um tempo escolar em que esta cidade acolhia pré-adolescentes em fase de prosseguir seus estudos, haja vista que nas demais cidades interioranas só havia o ensino elementar, ou o chamado ensino primário, uma das etapas da educação básica no Brasil. Era praxe, como dantes (jovens que seguiam para o exterior) e ainda agora (hoje com maiores facilidades porque há escolas de ensino médio em todas as cidades paraenses), os pais que tinham posses, inscreverem seus filhos e filhas nos colégios da capital. Alguns eram hospedados em casa de parentes, outros, sem essa facilidade, tinham que arcar com recursos próprios para que seus filhos/as ficassem internos em colégios particulares, nesse caso, o Instituto Santa Rosa, o Santo Antonio, o Gentil Bittencourt, o Santa Catarina, o Lar da Providência, para as meninas, e para os meninos, o Colégio do Carmo e o Nazaré. Havia os semi-internatos, casas familiares que recebiam jovens interioranos, como o da casa da Professora Nídia.
Desde pré-adolescente, então, reconheci esta cidade como o espaço que me daria uma formação aspirada pelos meus pais, e nessa trajetória, os anos se passando, a aclimatação me deu oportunidade de convívio com a geografia do território onde as letras do saber mais apurado iam se acumulando e o reconhecimento sobre o cotidiano desse espaço se tornava mais um saber a dividir, em períodos de férias, com os familiares e/ou os amigos interioranos.
É desse tempo que suponho ter passado a amar esta cidade que mais tarde se tornou o berço das minhas filhas e hoje, de netos/as e de um bisneto. O deslocamento residencial circunstancial entre os bairros belenenses definiu o meu entendimento sobre as políticas urbanas que se faziam de forma diferenciada reconhecendo o que era centro, médio-centro, periferia e vilas-satélites. A convivência, desde a adolescência, com essas comunidades, mostrava-me a circunscrição habitacional revelando-se áreas de moradia, de comércio, de feiras, de acumulação do lixo que era recolhido e levado para o forno crematório (desativado há algum tempo), um local do Bairro da Cremação criado na administração do Intendente Municipal Antonio Lemos como medida de saneamento. Os lugares públicos como as praças ficavam sempre nas áreas do centro da cidade, efeito ainda desse processo de urbanização lemista. Casas edificadas de tipos semelhantes às imagens de residências européias mostravam o garbo de um passado que teria sido de grande riqueza e empenhado nos emblemas de títulos como o de “Metrópole da Amazônia" ou de "Cidade das Mangueiras".
Deslocando minha trajetória escolar de uma fase de reconhecimento meio superficial para uma outra agora em nível de pós-graduação tive acesso à história regional escrita e comentada verbalmente, à documentação sobre as políticas públicas que foram propostas, legisladas e executadas e algumas impostas durante as várias gestões no governo municipal de Belém do princípio do século XX. E desse acúmulo de informações onde o centro da minha questão eram as mulheres na política testemunhei, entre versões sobre os fatos ocorridos em ao menos dois períodos histórico-republicanos, os litígios entre “príncipes” da política local que se digladiaram, se arruinaram, foram depostos e expulsos da cidade. A crise entre Antonio Lemos e Lauro Sodré e suas “entourages” que levou à deposição e expulsão do primeiro há mais de cem anos (1912) demonstrou ser em decorrência de modos políticos de governar. A denúncia da oposição contra o “velho” Lemos cujo apogeu de mando se dá entre 1904-1909, mas durante 15 anos no poder da cidade, se inclinava a considerar que sua gestão se realizava de forma patrimonialista e dirigida às classes sociais altas, as únicas que podiam legitimar a forma de urbanização e promoção da beleza da cidade cujo modelo ele captava do governo Pereira Passos, do RJ, e da influência europeia na arquitetura das edificações. Essa denúncia gerenciava a criação de movimentos sociais chamadas de “frentes patrióticas” em forma de ligas intituladas “Liga Moral de Resistência”, “Centro de Resistencia ao Lemismo”, “Clube Democrático Lauro Sodré”, “Liga Feminina Lauro Sodré” que objetivavam “empreender campanhas que solucionassem a chamada "anarquia social", supostamente estabelecidas nacionalmente desde o período de Campos Sales, com a centralização do poder das oligarquias estaduais.

Com a interventoria de Magalhães Barata, em uma segunda república, a gestão da cidade deu-se entre novos rumos onde as políticas do Programa da Aliança Liberal promoveram medidas de cidadania fortalecendo a base de políticas públicas para a classe operária, por exemplo, cuja situação deixou de ser tratada como “caso de polícia” para ser favorecida como questão social. O urbano belenense teve uma nova reconfiguração também, pois, as fábricas foram acompanhadas pelo gestor estadual que tomava para sí os desmandos de pauperização da população e as condições insalubres em que trabalhava o operariado.
Numa Terceira República, pós-1945, a revalidação das questões sociais trouxeram a reconfiguração do espaço urbano cuja “desodorização” (termo usado por Nazaré Sarges) deixou de ser por uma estética plástica da cidade, mas de atenção por novos espaços de sociabilidade intra-classes sociais. Praças públicas que vinham sendo deslocadas de lugares centrais para bairros periféricos, a territorialidade estendeu-se para pensar em outros significados ditados pelas políticas públicas que eram exigidas então e implementadas segundo a vontade política do gestor.
Hoje, o que pedimos como presente para festejar o aniversário de Belém, no caso esses 400 anos? Que os gestores administradores da cidade avaliem quais políticas ainda estão nas gavetas e, conforme as possibilidades, implante-as, em torno de áreas tão carentes como educação, saúde, saneamento, segurança e a cultura, um dos ramos mais esquecidos ainda.
Nestes 400 anos circularam na cidade muitas promessas de melhoria de vivência para a população. Se Antônio Lemos (1897-1911) marcou o período de urbanização da cidade concedendo partes do território urbano para o investimento com recursos privados de um empresariado que se locupletou dessas benesses, mas deixou um cenário simbólico da riqueza amazônica, Edmilson Rodrigues (1997- 2004) já nos anos noventa do século XX recuperou parte do prestigio de marcos históricos e investiu em novas imagens para levar ao apogeu alguns símbolos locais que estavam desprestigiados. E nessa nova moldura incluiu as demandas de uma população que definiu em assembleias populares a aplicação dos recursos a serem aplicados no beneficiamento de demandas dos cidadãos que faziam parte da cidade.

Mesmo que desfigurados, os documentos tradicionais e históricos desse tempo da fundação da cidade, o belenense ama a sua terra e por isso pede que neste momento de comemorações o poder público não esqueça que além das melhorias de uma fachada arquitetônica não deixe de reconhecer que a cidade só é forte por que seu povo faz dela o seu grande apoio afetivo.