domingo, 17 de julho de 2011

REFORMA POLÍTICA, TEMPO E MULHERES


Convidada pela Senadora Marinor Brito (PSOL) como palestrante na Audiência Pública da CCJ-Senado Federal para debater o tema “O Papel da Mulher Brasileira na Reforma Política: Desafios e Perspectivas” (OAB-PA, 20/06), contribuí com uma idéia enquadrada no longo percurso desse gênero, instigando o debate e conquistando arduamente a sua inclusão na condição de cidadã. Com isso, re-fazendo a cultura injetada pela educação patriarcal desde a antiguidade clássica. Em “A reforma política, ao longo do tempo, na vida das mulheres” procurei cumprir os objetivos da proposta, avaliando os obstáculos à ascenção desse gênero aos cargos de representação política entre os quais, “a recusa de seus nomes pelos partidos para ocupar postos tanto aos cargos de direção como para concorrer aos pleitos eleitorais”. É fato que o Brasil se acha numa das últimas posições do ranking mundial da representação feminina, sendo 8.77% de mulheres na Câmara dos Deputados, 14.81% no Senado e entre 11% e 12% nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais. Esse quadro deve-se “à idéia preconceituosa, ainda propagada, de que às mulheres cabem os espaços domésticos ou privados e não os da política, historicamente ocupados por homens”.

É fato que desde as evidências da construção da política nós, mulheres, fomos as primeiras a lutar por uma reforma. Circulando pela Antiguidade, período Medieval, Estado Moderno, os autores clássicos apontam o protagonismo masculino nesse campo e o “lugar” doméstico feminino. Aristóteles, por exemplo, cita em seu “Tratado da Política”, apesar dos atributos concedidos aos cidadãos de isonomia, isegoria e isocracia, que só participavam os homens atenienses livres, maiores de 20 anos, únicos a possuirem a cidadania ativa. Estavam excluídos, portanto, os estrangeiros, os escravos, as mulheres e as crianças.

Na interseção entre o final do estado Moderno e inicio do Contemporâneo, ao avaliar a Revolução Francesa, é fato que esse gênero não tem direito a voz nem a voto nas assembléias que pregam a queda da monarquia e a ascensão da burguesia nascente, mas nem por isso deixa de participar pleiteando cidadania e voto, estatutos de inclusão no processo político da corrente liberal da democracia representativa. Quer dizer, o voto as inclui na cidadania que está sendo distribuida. A outra corrente, a socialista, discute as reformas nas relações de trabalho, determinantes das mudanças estruturais, mas, quem resolvia a questão era a cidadania política.

É desse período que se evidencia a 1ª onda feminista como luta sufragista ou necessidade de reforma política – processo de inclusão pela igualdade de direitos políticos e sociais. Esse movimento que surge no século XIX e início do XX está preocupado, principalmente, com o direito do voto feminino.

A 2ª onda, a partir dos anos 60, com o slogan "o pessoal é político", inaugura a defesa das mulheres em torno de sua inteligência, negando serem vistas somente através do sexo. Coexistiu com a chamada terceira onda.

A 3ª onda feminista originou-se no meio da década de 1980; e na década de 1990 recompôs supostas falhas da segunda. Neste momento, as feministas negras questionaram o movimento considerando ausentes as subjetividades que se relacionavam à raça.

As mulheres brasileiras incluem-se nessas ondas de mudança. Avaliando-se os códigos eleitorais que subsidiaram as reformas vemos que o 1º Código - Decreto nº 21.076, de 24/02/1932 adotou o voto direto, obrigatório, secreto e o sufrágio universal às mulheres. O 2º Código - Lei nº 48, de 4/05/1935, incluiu o alistamento e o voto feminino obrigatórios para as mulheres que exercessem atividade remunerada. O 3º Código - Decreto-Lei nº 7.586, de 28/05/1945, antecedeu a Constituição de 1946. Recriou a Justiça Eleitoral, no Brasil, regulando em todo o país o alistamento eleitoral e as eleições, exigência do registro de partidos políticos organizados em bases nacionais. Não há uma especificidade de reforma às mulheres, mas se torna um meio mais evidente de categorizar os simpatizantes aos partidos. O 4º Código - Lei nº 1.164, de 24/07/1950 inovou no capítulo sobre a propaganda partidária, garantindo seu livre exercício. E o 5º Código - Lei nº 4.737, de 15/07/1965, concebido durante o regime militar, ainda vigora em alguns de seus institutos. Ao tratar da obrigatoriedade do alistamento (qualificação e inscrição voluntária) e do direito do voto dos brasileiros de ambos os sexos, apresenta uma novidade: pela primeira vez, deixa de constar a cláusula de exclusão da cidadania política às mulheres “que não exercem profissão lucrativa” (Art. 5º e 6º). Sofreu, todavia, várias modificações e, hoje, difere bastante de sua forma inicial.

A exposição feita sobre a reforma política pelas mulheres brasileiras foi muito mais abrangente, classificando o pleito atual dos movimentos. Vejo este momento como uma 4ª onda feminista, com os processos de reforma política em duas perspectivas: a reforma institucional – mudanças nos sistema eleitoral com a “cara das mulheres”= as cotas partidárias, preenchimento das listas eleitorais e não mais a reserva de vagas para as mulheres etc. E a reforma informal: a)revisão das formas de empoderamento com ênfase focada para as discussões específicas das mulheres; b) sensibilização dos partidos políticos à presença das filiadas e criação de uma agenda de formação para estas, independente do tempo eleitoral; c) fortalecimento de candidaturas femininas sem que represente obrigação das cotas ou serviço partidário, integrando as suas demandas, sem esquecer as básicas pelas quais elas tanto lutam; d) mecanismos de responsabilização para avaliar a relação partido & mulheres & poder e enfrentar os resultados sem medo de perdas eleitorais.

Reforma com a “cara das mulheres”: a mudança de regras seria alterar a cultura política, não reforma simplificadora do “jogo político".

(Texto originalmente publicado em "O Liberal", em 15/07/2011)

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